Desespero e esperança. ( Fernando)

1498 Palavras
" Tudo onque temos em vida é inútil quando não se pode cessar o sofrimento de quem se ama." Por: Fernando. O ser humano é um nada quando não pode ficar no lugar daquele que mais ama, é um nada quando não pode desviar para si toda a dor e o sofrimento que o ser amado está passando. Ela tinha sido levada às pressas numa maca, minha filha tinha os lábios arroxeados, meus netos e ela estão em grande risco, e ter consciência disso me apavorava muito. Abracei minha esposa, que soluçava em desespero. Nós compartilhávamos da mesma agonia de não poder afirmar que tudo ficaria bem, porque está fora do nosso controle essas coisas. Tentei ser forte e não desmoronar, mas não consegui e desabei no choro como há muito não ocorria. Nunca senti um medo tão grande na vida e nunca me arrependi tanto de ter vindo para Alegrete e ter aceitado a proposta de emprego. A minha família está sendo despedaçada, e eu não estou conseguindo construir o que o Grecco vem destruindo com facilidade e rapidez. _ Não quero perder a minha filha, Fernando, não é justo nós, pais, termos que sepultar os filhos. Isso vai contra a lógica natural das coisas. - minha esposa diz, enquanto eu a guio para uma cadeira vazia presente no corredor da emergência. _ Precisamos ter fé e confiança em Deus, Luzia, é o que nos resta agora. - falo, me abaixando em sua frente e limpando as lágrimas do seu rosto. _ Não fale desse Deus que não enxerga a minha filha e todo esse sofrimento que ela está passando. Não fale de um Deus que promete amor, mas deixa a dor circular entre os inocentes. Porque é isso que a minha menina é: inocente, e está sendo massacrada, e esse Deus não impediu que isso acontecesse! - minha mulher brada com rancor. _ Arrependa-te de tuas palavras, minha esposa. Deus vê tudo e sabe de tudo; a misericórdia para nós vem pelas mãos dele. Acredito que ele nos dará a resposta no momento certo. _ Que momento, Fernando? Quando os italianos malditos tiverem devorado nossa Larissa? Porque é bem capaz disso acontecer esta noite. Nossa menina está dentro de um centro cirúrgico, e nem eu, nem você sabemos o que está acontecendo com ela neste instante. - profere, levando as mãos ao rosto e derramando seus medos e dores em gotas salgadas. Procuro não falar mais nada, até porque as palavras me faltam. Levanto-me e fico ao lado de Luzia, amparando-a. O tempo vai passando e ninguém aparece para dar alguma notícia. A aflição cresce dentro de mim e quando olho para a mãe desolada ao meu lado essa soma se torna mil vezes pior. Eu pedi a Deus que me desse a chance de ter os três em minha companhia que eu iria amar e zelar por eles até o meu último suspiro, mesmo não sendo merecedor de nada algum, sendo apenas um pobre pecador cheios de deifeitos eu curvei meus joelhos no cantinho do corredor próximo da parede e clamei por piedade, para minha minha filha e meus netos. Tudo o que eu tinha no momento era a minha fé e acredito que está me sustentava para eu não perecer no vale do sofrimento. A incerteza sobre o que há por vim é torturante, e cada segundo se transforma em horas. Dou- me conta agora como somos tão pequenos diante das circunstâncias e fatos que compõe nossa existência do quanto somos frágeis e suscetíveis a inúmeras coisas e m*l aventuradas e por nós vivênciadas. Ninguém quer perder alguém para a morte. Não nascemos preparados para isso, não aprendemos a lidar com isso e não nos é ensinado a entender a perda. Não aceitamos, nunca aceitaremos, apenas seguimos sangrando. É besteira quando dizem que o tempo cura; ele não cura nada, apenas apaga a existência e todos os vestígios dos seres humanos de séculos em séculos, quando toda uma geração parte para dar lugar a uma vindoura. Ninguém sente saudade da mãe de sua tataravó, porque alguns sequer sabem quem é a sua tataravó ou até mesmo bisavó. A verdade que ninguém gosta de enxergar é essa: o tempo consome o passado como um prato frio e palatável. Dizem que existem duas filas: uma no plano superior destinada a aquelas almas que irão reencarnar e outra aqui na Terra destinada àqueles que irão partir, e que a cada segundo um é chamado para partir e outro para chegar. E nesse momento rogo que minha filha e meus netos não estejam nessa lista. Me levanto tendo meus joelhos doloridos, no entanto minha alma dói mais diante das minhas impossibilidades. Retiro meus óculos e enxugo as lágrimas que descem pelo meu rosto. Agora era a minha menina e Deus. Eu não podia fazer mais nada. Chamei minha esposa para um abraço, me perdi em mim, quis gritar, mas não pude. Senti o corpo da minha mulher tremer envolto por meu acalento. Quando a médica que atendeu minha filha assim que chegamos, surgiu na ponta do corredor vestindo roupas verdes, usadas durante sessões de cirurgia, com touca envolvendo os fios loiros e seus sapatos, senti meus joelhos fraquejarem. _ A doutora está vindo, Luzia. - avisei. Soltei a minha mulher e ficamos parados apreensivos. Não tive forças para dar um passo em direção a médica. Eu acho que se tentasse, eu certamente cairia. Peguei na mão da minha esposa, tão fria quanto a minha, e segurei com força. Passávamos força um para o outro. Assim que a doutora parou na nossa frente, o olhar preocupado que nos dirigiu foi como ter mil espadas me atingindo de uma só vez. Minha garganta fechou, até o ar passava com dificuldade. Tentei falar, mas não consegui; a língua pesou. Olhei para Luzia, que parecia estar passando pela mesma emoção. _ Vocês são os pais da paciente Larissa Medeiros Alencar? - Sim. - respondemos em uníssono. _ A paciente acabou de sair da cirurgia. Ela está na UTI devido a uma parada cardiorrespiratória que teve. É uma precaução que tomamos nessas situações. Ela teve uma pequena hemorragia, que foi controlada. A pressão foi estabilizada e, se tudo correr bem nas primeiras doze horas, amanhã ela irá para um leito na área da maternidade. Ao ouvir as palavras da médica, sinto a esperança ganhar vida dentro de mim. "Minha guerreira, meu solzinho, conseguiu superar mais essa."- falo mentalmente. _ E os nossos netinhos? - minha esposa pergunta. _ As crianças nasceram bem antes do previsto e estão na UTI neonatal, precisando de cuidados extremos. A mais debilitada é a menina que... _ Menina? - perguntamos juntos, minha mulher e eu, tomados pela surpresa. _ Sim! Não sabiam o sexo ou o ultrassom engan... _ Não sabíamos, eles estavam numa posição que não nos permitia ver. - Luzia fala com o semblante mais sereno. _ Então, vovôs, é um casal! - diz, dando um pequeno sorriso para nós dois. _ Podemos vê-los? - eu pergunto ansioso para conhecer meus pequenos. _ Por enquanto não. As visitas à UTI são restritas ao pai e à mãe, e com um horário estipulado pela gerência do hospital e da obstetrícia. No entanto, acalmem o coração dos senhores, os bebês estão sendo bem assistidos e monitorados. _ A senhora disse que a menina é a mais debilitada? - indago. _ Sim, ela tem uma massa corpórea que induz a essa fragilidade, 800g é o peso da netinha de vocês. Devo alertá-los que um parto prematuro pode fazer com que alguns bebês apresentem problemas respiratórios, nutricionais, oftalmológicos, auditivos e neurológicos. A taxa de sobrevivência dos bebês nascidos com 23 semanas é de 15% a 40%. Com 25 semanas, é em torno de 55% a 70%. Então as chances são bem grandes, uma vez que a filha de vocês tinha completado vinte e cinco semanas. Bom, agora os senhores podem ir para casa descansar um pouco, o pior já passou. _ Ficaremos aqui, doutora, queremos estar perto da nossa filha e dos nossos netos. - Luzia fala. _ A decisão é de vocês. Com a licença de ambos, tenho que passar para a visita de rotina de outras gestantes. - diz, nos deixando sozinhos. Olho para minha esposa, que sustenta um sorriso lindo, junto com as lágrimas que descem por seu rosto. - Não chores mais, meu bem, eles estão bem - falo, pegando em suas mãos. - Meu choro é de emoção e alegria, homem, nós somos avós, Fernando, avós - diz, saboreando a palavra - Avós de um menino e de uma menininha - os olhos dela brilham ao falar. - Somos, meu amor. Nós somos - afirmo, dando um beijo no topo de sua cabeça. Abracei minha esposa, mas em minha mente tenho a convicção de que não deixarei "passar em branco" a crueldade que aquele canalhorda fez com a minha menina. Mesmo que isso custe minha existência, os Greccos irão ouvir palavras ásperas da minha boca.
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