CAPITULO 13

1789 Palavras
ADAM SCOTT Bebi um gole de café e deixei que o sabor quente e amargo escorresse pela garganta enquanto observava Catarina à minha frente. Sentada à mesa da minha cozinha, com os cabelos bagunçados, vestindo minha camisa larga e com a barriga agora inconfundível se destacando, ela parecia ainda parte do sonho que me acordou com os olhos úmidos naquela manhã. Mas não era um sonho. Ela estava ali. Real. Respirando. Vivendo. Carregando uma nova vida. Apontei com o queixo para sua barriga. — Ele ou ela já tem nome? Catarina abaixou os olhos e passou a mão com carinho sobre o ventre. Foi um gesto suave, quase reverente. — É um menino — disse, com um tom suave, mas firme. — Mas não, ainda não pensei em um nome. Hesitei por um segundo. Eu sabia que estava pisando em terreno instável, mas perguntei mesmo assim: — Nem pensou em colocar o nome do pai? Ela ergueu os olhos, encontrando os meus. Seus olhos estavam sóbrios, sem desviar. — Dante? — repetiu, com um certo desdém seco. — Não. Fez uma pausa, e acrescentou: — Meu filho merece um nome só dele. Assenti devagar, um sorriso se formando antes que eu pudesse controlá-lo. Não sei explicar. Aquilo soava como uma escolha definitiva. Como se Catarina tivesse desenhado uma linha no chão e, por fim, escolhido de que lado queria viver. Ela estreitou os olhos, desconfiada. — O que foi? — O que foi o quê? — Esse sorriso. — Ela apontou com a ponta da faca, ainda com um pedaço de panqueca no prato. — No seu rosto. — Ah — cocei a nuca, tentando disfarçar — só lembrei que... a gente nunca teve essa conversa, sabe? Sobre nomes. Que nome daríamos aos nossos filhos, se tivéssemos um. Catarina inclinou levemente a cabeça, como se estivesse refletindo sobre isso pela primeira vez também. — Pois é... a gente não teve. — E você? Já teve essa conversa com a Samantha? — perguntou ela, a voz meio cortante, meio casual. Engasguei, pigarreando antes de responder. — Já. Rebecca e Sebastian. Ela gostava desses nomes. — Belos nomes — murmurou Catarina, cortando mais um pedaço da panqueca com o garfo. Aproveitei o momento para devolver a pergunta. — E você e Dante? Chegaram a conversar sobre isso? Ela largou os talheres, olhando para um ponto no meio da mesa. O silêncio se estendeu por alguns segundos antes de ela responder: — Não. Dante morreu sem saber que eu estava grávida. Um nó se formou no meu estômago. — Como? — minha voz saiu mais aguda do que eu esperava. — Como foi que... ele morreu? Catarina respirou fundo, desviando o olhar como quem busca força em algum lugar invisível. — Provavelmente com uma bala na cabeça — disse, seca. — Disparada pelo Capo di tutti capi, a mando meu. Engasguei. Literalmente. Cuspi o gole de café que ainda estava na boca. — O quê? Ela encolheu os ombros, desconfortável, como se estivesse falando do tempo. — Foi durante a guerra. Eu tive que escolher, Adam. E eu não escolhi Dante. Fez mais uma pausa, limpou a boca com o guardanapo. — É tudo o que você precisa saber. — Você se arrepende? — perguntei, a voz embargada. — Todos os dias. Ela me olhou. Havia um peso nos olhos dela. Um cansaço antigo. — Mas a máfia é isso. Escolhas que a gente tem que carregar até o fim. O toque estridente do celular dela cortou o ar. Catarina se levantou devagar. — Falando em máfia... — murmurou, indo até o celular deixado no aparador. Atendeu com um "alô" seco e sumiu na sala de estar. Fiquei ali, parado na cozinha, encarando a cadeira vazia onde ela estava. Aquela informação latejava dentro de mim como uma bomba recém-ativada. Ela mandou matar o homem por quem jurou amor. O homem por quem chorou. O homem que, segundo o diário que um dia encontrei, era a razão pela qual ela havia se entregado a uma guerra. E agora ela estava aqui. Com a camisa que ela costumava usar nas manhãs preguiçosas. Com a barriga redonda. Com aquele olhar que me partia e me prendia ao mesmo tempo. Não sei quanto tempo se passou até que ela voltasse. Catarina surgiu de novo, celular ainda na mão. — Meu motorista está vindo. Preciso me trocar. Assenti. Fiquei de pé e dei dois passos até ela, até que ela parasse. — Espera. Ela se virou, confusa. — O que foi? Eu hesitei por um segundo. Mas não podia deixá-la ir sem perguntar. Sem saber. — Você... alguma vez... se imaginou como seria a sua vida, se tivesse ficado? Se não tivesse ido para a Itália... se tivesse ficado aqui, comigo? Ela me olhou de um jeito estranho, como se estivesse vendo o passado. Ou talvez um futuro que nunca aconteceu. Seus olhos correram pela cozinha. Pela mesa. Pelas xícaras. Pelas panquecas. — Sim — disse ela, por fim. — Me imaginei muitas vezes. — E como foi? Ela sorriu, triste. Um sorriso de algo que poderia ter sido. — Foi exatamente como essa manhã. Virou-se e saiu, indo em direção ao quarto para se trocar. E eu fiquei ali, parado. Sozinho. Com a xícara de café ainda quente na mão. E um vazio que parecia crescer no mesmo ritmo que a barriga dela. *** Catarina retornou minutos depois, pronta para partir. Eu já tinha ajeitado a louça, guardado os talheres e passado um pano úmido no balcão da cozinha. Estava de costas quando ouvi seu pigarro suave atrás de mim. — Preciso ir — ela disse, a voz baixa, quase hesitante. Virei-me devagar, absorvendo a imagem dela: o casaco ajustado à cintura, a expressão cansada, mas firme, a mesma Catarina que parecia ter saído de um campo de guerra, mas ainda assim era a mulher mais bonita que eu já vira. — Se você esperar um pouco, eu me arrumo e a gente sai junto — falei. — Tenho aula daqui a pouco mesmo. Ela balançou a cabeça. — Melhor não, Adam. Você vai se tornar um alvo se for até a escola comigo. Eles estão me vigiando. Estão vigiando tudo. — Eu já sou um alvo, Catarina — respondi, com um sorriso que tentei tornar leve. — Sempre morei aqui. Já devo estar no radar dos seus inimigos faz tempo. Ela franziu o cenho, os olhos castanhos se estreitando. — Nesse caso, vou providenciar um lugar novo para você morar. Um seguro. — Não. — Fui firme. — Não precisa fazer isso. Eu gosto daqui. É a minha casa. — Adam… aqui, você está em risco. Dei de ombros. — Eu estaria em qualquer lugar. Isso é o que acontece quando se está perto demais de uma mulher incrível como você. Ela corou, baixou o olhar por um instante e depois o ergueu de novo, determinada. — Ainda assim, eu não quero que você tenha se tornado um alvo por minha causa. — Está tudo bem. Houve um silêncio tenso entre nós. Então ela deu um passo à frente. — Vem comigo — disse de repente. Pisquei, confuso. — O quê? — Vem comigo. Pra Itália. Recomeça lá. Eu posso te proteger lá. Fiquei parado, olhando pra ela. Como se aquela frase tivesse aberto algo em mim que eu nem sabia que ainda existia: esperança. Ela podia me proteger. Mas… quem ia me proteger dela? Na minha cabeça, girava a ideia de formar uma família com Catarina. Aquele velho sonho que eu pensei que já tinha enterrado, mas que agora voltava a pulsar, vivo. Eu via isso nas manhãs como essa. O cheiro de café. A luz entrando pelas janelas. A voz dela, o som dos passos descalços no chão de madeira. E então a pergunta veio. A pergunta que eu precisava fazer, mesmo que destruísse qualquer chance que ainda restasse. — Catarina — comecei, com a voz mais rouca do que eu gostaria —, me responde uma coisa? Ela parou, encarou-me com curiosidade. — O quê? — Você me ama? Ela piscou, surpresa. — Como é? — Você me ama? — repeti. — Porque, pra mim, isso é tudo. Não adianta fugir, se esconder, começar de novo em outro país, se você não me ama. — Não se trata disso, Adam — ela rebateu. — Trata-se de te proteger. De te manter vivo. — Mas pra mim se trata disso. De amor. — Fiz uma pausa. — Então me diz… você me ama? Ela respirou fundo. Veio aquele silêncio pesado de novo. — Você é uma pessoa muito importante pra mim — disse, por fim. — Eu não quero te perder. — Não foi isso que eu perguntei. Ela baixou o olhar. — Você sabe a resposta. — Então você sabe a minha também. Ela balançou a cabeça, aflita. — Meus inimigos vão vir atrás de você assim que eu sair por aquela porta. — Tudo bem. Eu tô bem com isso. Desde que você esteja segura. — Adam, por favor… Aproximei-me, segurei o rosto dela com as duas mãos. — Eu te amo, Catarina. E tô bem com a minha escolha. Mesmo que isso custe minha vida. — Você não precisa fazer isso — sussurrou ela, os olhos brilhando com lágrimas. — Preciso sim. Porque assim… talvez… numa outra vida… eu tenha a chance de te conhecer de novo. E talvez, nessa outra vida, a gente consiga. A gente forme uma família. Ela me beijou. Um beijo lento, amargo, doído. Um beijo de despedida. — Eu sinto muito — ela murmurou, encostando a testa na minha. — Sinto muito isso não ser nessa vida. Mas eu quis muito que fosse. — Eu também. Ela se afastou, limpando o rosto com as costas da mão. — Até breve, Adam Scott. — Adeus, Catarina Piromalli. Ela pegou o casaco, a bolsa. E saiu. A porta fechou com um estalo surdo atrás dela. Fiquei ali, parado, por alguns segundos. O silêncio da casa parecia mais espesso. Cada parede me lembrava o que poderia ter sido. Sentei-me no sofá. Ela havia partido. E era isso. A mulher que eu amava, grávida de outro homem, envolvida em uma guerra que eu não podia sequer começar a compreender, tinha me deixado para trás. Pela segunda vez. Fechei os olhos, tentando manter as lágrimas afastadas. Não ia chorar. Não agora. Foi quando ouvi as batidas. Leves. Quase tímidas. Meu coração acelerou. Abri os olhos, enchi-me de esperança. Talvez… Talvez ela tivesse voltado. Talvez tivesse mudado de ideia. Talvez… Levantei-me num pulo e fui até a porta. Meu coração batia descompassado, como se quisesse sair do peito. Girei a maçaneta. Sorri. Mas não tive tempo de processar. Tudo ficou escuro.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR