O pancadão bolado é uma aglomeração de pessoas, no ponto mais alto da favela, usando uma quantidade absurda de drogas ilícitas. O cheiro do baseado é enjoativo, e noto que nem Nath nem Steph parecem gostar disso, fato que me deixa mais tranquila, uma vez que isso significa que elas não curtem isso tanto quanto eu. Nath possui cabelos tão escuros quanto os meus, porém sem as mechas azuis que possuo. Ela é sorridente e divertida, noto que não fala tantas gírias quanto Steph, mas curte uma bebida quente pelo jeito. A baixinha já está em seu quinto shot de tequila, em menos de uma hora.
— Falei com o seu Zé! — Steph grita em meio ao som do funk, que está tocando.
— E aí? — pergunto conforme danço ao seu lado.
— Ele disse que se eu indiquei, a vaga é tua. — sorrio e a abraço genuinamente. Será ótimo ter um emprego agora que as coisas apertaram de vez.
A música muda, de repente, e enquanto vejo fogos de artifícios estourarem no céu, ouço Nath comentar que está na hora de algo acontecer, mas não entendo o motivo.
— O que tá rolando? — pergunto em meio as explosões e o barulho ensurdecedor de vários tiros. Sinto o meu peito subir e descer conforme eles aumentam, e penso ser algo preocupante. Droga! Acho que não estava tão preparada para isso quanto achei. Penso em me esconder dentro de algum lugar, quando Nath comenta:
— Os caras estão chegando... — Ela aponta na direção contrária que estamos, e sigo o seu dedo com o olhar.
Meus olhos focam na fileira de homens caminhando em meio às pessoas, que parecem abrir-lhes espaço automaticamente. Alguns estão acompanhados por garotas lindas, verdadeiras modelos de capa de revista, mas o que chama a minha atenção são as armas de fogo que eles seguram com as mãos. Acho que jamais havia visto algo assim na vida real e tão próximo de mim. Não saberia nem as distinguir. Noto Coringa seguir a fileira de homens, e seu olhar se deparar com o meu. Seu sorriso sexy chama a minha atenção, e apenas faço um gesto de cabeça conforme um meio sorriso surge em meus lábios.
— p**a que pariu! É verdade, então, que a Cacau tá enrabichada com o Hades. — Nath afirma, e encaro-a tentando conter a ansiedade que estou sentindo, de repente.
— Não creio, mana. — Steph fala parecendo indignada e completa: — Ela é muito ridícula, sempre se ofereceu pra ele!
— De quem vocês estão falando? — questiono, tentando saber mais sobre o homem que tem surgido como uma sombra em meus pesadelos, até meus olhos se depararem com um par de olhos tão escuros quanto a noite.
O último casal anda lado a lado, e cerro a mandíbula ao olhar para o homem que tenho completa convicção de que ele é a pessoa que comanda o morro. Ele segue imponente ao lado de uma mulher de pele parda, que possui cabelos escuros longos, e noto a pintura rosa que seus cabelos escorridos trazem nas pontas. A garota traz um sorriso convencido nos lábios conforme caminham no meio da multidão de pessoas. Meus olhos retornam para o homem, que possui cabelos cortados em estilo militar, e observo que ele não está portando nenhuma arma conforme os demais.
— Ela é uma vagaranha! O Gianecchini m*l descansou o corpo no caixão... — Nath deixa escapar, e viro-me em sua direção, automaticamente.
— G-gianecchini? — Sinto a minha voz falhar conforme a adrenalina toma conta do meu corpo todo. Esse era o apelido de Lucas na escola, por causa de sua aparência.
— Sim, a Nath era apaixonada pelo Gi, mas ele só tinha olhos para a Cacau. — Steph começa: — Eles se curtiam direto, mas ele... — a loira deixa a frase morrer aos poucos, e as minhas pernas tremem conforme preciso indagar:
— Ele morreu?
— Ninguém sabe ao certo o que aconteceu, mas o encontraram jogado no beco do precipício. O Gi era um bom garoto, mas tava sempre alucinado, ele se entregou cedo demais... — Ela responde enquanto sinto o ar me faltar. — Agora bora beber, porque não vale a pena falar sobre isso agora! — ela grita, e forço um sorriso conforme ela sacode os meus cabelos de brincadeira.
A madrugada avança noite adentro, e termino o meu décimo copo de cerveja. A bebida inebria a minha mente enquanto requebro a minha b***a até o chão. O cheiro da erva não me irrita mais, porque sinceramente não estou mais ligando para ele. A batida da música apenas me faz querer dançar mais e esquecer o que ouve com o meu irmão enquanto imagens dele, sendo morto, aparecem na minha mente feito um borrão. Uma vez ou outra, meus olhos buscam Cacau e Hades no meio da multidão e, após constatar que não estou mais perfeitamente sóbria, me permito fazer o mesmo movimento de cabeça pela décima vez, observando que a garota de cabelos rosados está sozinha. O suor desce pelo meu pescoço e passa pela minha barriga, chegando ao cós do short jeans que estou usando. Peço licença para as minhas novas amigas e caminho, cambaleante, até o barzinho mais próximo, a fim de comprar mais cerveja e ir ao banheiro.
Após me sujeitar ao banheiro mais sujo que já vi na vida, lavo minhas mãos e saio, dando com a cara numa parede de músculos. Levanto a cabeça e seus olhos vêm de encontro ao meus enquanto sinto-o segurar os meus braços.
— Acho que enfim nos encontramos, morena. — Hades fala no pé do meu ouvido, e somente o som de sua voz rouca causa-me arrepios.
Retiro minhas mãos do aperto dele, como se ele fosse uma doença, e faço-me de desentendida:
— Nos conhecemos?
— Não que eu saiba, mas talvez de longe... — ele sorri e, p**a que pariu, que sorriso! — O que uma morena linda, como você, compraria num lugar feito esse? — Suas mãos se movimentam na direção de todo o bar, e não deixo de observar que em momento algum ele pronunciou gírias ou qualquer palavra de forma errada. Se eu não soubesse quem ele é, jamais pensaria nele como o rei do submundo do crime.
— Cerveja? — ironizo.
— Que tal uma festinha particular contendo tudo o que a princesa quiser?
Comprimo as mãos e tenho vontade de socar a cara dele por ser tão prepotente, mas abro um sorrisinho falso e digo antes de sair:
— Quem sabe no seu sonho...
— Princesa... — Um rosto conhecido por mim passa ao meu lado, e sorrio de volta.
— Coringa.... — falo baixinho e sigo o meu caminho para perto das meninas.
Ao voltar para o lugar que estava antes, noto que retornei sem as cervejas e as meninas fazem muxoxo. Dançamos mais um pouco, até um rapaz aleatório se aproximar de Steph e tacar-lhe um beijo, digno de filmes, nos lábios.
— Aff! Chegou! — Noto Nath babulciar.
— Quem é o gato? — cochicho observando os cabelos encaracolados dele caírem sobre o rosto de Steph enquanto ele a beija, mais uma vez.
— É o Paulinho, ele e a Steph tem um rolo aí, mas não chega a ser nada muito sério! — ela abaixa o tom de voz. — Ele é do asfalto e vem aqui de vez em quando. Sabe aqueles boys que não têm merda na cabeça? É ele.
Dou de ombros. Acho que me incluo nesse grupo também.
— Gata, é impressão minha ou o Hades não tira os olhos de você? — Nath muda de assunto e, automaticamente, meus olhos recaem sobre o homem do outro lado da rua. Seus olhos escuros estão focados em mim, de forma tão intensa, a ponto de me deixar sem ar.
Ficamos nos encarando durante um tempo relativamente longo, e noto que ele está usando uma camisa preta, fato que não tinha observado antes. Seus músculos sobressaem, e percebo algumas tatuagens nas partes denudas de sua pele. Sinto a batida da música tamborilar, diretamente no meu peito, e percebo-o subir e descer rapidamente conforme puxo o ar lentamente. Imagens do meu irmão chegando em casa chapado, diversas vezes machucado e imundo tomam a minha mente junto com a letra do funk que está tocando, e assisto o rei do submundo acenar devagar com a cabeça e logo depois levar o próprio copo de cerveja à boca. A culpa é dele! Ele vendia as drogas para o meu irmão! Digo a mim mesma.
Desvio os olhos, sentindo uma fúria crescer dentro de mim quando o som da voz de Lucas me vem à mente, e lembro-me da noite em que o escutei discutindo por telefone com este mesmo homem. Seu apelido, que antes parecia um fantasma entre meu irmão e eu, agora fazendo a raiva dentro de mim arder em chamas. Uma chama tão alta quanto o rei do submundo conseguiria expelir pelos lugares por onde anda.