Capítulo 52. Anélisse aceita.

767 Palavras
A manhã seguinte chegou cinzenta, abafada, com o som distante da chuva batendo contra as janelas da mansão Tomeras. Anélisse descia as escadas devagar, ainda com o olhar distraído sentia o peso do vínculo mágico pulsando fraco no peito, como uma lembrança viva de Mattheo. Quando ela chegou ao salão principal, seu pai já a esperava.George Tomeras estava de pé, de braços cruzados, a expressão grave. A mãe dela observava de longe, em silêncio como se já soubesse o que estava por vir e não tivesse forças para interferir. — Anélisse, — a voz dele soou firme, sem espaço para rodeios. — Sente-se. Ela obedeceu sem protestar, as mãos repousando sobre o colo. George caminhou lentamente até a frente dela. — Já tomei minha decisão. Anélisse manteve o olhar fixo nos dele. — Decisão sobre o quê? — perguntou, com a voz baixa, quase indiferente. — Sobre o seu futuro. — Ele respirou fundo. — Você vai para os Estados Unidos. Vai morar com seus tios até o fim do ano. Lá, não há... distrações. Nem pessoas que te afastam do que é certo. O nome de Mattheo pairou não dito entre eles, denso, como uma sombra. Anélisse desviou o olhar para o chão por um instante, o coração apertando mas quando ergueu os olhos novamente, algo neles havia mudado. Não havia raiva. Não havia lágrimas. Apenas uma serenidade inquietante, quase fria. — E quando eu devo ir? — perguntou, simplesmente. — Ainda esta semana. Já está decidido.— George franziu o cenho, surpreso pela falta de reação. — Está bem, se é assim que desejam.— Ela assentiu lentamente O silêncio que seguiu pareceu desconfortável até mesmo para ele. — Está bem? — repetiu, esperando gritos, súplicas… qualquer coisa. — Está, pai. Eu vou.— Anélisse respondeu serena George apertou o maxilar. — Espero que entenda que isso é para o seu bem. Ela levantou-se, ajeitando o vestido com calma. — Não, pai… eu entendo perfeitamente. — seus olhos o fitaram, e um brilho frio e determinado surgiu neles. — Mas um dia, o senhor vai se arrepender de me mandar embora. Ele respirou fundo, tentando manter a compostura. — E por que eu me arrependeria? Anélisse deu um passo à frente, a voz baixa, firme e cortante: — Porque eu posso proteger o Mattheo. E vou. George congelou, o rosto perdendo a cor por um instante. A calma com que ela disse aquelas palavras o atingiu mais do que qualquer grito poderia. Ela virou-se e começou a subir as escadas sem pressa, deixando-o parado ali, tentando entender onde havia perdido o controle da própria filha. E, por um breve momento, enquanto desaparecia pelo corredor, uma linha verde brilhou sob a pele do pulso de Anélisse o símbolo do Sanguis Vinculum respondendo silenciosamente à promessa que acabara de fazer. O relógio marcava quase onze da noite. A mansão estava mergulhada em silêncio o tipo de silêncio que só vem depois de uma decisão irrevogável. Anélisse estava em seu quarto, sentada à escrivaninha de madeira antiga, a pena flutuando sobre o papel, movendo-se com a leve orientação de sua varinha. As palavras que nasciam eram carregadas de magia, mas também de urgência Mattheo, Eles vão me mandar embora. Talvez antes do amanhecer de sábado. Mas não posso ir sem te ver, sem te dizer o que preciso dizer olhando nos teus olhos. Encontre-me no jardim das rosas, às duas da manhã. Você sabe o caminho. Sempre soube. A. Quando terminou, ela pousou a pena e respirou fundo, observando as letras se moverem sutilmente no papel o encantamento de rastreamento ativava-se, reconhecendo a aura de Mattheo como o único destinatário possível. Ela pegou o bilhete e ergueu a varinha, sussurrando o feitiço antigo que usava quando crianças para trocar mensagens em segredo: — “Spiritus Ventus, fer mihi cor eius.” Uma brisa suave percorreu o quarto, fazendo as cortinas se moverem como véus de fumaça. O papel dobrou-se sozinho, transformando-se em uma pequena ave de luz prateada um corvo translúcido com olhos verdes, símbolo do vínculo deles. Anélisse se aproximou da janela e a abriu. O vento frio da noite entrou, o corvo deu um breve giro em torno dela, como se reconhecesse sua tristeza, e depois alçou voo, desaparecendo entre as nuvens. Ela ficou ali, olhando para o céu escuro, com a lua refletindo nos olhos marejados. — Por favor, me encontra — murmurou, mais para o vento do que para si mesma. Do outro lado da cidade, Mattheo sentia um calor familiar no peito, um tremor sutil em sua mão, o chamado silencioso de Anélisse.
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