Rael.
As notícias correm no morro mais rápido que foguete em dia de festa. E a fofoca da semana era uma só: a tal menina do interior que alugou a casinha da Dona Neide.
Eu sabia dos passos de cada morador. Claro que fui informado sobre o aluguel e sobre a nova moradora.
Tenho homens que vigiam tudo e são meu olhos aqui dentro.
Ninguém entra ou sai sem que a gente saiba.
Gente nova sempre gerava murmurinho. Então eu nem ligava.
Uma forasteira, sozinha, no meio da minha quebrada. Achei curioso, mas nada demais. Mulheres vêm e vão, a maioria sobe o morro atrás de algum malandro, ou de um abrigo barato até conseguir se virar. Essa, pelo que o Cabeça me disse, parecia diferente.
— Chefe, a tal Maitê, a novata, parece que é bonitinha. Uns olhos claros, cabelo escuro. A Dona Neide tá falando que ela é toda 'certinha', veio pra estudar e trabalhar — Cabeça comentou, enquanto eu revisava os relatórios de venda da semana. Ele falava com um sorriso malicioso no canto da boca.
Revirei os olhos.
— Que se dane se é bonitinha ou feia, Cabeça. Enquanto não atrapalhar o movimento, pra mim, ela é só mais uma moradora. Manda ficar de olho, como em qualquer um que chega de fora.
Não que eu estivesse realmente preocupado. O morro pode ser um lugar perigoso, mas não n**o dar abrigo aqueles que estão tentando ganhar a vida.
Aqui tem traficante, gente filha da put@ e pessoas de varias espécie. Mas tem também aqueles que estão aqui porque essa é a única opção. E acreditem. Quando não se tem muitas oportunidades, o morro pode ser o lugar mais seguro de se estar.
É claro que precisa tomar cuidado. Mas o poco aqui se ajuda. Se protege. Você só precisa ganhar a confiança dos moradores. Temos uma comunidade aqui.
De qualquer forma, a garota não era problema meu. Eu tinha problemas maiores pra resolver. Um carregamento atrasado, uns ratos querendo tomar um pedaço do nosso território na parte de baixo do morro. As minas, o dinheiro, as drogas... tudo isso era parte da minha vida, mas não o centro dela. O centro era manter a ordem, e eu não vacilava. Tudo passava por mim.
— Cabeça, quero homens cuidando do carregamento. Já temos atrasos, não quero mais nada fora da linha.
— Já mandei um crias para o local de chegada. Estão me mantendo informado. Fica tranquilo, só homem de confiança.
— Ótimo.
O dia aqui passava cheguei de trabalho. Era bom ir para casa, mas só fazia isso quando tudo estava resolvido. Nenhum erro, nenhum ponto fora do lugar. Tudo no absoluto controle.
No dia seguinte, por acaso, ou talvez por um impulso que eu não queria admitir, peguei um atalho pelas vielas menores para ir até o ponto do Zé Macaco. Ele estava enchendo meu saco de novo, e eu ia dar um jeito.
A viela da Dona Neide era caminho.
Passei pela porta dela e, de relance, vi a tal Maitê. Ela estava limpando a pequena varanda da casa, com uma vassoura na mão, vestindo uma camiseta branca e um short jeans desbotado. O cabelo estava preso num coque desajeitado, e o rosto sem maquiagem.
Parecia... comum. Mas os olhos. Ah, os olhos dela. Eram de um tom que eu nunca tinha visto. Claros, curiosos, e com uma força que parecia não combinar com o jeito 'certinha' que o Cabeça falou.
Ela se abaixou para pegar algo no chão e o short subiu um pouco, mostrando a pele lisa das pernas. Uma leve curva na cintura. Não era uma mulher vulgar, como as que eu estava acostumado a ver. Era... delicada. Mas havia algo no jeito dela, uma determinação silenciosa que me chamou a atenção.
Parecia que ela se preparando para guerra. Me obriguei a tirar meus olho dela, antes que houvesse passado tempo demais.
Apenas passei, como se não tivesse notado nada. Meus "crias" estavam comigo, o Binho, o Jhow. Eles também olharam, claro. A presença de uma mulher nova no morro sempre gerava curiosidade.
A menina era nova, bonita, e não tinha como não chamar a atenção.
— Bonitinha mesmo, chefe — o Binho murmurou, com um assobio baixo.
— Dá para ver que não nasceu aqui. — Jhow comentou — Ela é diferente, chefe.
Apenas dei um grunhido em resposta.
— Trabalhem. Deixem a fofoca para as velhas.
Mas enquanto caminhava, o olhar dela, aquele verde penetrante, ficou gravado na minha mente. Era uma distração. E eu não gostava de distrações. Não mesmo. Meu mundo era sobre controle, sobre poder. E aquela menina parecia ter um jeito de bagunçar meus pensamentos, mesmo sem querer.
Me obriguei a seguir em frente e não pensar mais na forasteira.
Aquela criatura não era probelma meu.