Maitê
Eu podia estar curiosa, podia ter passado mais tempo do que eu gostaria pensando nesse cara, mas pera lá. Ele não pode sair intimidando as pessoas assim.
Tá... ele podia... Mas mesmo assim, não estava certo.
Ele me provocou. Descaradamente. Ali, no meio da viela, com os "crias" dele nos observando como se estivessem num espetáculo. A raiva subiu na minha garganta.
Quem ele pensava que era?
O Dono desse lugar, Maitê.
Sim, era o Don, o temido Rael, mas isso não lhe dava o direito de ser tão arrogante.
De certa forma, eu sabia que não podia ficar desafiando o dono desse lugar. Mas já foi difícil chegar até aqui, tô cansada das pessoas m*l me olharem, ou, quando me olham fazem cara de julgamento.
Parece que elas querem dizer que não sou capaz. Que não vou conseguir.
Sem contar esse apelido ridículo que recebi desde que cheguei nesse lugar.
Forasteira? Sério?
— Não é fácil em lugar nenhum. Mas sou acostumada a trabalhar duro. E não preciso de ninguém me subestimando. Nem mesmo você.
As palavras saíram de mim sem que eu pudesse controlar. Posso estar maluca, mas desconfio que vi um breve lampejo de sorriso em seu rosto.
— Duvido muito. Você não parece alguém que pega no pesado.
— Isso porque você não me conhece. Não sabe nada de mim.
— Será, forasteira?
— Para de me chamar assim.
— Por que? Não é isso que você é?
Suas palavras pareciam me atingir mais do que eu gostaria. Não queria parecer fraca.
— E você, Rael? — retruquei, a voz mais firme do que eu esperava, meus olhos fixos nos dele. Abaixei meu tom de voz, porque não queria que todos me ouvisse.— Acha que a vida é só mandar e desmandar? No meu interior, a gente trabalha junto, se ajuda. Ninguém se sente no direito de humilhar os outros só porque tem um pouco mais de poder.
Os olhos dele se arregalaram levemente, uma surpresa rápida passando por eles antes de ele recompor a expressão dura. Seus "crias" trocaram olhares, percebi que minha voz não saiu tão baixa quanto eu queria.
Eu tinha acabado de desafiar o Don na frente de sua guarda. E agora? Eu esperava uma explosão, um acesso de fúria. Mas ele não explodiu.
Em vez disso, ele inclinou a cabeça, um canto da boca se erguendo em um sorriso quase imperceptível, um sorriso que não chegava aos olhos.
— Ah, é? Então a mocinha do interior veio ensinar o morro a viver?
— Não — n**o com a cabeça enquanto digo — Não vim ensinar nada a ninguém. Eu vim viver a minha vida. E não preciso de ninguém me atrapalhando, muito menos julgando de onde eu vim ou o que eu sou capaz de fazer — senti o sangue fervendo nas minhas veias.
Ele deu um passo na minha direção, estávamos praticamente respirando o mesmo o ar. E eu, por um instante, me encolhi. Mas me forcei a manter o contato visual. Não ia dar a ele o prazer de me ver com medo.
— Gostei — disse, a voz baixa, quase um sussurro. — Você tem garras. Não é como as outras. Interessante.
O comentário me pegou de surpresa.
— Interessante? Eu não sou um objeto para você analisar, Rael.
Ele soltou uma risada baixa, rouca. Uma risada que me deu um arrepio na espinha. Não era uma risada de zombaria, mas de satisfação.
— Não mesmo. Você é um problema. Um problema que eu vou ter que aprender a lidar — disse, e então, para minha surpresa, ele estendeu a mão e, com um movimento rápido, pegou a sacola pesada de minhas mãos. — Deixa disso. Eu levo. Não quero você caindo e quebrando uma perna na minha ladeira.
Me dando as costas ele começou a andar, me deixando para trás, chocada com a reviravolta. Seus "crias" pareciam igualmente surpresos, mas o seguiram sem questionar. Eu o observei, com a sacola de feira nas mãos dele, andando como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Eu não sabia o que pensar. Ele me provocou, me irritou, mas depois agiu de forma... galanteadora? Um Don carregando minha feira? Era absurdo. Mas ao mesmo tempo, uma sensação estranha de calor se espalhou pelo meu peito.
Rael era um enigma. E eu, por mais que me dissesse para fugir, sentia uma força inexplicável me puxando para mais perto desse mistério. As faíscas que senti entre nós eram perigosas, só não sabia exatamente porquê.