Sentei-me à mesa de jantar como quem assiste a um episódio ao vivo de um reality show. As risadas, os brindes, os comentários sobre viagens, receitas e reformas de apartamento — tudo soava tão... artificial. A mulher ruiva que trouxe o vinho — que agora virava no copo como se pudesse se entorpecer o suficiente para ignorar o ambiente — se chamava Melissa. O homem barbudo ao lado dela, Peter. A morena de cachos bem definidos e olhos esverdeados atendia por Sophie, e o namorado dela, Joe, fazia questão de lembrar que era engenheiro toda vez que abria a boca.
Samantha parecia ter nascido para esse tipo de jantar. Animada, risonha, e, acima de tudo, física. Cada vez que falava, ria ou apenas movimentava a taça, tocava em Adam. No ombro, na mão, no rosto. Como se reafirmasse a cada gesto: ele é meu. E eu, mesmo me odiando por isso, não conseguia evitar de olhar. Nem fingir que não me importava.
Deviam ser os hormônios, repeti a mim mesma pela terceira vez naquela noite. Ou talvez fosse a ironia c***l da vida me fazendo pagar, em prestações, a escolha de ter partido para a Itália.
Sophie pareceu notar minha tensão, porque me virou um sorriso gentil e perguntou:
— Então, Catarina, de onde você conhece o Adam e a Samantha?
Respirei fundo, tentei parecer casual.
— Conheci a Samantha hoje. Mas o Adam… — dei uma olhada nele antes de continuar — nos conhecemos há anos.
Adam pigarreou, desconfortável.
— Pois é — disse ele, como se quisesse encurtar o assunto.
Mas Samantha sorriu, aquele tipo de sorriso que corta como vidro fino, e disparou:
— Catarina e Adam foram namorados. Mas ela foi embora para a Itália. Adam ainda tentou ir atrás dela — ela girou o vinho na taça, fingindo leveza — mas ela deu um pé na b***a dele.
O silêncio caiu sobre a mesa como um raio. Todos olharam para Adam e depois para mim. Peter, sempre tentando manter a paz, deu um sorrisinho educado.
— Bem… o importante é que vocês têm maturidade e conseguiram transformar isso em amizade, né?
— Na verdade, hoje foi a primeira vez em que nos vimos depois de meses — corrigi, direta.
Foi aí que aconteceu: todos os olhos se moveram, quase em sincronia, para minha barriga. Incluindo os de Adam.
Samantha, sem perder o tom doce, mas com aquele brilho de provocação nos olhos, comentou:
— Apesar de tudo, eu só tenho a agradecer à Catarina. Foi porque ela foi embora que eu consegui o emprego de professora substituta na escola do Adam. Quando ele viajou, assumi a turma dele, e, quando voltou… bom, nos apaixonamos. Agora estamos noivos — disse, erguendo a mão e exibindo o anel. — Vamos nos casar no verão.
Olhei para Adam. A mandíbula dele estava tensa.
— Ainda não definimos todos os detalhes — murmurou ele.
— Mas vai ser no verão — rebateu Samantha, firme, antes de voltar o sorriso para os convidados.
Silêncio. De novo. Então Peter, tentando dissipar o clima, ergueu a taça.
— Que tal um brinde?
Todos ergueram suas taças, exceto eu. O gesto foi automático, mas os olhares me fuzilaram.
— Dá azar brindar com água — expliquei, dando de ombros. Era verdade. Ou pelo menos era uma desculpa válida o suficiente para quebrar o constrangimento.
Eles brindaram. Eu apenas observei.
As conversas voltaram. Risadas forçadas. Comentários vazios. Eu apenas girava meu copo com água como se fosse um cálice envenenado.
Então meu celular vibrou no bolso do casaco. Uma única notificação. Lorenzo. Está feito. Tudo conforme o plano. Estou perto.
Fechei os olhos por um segundo. A primeira respiração aliviada em dias. Um sorriso escapou antes que eu conseguisse conter.
Adam me notou.
— Está tudo bem?
Assenti, ainda sorrindo.
— Pela primeira vez em muito tempo… sim.
Me levantei, pegando todos de surpresa.
— O jantar estava ótimo. Foi um prazer conhecer todos vocês. Principalmente a Samantha — acrescentei, sem ironia. — Mas preciso ir.
Adam se levantou, confuso.
— Já?
Samantha arqueou uma sobrancelha, mas ficou calada.
— Sim, já.
— Eu te acompanho — disse Adam, já se afastando da mesa.
Samantha segurou seu braço com firmeza.
— Amor, temos convidados — disse ela, doce como veneno.
— Não precisa — falei, antes que virasse discussão. — Eu sei o caminho.
Caminhei até a sala, peguei o casaco e saí do apartamento de Adam. Da vida dele, talvez.
O ar da noite era mais frio do que eu esperava. Enfiei as mãos nos bolsos do casaco e permaneci ali, parada na calçada, tentando não pensar. Nem sentir.
Os passos atrás de mim foram leves, mas familiares.
Me virei e vi Adam.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, cruzando os braços. — Samantha vai ficar uma fera com você.
— Não podia te deixar ir embora sem perguntar uma coisa.
— Não é seu.
Ele engoliu em seco.
— É do Dante?
Assenti.
— E onde está o… pai do ano?
— Provavelmente enterrado em Vibo Valentia — respondi, com a voz neutra.
Ele demorou um segundo para processar.
— Dante morreu?
— Morreu.
— Eu… sinto muito.
— Obrigada.
— Na verdade, não sinto não.
Dei um meio sorriso.
— Eu sei.
Adam deu um passo mais próximo.
— Catarina… o que você veio fazer aqui? Sei que não foi coincidência.
Suspirei.
— Precisei despistar umas pessoas.
— Então você devia dormir aqui. É mais seguro.
— Não posso. É arriscado. Meu motorista está chegando.
— Fica — insistiu ele. — Se teve que despistar alguém, pode estar sendo seguida.
— Você está paranoico.
— Talvez. Mas… eu ando olhando por cima do ombro o tempo todo. Sempre acho que tem alguém me vigiando.
— Por isso mesmo não posso ficar — respondi, tentando me convencer disso tanto quanto a ele.
O celular vibrou de novo. Uma nova mensagem de Lorenzo: Mudança de planos. Fique onde está até segunda ordem.
Fechei os olhos, sentindo o estômago se apertar.
— O que foi? — perguntou Adam.
— Parece que… vou ter que ficar mais um pouco com você e seu grupo de amigos.
Adam sorriu. O sorriso dele era o mesmo de anos atrás. O mesmo que fazia meu coração esquecer quem eu era.
— Ótimo.
— A Samantha vai te matar.
— Eu lido com a Samantha — disse, tranquilo.
Caminhamos de volta até o prédio. E, por um instante, pouco antes de entrarmos, juro que vi uma luz fraca. Como o flash de uma câmera. Parei. Olhei em volta. Nada. Só o silêncio urbano da madrugada.
— O que foi? — perguntou ele.
— Nada.
Mas não era nada. Nada nunca é só… nada.
Entramos. E, por alguma razão que eu ainda não entendia, algo me dizia que essa história estava longe de terminar.