O Encontro no Morro
A noite parecia mais fria do que nunca, e o ar, pesado, era como se refletisse o turbilhão dentro de mim. Cada passo que eu dava naquele apartamento era uma tentativa de escapar da dor que me consumia. A raiva de Bruno, a tristeza por tudo o que ele me fez, o medo do desconhecido... Eu estava perdida, completamente perdida. Não podia mais esperar, não podia mais confiar. Se Bruno havia me vendido, se ele não se importava mais com a família, então o que restava para mim? Eu não tinha mais para onde ir, mas precisava fugir daquele lugar, daquele pesadelo. Eu não podia ficar.
Corri pelas ruas sem destino, sem saber para onde estava indo. O som dos meus passos apressados ecoava na calçada, mas eu m*l conseguia ouvir, tamanha era a confusão dentro de mim. Eu estava fugindo não só de Bruno, mas de tudo o que ele representava agora: um irmão que se tornou um estranho, alguém que me entregou sem pensar duas vezes, alguém que havia se perdido em seu próprio jogo de poder. O mundo à minha volta parecia imenso e vazio. Eu passava por portas fechadas, ruas desertas, tudo parecia um labirinto sem saída, e a cada esquina, a pressão sobre os meus ombros aumentava. Onde eu iria? O que eu faria agora?
A sensação de estar sendo engolida pela escuridão me fazia sentir como se fosse desaparecer, como se minha existência não tivesse mais peso. Os dias seguintes foram uma luta constante para tentar encontrar um propósito, uma saída para a minha dor. O cansaço tomava conta de mim, mas minha mente não parava, sempre voltando ao mesmo ponto: Bruno, meu irmão mais velho, o único que me restava. Eu tentava entender como tudo tinha chegado a esse ponto, como ele havia se tornado essa pessoa, essa sombra que eu m*l reconhecia.
Lembro dos meus pais, os únicos verdadeiros pilares da minha vida. Eles não eram perfeitos, mas eram minha família, e eu me agarrava a essa memória, como se fosse a única coisa que ainda fazia sentido. Quando eles foram arrancados de nossas vidas, em um ataque violento e implacável, eu fiquei sozinha. Bruno, meu irmão, o único que sobrava, mas ele não era mais o mesmo. Ele sempre foi o mais velho, o mais responsável, aquele que dizia estar pronto para tomar as rédeas da nossa vida, para cuidar de tudo. Mas quando tudo desmoronou, ele não soube o que fazer. Eu era só uma criança na época, perdida, assustada, tentando entender o que estava acontecendo. O que aconteceu com nossos pais? Como isso tudo virou um pesadelo? Nunca soube e, talvez, nem quisesse saber. Eu queria apenas sentir que havia alguma justiça, que eles estavam em paz. Mas agora, isso tudo parecia distante, como um sonho que já não tinha mais significado.
E então, a grande revelação. Bruno, meu irmão, o homem que eu sempre acreditei ser o pilar da nossa sobrevivência, o que jurava que faria qualquer coisa para proteger nossa família... estava disposto a me entregar, a me vender. Para ele, a sobrevivência era a única coisa que importava, mesmo que fosse à custa de tudo o que ele dizia valorizar. Ele não hesitou. Sem um pingo de remorso, ele me entregou para quem pudesse pagar. Me vendeu, me deixou ser consumida por esse mundo imundo. Eu não conseguia entender como ele pôde fazer isso. A dor, a humilhação, tudo aquilo era um golpe brutal no meu coração. E a dor era insuportável. Era como se eu estivesse sendo rasgada por dentro, por cada palavra que ele disse, por cada escolha que fez. Como ele pôde?
Foi então, no meio dessa tormenta, que eu cheguei à entrada de um morro. Não sabia por que estava ali, mas algo dentro de mim, uma força estranha, me puxava para aquele lugar. O morro. Era como se ele fosse a única opção que restava. A escuridão me chamava, o perigo parecia ser a única chance de encontrar alguma liberdade, algum refúgio. Eu não tinha mais nada a perder.
Enquanto eu caminhava, perdida em meus pensamentos, ouvi o som de uma moto se aproximando. O barulho da moto cortava o silêncio da noite, e a adrenalina subiu instantaneamente. Não sabia o que esperar. Eu não estava pronta para o que viria a seguir. O homem que desceu da moto parecia alheio a tudo ao seu redor, como se fosse apenas mais uma rotina para ele, mas ao me ver, seus olhos se fixaram em mim de imediato. Não era o olhar indiferente de quem passa por um mendigo na rua. Não. Era algo diferente. Ele me olhou de cima a baixo, como se estivesse avaliando o que fazer com a estranha no seu território.
Eu devia parecer uma figura patética. Minha roupa estava suja, meu cabelo despenteado, e eu sentia o cansaço tomar conta de mim de uma maneira que me fazia quase incapaz de sustentar minha postura. Mas eu não podia cair. Não ali. Não naquele momento. Eu precisava falar, precisava de ajuda.
Isabel: — Me ajuda... por favor...
As palavras saíram roucas, quase um sussurro, mas carregadas de desespero. Eu não sabia quem ele era, nem o que estava acontecendo, mas naquele momento eu sabia que ele era a única pessoa que poderia fazer algo, talvez a única chance de não ser deixada para trás, jogada para a sorte de um destino c***l.
O homem, com um movimento rápido, me agarrou antes que eu caísse no chão. A força com que me segurou foi o suficiente para me manter consciente por mais alguns segundos. Seu olhar se suavizou por um instante, mas logo uma expressão de surpresa e algo mais, talvez desconfiança, surgiu em seu rosto. Ele não parecia ter sido pego de surpresa, mas havia algo em sua postura que indicava que ele não esperava encontrar uma situação como a minha ali.
Ele resmungou algo para si mesmo, com uma voz grave e carregada de raiva:
Homem: — p**a que pariu...
Eu quase não conseguia mais manter os olhos abertos, mas vi seu rosto de perto, e a última coisa que percebi foi o som abafado da moto ao fundo. Eu não sabia quem ele era, nem por que estava ali. Mas, naquele momento, minha mente parecia distante. Tudo o que eu queria era sobreviver, tudo o que eu queria era uma chance. Mesmo que isso significasse colocar minha vida nas mãos de um homem desconhecido, que eu suspeitava ter algum papel neste pesadelo, ainda assim, eu não tinha outra escolha.
Eu só precisava de uma chance. Mesmo que fosse apenas uma, uma única oportunidade para sair daquele abismo sem fim.