ISABELA
Eu entrei na sala minutos antes da aula começar.
Pela primeira vez desde que beijamos como se o mundo estivesse desmoronando, eu não queria olhar para ele.
Mas não precisei.
Ele já estava olhando para mim.
Arthur estava no computador, mas a atenção dele estava cravada em mim — como se tentasse decifrar alguma coisa que só eu sabia.
Desviei o olhar, sentei no fundo e respirei fundo.
Foi quando ouvi.
Duas meninas sentadas atrás de mim, rindo baixinho, falando mais alto do que deveriam.
— Você ouviu que o Moretti não veio transferido por acaso? — uma delas disse.
— Óbvio que ouvi — a outra respondeu. — A Clara estudava na faculdade antiga dele. Lá o burburinho era forte.
— Diziam que ele teve um “envolvimento” com uma aluna, né?
— É. Um caso. Bem escondido, mas alguém viu, deu r**m, e ele sumiu de lá.
Meu sangue gelou.
— E olha… daquele jeito sério, frio, charmoso… dá pra entender por que a menina caiu, né? — a primeira continuou, rindo. — Ele deve ser o tipo que faz isso com várias. Aposto que vai repetir aqui também.
Meu coração doeu de um jeito que não doía fazia anos.
Minha garganta fechou.
Meu estômago virou.
O resto da conversa virou ruído.
Eu só podia pensar em uma coisa:
Eu não era especial.
Eu era só mais uma.
Uma substituta.
Um replay.
Meu corpo queimou — não de desejo, mas de humilhação.
Quando Arthur começou a aula, eu não olhei para ele nem uma vez.
Ele chamou meu nome três vezes.
Fingi não ouvir.
Ele notou.
É claro que notou.
No final da aula, quando todos estavam saindo, ele tentou se aproximar.
— Isabela, você pode ficar um minuto?
— Estou com pressa — respondi, seca, sem olhá-lo.
Eu vi, pelo canto do olho, o impacto que isso teve nele.
Ele não estava acostumado a me ver fugir.
Porque eu nunca fugia.
Mas naquele dia, eu saí da sala antes que ele conseguisse dizer qualquer coisa.
Ele me chamou outra vez.
Eu ignorei.
E continuei ignorando por dois dias.
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ARTHUR
Ela estava me evitando.
E eu não sabia por quê.
Eu a chamava durante a aula — silêncio.
Tentava falar com ela no corredor — ela desviava.
Até nas entradas e saídas do prédio, ela mudava de direção.
Eu estava enlouquecendo.
No terceiro dia, eu a vi saindo mais tarde, mochila no ombro, expressão fechada, como se estivesse carregando o peso do mundo.
Eu não pensei.
Só fui.
Acelerei o passo e parei o carro ao lado dela.
— Isabela.
Ela fingiu não ouvir.
— Isabela — repeti, mais firme. — Por favor. Entra no carro.
— Não.
— Só quero conversar.
— Eu não quero — respondeu, fria como nunca.
— Aconteceu alguma coisa? Alguém te fez algo? — a voz dele quase quebrou. — Isabela, me diz o que houve.
Ela respirou fundo, tensa, magoada.
— Nada que já não tivesse acontecido antes.
Eu franzi a testa.
— O que isso significa?
Ela riu sem humor.
— Significa que eu fui i****a.
Virou para ir embora.
Eu saí do carro, alcancei o braço dela — devagar, sem força.
— Por favor — pedi. — Só me dá dez minutos. Se depois quiser ir embora, eu deixo.
Ela hesitou.
Uma vez.
Duas.
Entrou no carro.
E eu finalmente respirei.
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ISABELA
O silêncio dentro do carro era pior do que qualquer palavra.
Ele olhava para frente, nervoso, como se estivesse tentando organizar pensamentos demais ao mesmo tempo. Eu olhava pela janela, tentando não desabar.
— Isabela… — começou, com cautela. — Você está me evitando. E… sinceramente, está me matando. Eu preciso saber o que está acontecendo.
— Não importa.
— Importa. Tudo sobre você importa pra mim.
Aquilo me atingiu fundo.
Mas eu não ia ceder fácil.
— Eu ouvi sobre você — disse sem rodeios.
Ele ficou rígido.
— Sobre mim… o quê?
— Seu passado — respondi. — A faculdade anterior. A aluna. O caso.
Ele virou o rosto na minha direção tão rápido que o banco estalou.
— Isabela, isso não é verdade.
— Então todo mundo inventou isso? — devolvi, amarga. — Você saiu da faculdade sem motivo? Por coincidência? E agora está repetindo tudo comigo?
Ele fechou os olhos, como se aquilo doesse mais do que deveria.
— Eu nunca tive caso com aluna nenhuma.
Eu ri.
Machucada.
— Claro. E eu sou ingênua.
— Você não é ingênua — ele respondeu, firme. — E justamente por não ser, você precisa ouvir a verdade.
O carro parou.
Eu nem percebi que já estávamos na frente da minha casa.
Arthur desligou o carro e virou completamente para mim.
Não havia arrogância, frieza, nada do que diziam.
Havia dor.
Havia verdade.
— Fui acusado falsamente — disse, finalmente. — Uma denúncia anônima. A garota disse que eu avancei nela. Eu provei que não aconteceu. Tinha câmeras no local onde ela disse que ocorreu.
Ele engoliu seco.
— Ela admitiu que inventou.
Meu coração afundou.
— A faculdade me inocentou. Mas meu nome… meu nome não saiu limpo. Não de verdade. Então eu pedi transferência. Começar de novo. Tentar respirar.
Ele olhou para as próprias mãos.
— Mas eu nunca… nunca me envolvi com uma aluna. Até você.
Meu peito apertou.
As palavras bateram em lugares que eu não sabia que estavam expostos.
— Por quê comigo? — perguntei, quase em sussurro.
Ele ergueu os olhos.
E o que eu vi ali derreteu todo orgulho teimoso que eu estava guardando.
— Porque eu me apaixonei — disse, sem desviar. — Eu tentei negar. Juro que tentei. Mas eu não consigo. Tudo em você me puxa. Me muda. Me desarma. Eu não sei como lidar com isso. Eu… — ele respirou fundo — …sou louco por você, Isabela.
As lágrimas que eu segurava caíram antes que eu pudesse impedir.
Eu virei o rosto, mas ele segurou meu queixo — devagar, delicado, completamente diferente do beijo desesperado do último encontro.
— Me olha.
Eu olhei.
E vi a verdade.
— Eu também estou apaixonada — confessei, sem mais escudos.
Ele fechou os olhos como se aquilo tivesse quebrado o resto do controle que ele ainda tinha.
Me puxou devagar, como se tivesse medo de eu fugir, e encostou sua boca na minha num beijo quente, profundo, cheio de tudo que a gente segurou por tempo demais.
Eu o beijei de volta com a mesma entrega.
Ele deslizou as mãos pela minha cintura, me trazendo para mais perto no banco, como se quisesse me proteger do mundo inteiro e, ao mesmo tempo, me destruir de desejo.
O beijo ficou mais quente.
Mais urgente.
Ele me puxou para o colo dele, como se aquilo fosse inevitável.
Minhas mãos subiram pelo seu peito, pelo pescoço, pelo cabelo, aproximando nossos corpos até não existir espaço entre nós.
O carro ficou pequeno.
Muito pequeno.
As respirações se misturaram.
A urgência cresceu.
O mundo desapareceu.
Ele me encostou no banco, inclinando-se sobre mim, o beijo descendo para meu pescoço de forma lenta, faminta, reverente.
Eu arfei.
O corpo dele respondeu ao meu.
— Eu quero você — sussurrei, sem ar.
Arthur fechou os olhos, apoiando a testa na minha, respirando como se estivesse se segurando por um fio.
— Se eu continuar… — murmurou, a voz quebrada — …não tem volta.
— Então não volta — respondi.
As mãos dele apertaram minha cintura.
A boca dele voltou para a minha.
E ali, no carro parado na frente da minha casa, com o mundo do lado de fora e nós dois queimando por dentro, o resto aconteceu no limite, nós entregamos ao nossos desejos— urgente, quente, rendido, e com a certeza de que nada entre nós poderia ser apenas “caso”.
Não depois daquilo.
Não depois de tudo.
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