" Os olhos contemplam a beleza, no entanto o coração se encanta é com as atitudes. "
Por: Larissa.
Olho para a mesa do café da manhã posta com todo requinte. Nunca imaginei que um dia estaria diante de algo tão chique e, com certeza, recheado de regras de etiqueta. Carmen distribui as xícaras, enquanto Mônica posiciona o bule e a leiteira de forma que quem se sentar à mesa tenha facilidade para pegá-los.
O tampo do móvel sustenta uma fartura a perder de vista: diversas frutas finas, incluindo abacaxi do Lost Gardens of Heligan, queijos diversificados, sucos e, sem falar da prataria polida e da louça com detalhes delicados pintados à mão. De frente para tudo aquilo, me vi fora do meu mundo, onde o pão com manteiga, o ovo frito e o café preto são os reis da manhã na mesa dos trabalhadores.
"Acho muita comida para apenas duas pessoas."- penso.
Olhei para as meninas que fazem um vai e vem da cozinha para a sala de jantar, sempre trazendo mais alguma coisa para a crescentar ao rico café.
Mais cedo todas nós especulávamos sobre o filho dos patrões. Ninguém viu quando eles retornaram do hospital, portanto todas estávamos apreensivas. Queríamos saber se ele chegara sozinho ou acompanhado pela família, uma vez que a vida dos herdeiros é uma incógnita para nós, funcionários. Parece que eles escondem segredos que não podem ser desvendados.
Apesar de ter apenas dois lugares montados somente para servir duas pessoas, talvez a esposa seja uma dondoca que não goste de acordar cedo, ou daquelas que gosta de ser mimada pelo marido e recebem o seu café na cama quando acordar.
_ Está "pensando na morte da bezerra", garota! Anda, pega a travessa com os cornettos, está em cima da...
A fala da minha mãe é interrompida quando Dona Violeta surge na sala de jantar.
_ Bom dia, meninas! Tudo está como eu pedi? Não se esqueceram de nada? - ela pergunta, percorrendo com os olhos todos os itens dispostos na mesa. - Está falt.....
Nem temos tempo para responder à saudação da senhora , uma voz masculina, firme e grave soou e fez os pêlos do meu corpo se eriçarem, inclusive os cabelos da minha nuca. Meu estômago gelou e uma corrente fria circulou pelo meu corpo numa velocidade absurda.
" Mas o quê ?"
" Como pode isso?"
As sensações me deixam atordoada, agradeço mentalmente, por estar usando calças e blusa de manga comprida. Teria um troço se alguém percebesse o meu estado afetado apenas por ouvir a voz do homem "desconhecido".
_ Buongiorno, mamma!
Eu desviei meus olhos da senhora Grecco e busquei pelo dono da voz que causou-me essas sensibilidades desconhecidas.
Paralisei diante do que meus olhos encontraram: um homem alto, de expressão sisuda, com músculos salientes marcando o terno preto que veste e cujo rosto parece ter sido esculpido à mão pelo próprio Deus, tamanha é a perfeição.
Sinto um leve tremor dominar minha carne.
"O que é isso que estou sentindo?" - pergunto a mim mesma mentalmente, terrivelmente assustada.
A presença marcante do homem tornou o ar do lugar rarefeito. Um campo magnético formou-se ao seu redor e atraiu os olhares de nós, serviçais. Parece que sua existência é capaz de magnetizar ou atrair qualquer coisa, de tão forte que ela é. Estávamos idênticos aos materiais constituídos de ferro que são atraídos pelo ímã.
Minha análise foi interrompida quando alguém agarrou meu braço e meu corpo foi puxado com força para perto da parede.
Olhei para os lados sem entender. Carmem, dona Luzia e Mônica estão paradas lado a lado.
Sem entender absolutamente nada, imitei a posição corporal de todas.
_ Meninas, este é o meu filho, Pietro!
Olhei furtivamente para o homem e me causou impacto ao ver escancarado o olhar frio e vazio que o herdeiro dos Grecco, nos dirigia. Seus olhos cinzentos nos perfuravam como aço.
_ Pietro, estas são Carmem, Luzia, Mônica e Larissa. Elas são as funcionárias responsáveis pelo bom andamento dessa casa.
O herdeiro italiano nos ignorou como se fôssemos um monte de nada, sequer um bom dia nos dirigiu.
Paradas como estátuas, assistimos mãe e filho se sentarem à mesa. Ele ocupando a cabeceira e dona Violeta a cadeira do lado esquerdo, próxima ao homem.
Acompanhados de um silêncio sepulcral, os dois começaram a servir seus pratos.
_ Não vejo os cornettos, Luzia, você não os fez? - a senhora Grecco pergunta.
"Caramba, esqueci os croissants!" - falo mentalmente.
_ Não, senhora, eu vou busc...
Nem espero minha mãe terminar de falar, saio apressada de onde estou e rumo para a cozinha. Pego a travessa pesada de porcelana, retorno a passos ágeis. Me aproximo da mesa e, assim que faço menção de colocar o recipiente no tampo de vidro grosso, o senhor Pietro levanta sua mão pedindo com um gesto silencioso para que eu pare. No mesmo instante, travei com o recipiente em mãos.
Como se eu não estivesse ali, o homem volta sua atenção para o prato à sua frente, corta em pequenos pedaços a fatia de queijo branco.
Fico sem saber se deixo a travessa ou se volto para a cozinha.
_ Antes de nos servir qualquer coisa, prenda o seu cabelo e mantenha o mínimo de higiene. - Sua voz congelante e rascante fez meus braços perderem as forças; quase derrubei os croissants no chão.
Engulo em seco com extrema dificuldade. Sinto meu sangue se esvair.
Mônica se aproxima de mim e praticamente arranca a travessa das minhas mãos.
_ Retorne ao seu lugar, Larissa. - Dona Violeta pede.
Sinto meu rosto queimar de vergonha, totalmente sem graça. Volto a ficar ao lado da Carmen. Percebo que minha mãe não está mais na nossa presença e agradeço por isso. Seria mais humilhante ser chamada atenção na frente dela.
Após eternos minutos em que só escutamos o tintilar dos talheres na louça, observo o homem, dono de mãos grandes, com gestos polidos e requintados. Ele limpa a boca com o auxílio do guardanapo de tecido e, em seguida, deposita o pequeno pedaço de pano ao lado do prato.
_ Mocinha colorida, amanhã use roupas sóbrias quando vier trabalhar. Não sei se ainda percebeu, mas aqui é uma casa de família e não um circo.
Meus olhos travam na sua direção e o olhar duro que ele me dirige faz correntes frias perpassarem o meu corpo, como se eu estivesse sendo perfurada por várias estalactites.
Abaixo meu olhar para meu suéter pink, minha calça verde limão e fixo em meus tênis amarelo canário.
Fico perdida no misto de sentimentos que tomam o meu peito: a sensação de ter um vento quente que emana dele, soprando em minha direção, a sensação esquisita em meu baixo ventre, o frio e o medo que seus olhos me causam.
Minha boca está seca, meu coração está acelerado e minha respiração está errática.
""Por Deus, o que há comigo? Seriam sintomas da vergonha de que sou alvo?" - me pergunto.
Sem poder sustentar a batalha de olhares entre nós dois, volto meus olhos para dona Violeta, que se mostra desconcertada com a situação, entretanto não se manifesta.
Olho de soslaio para Carmem, que está tão pálida quanto eu, enquanto Mônica, que se encontra a poucos centímetros à frente, carrega o esgar de um sorriso. Eu sei que ela se deleita com o acontecimento.
Quando o ogro some pelo corredor, solto o ar que eu nem sabia que estava segurando.
_ Larissa, mi dispiace ragazza. Pietro viveu muito tempo longe do Brasil e os costumes na nossa Itália são outros.
Apenas anuí, eu não tinha palavras, muito menos condições para argumentar nada.
Segurei minhas mãos trêmulas atrás das minhas costas.
Dona Violeta deixa a mesa e segue em direção oposta à do filho.
_ Caramba, Lari! O que foi isso? - Carmen me pergunta.
_ Se você não sabe, imagine eu. - falo verdadeiramente.
_ Como se vocês fossem cegas, olha as roupas da menina. - Mônica aponta o dedo e faz movimentos de cima abaixo em minha direção - Está parecendo uma palhaça. - diz ácida - Qualquer um pode te enxergar a milhas de distância com essas cores exageradas que está vestindo e outra, está vendo alguma de nós com o cabelo solto? Isso aqui não é um passeio no parque, é trabalho. - completa.
Olho com raiva para a loira que dá de ombros e sai da sala de jantar levando consigo uma bandeja recheada de coisas.
_ Não se preocupe com isso, Lari. Gente rica é assim, cheia de frescura. No entanto, evite ficar entrando em choque com o senhor Pietro. Ele tem uma vibração esquisita. Nossa! Coisa boa esse homem não é.
" Será que foi por isso que fiquei tão esquisita quando ele me olhou fixamente?"- penso.
_ Irei fazer isso, Carmem.
_ Hoje, pelo que parece, vão haver duas candidatas para serem entrevistadas, se tudo der certo. Logo, você estará livre de engolir o humor do cão que esse homem parece ter - ela diz e sorri para mim.
Carmem é uma senhora doce de quarenta e cinco anos, esposa de um tratorista da fazenda Caravaggio.
Ajudo a retirar a mesa e por volta das onze e meia sou dispensada. Retorno para casa remoendo os acontecimentos da parte da manhã.