O trabalho

2464 Palavras
SOPHIE Saí do táxi, agradecendo ao simpático senhor que conversou comigo todo o trajeto. Conferi o relógio em meu celular; marcava 7:40 AM. Pelo menos eu estava adiantada. O bairro era um dos mais caros de Seul, e o número no papel bege era de um muro alto com trepadeiras e um portão enorme de madeira polida. Toquei o interfone; meu estômago estava um tanto embrulhado de nervoso, e os segundos pareciam uma eternidade angustiante. — Sim? Em que posso ajudar? — uma voz feminina saiu pelo interfone. — Ah… bom dia… eu sou a Sophie e vim aqui po… Antes que eu terminasse de falar, o telefone foi desligado e ouvi um "c***k" fazendo o portão menor se abrir. Segurei firmemente a alça da minha bolsa e entrei em um terreno amplo e espaçoso coberto por um gramado. A entrada que dava para a casa era um caminho de pedregulhos. Cheguei até a casa de dois andares, branca, com janelas de vidro esverdeado, e, antes que eu tocasse a campainha, a porta se abriu e uma senhora menor que eu apareceu sorrindo. — Olá! Entre, por favor! — ela se curvou um pouco e eu entrei, cumprimentando-a. — Com licença. — Parei no hall da sala, uma grande sala bem decorada por sinal, entre o marfim e o marrom. — Eu sou a Sophie. — falei sorrindo, ajeitando meu óculos. — Você já disse, querida, e além disso, o senhor Min Jun-Ho disse que você viria. — Ela passou por mim — Venha por aqui. "Min Jun-Ho… então esse é o nome dele." Ela me chamou e eu a acompanhei até a cozinha. Fiquei parada na porta, vendo-a colocar uma xícara no balcão da ilha que tinha no meio. — Não fique aí parada, menina. Aproxime-se e sente-se aqui. — apontou um dos bancos da ilha. — Sim, com licença. — fui até lá, sentando-me e colocando minha bolsa no banco ao lado. — Quer suco de laranja? — ela perguntou enquanto enchia minha xícara com café. — Não, obrigada. Só o café está ótimo. — sorri. — Então prove esse bolo de cenoura com chocolate que eu fiz e esses biscoitos de nata com polvilho. Eu mesma preparei. — ela foi logo colocando tudo sobre o balcão à minha frente. — Oh, muito obrigada pela gentileza. Saí tão cedo de casa que não tive tempo de tomar café. — confessei, provando os biscoitos. — Nossa! Estão deliciosos… — falei realmente aproveitando o sabor. — Ainda bem que você gostou, fico feliz. São os preferidos da senhorita Choon. São receitas brasileiras que eu aprendi para ela. — ela falava enquanto colocava mais coisas em uma bandeja de prata. — E como a senhora se chama? — Eu me chamo Lim Yang-mi, mas pode me chamar de Yang-mi , sei que as pessoas aqui tendem a chamar sempre os mais velhos pelo sobrenome,mas fique a vontade.Eu sou a governanta desta casa e babá das meninas desde que nasceram. — Yang-mi levou a bandeja até a sala ao lado, que tinha uma mesa grande já com várias outras coisas. — São quantas? — perguntei quando ela entrou na cozinha novamente. — São duas: a senhorita Choon-Hee, que tem 15 anos, e a pequena Nari-sook, que tem 6 anos. — Nossa, estava tudo delicioso, obrigada, senhora Yang-mi. — agradeci, indo até a pia lavar a louça. — Não, não, não, deixe isso aí, querida. Você é a tutora da senhorita Choon-Hee, não a empregada. — Mas eu posso… — De jeito nenhum! Vá se sentar que já, já, o senhor Min Jun-Ho virá vê-la. — Ele está aqui? — perguntei um tanto nervosa. — É claro! — ela riu — Ele só vai para o trabalho às 10, às vezes mais cedo quando tem reunião. Me sentei novamente no banco e fiquei ali esperando o tal Min Jun-Ho aparecer. Não acredito que vim parar justamente na casa do cara que eu derrubei na rua semana passada. Isso era algum tipo de azar? "Pensando bem, ele pareceu não ter me reconhecido quando fui ao seu escritório." Minha mente divagou por um instante até que alguém entrou na cozinha. — Bom dia, Yang-mi! — a voz dele ecoou pela cozinha, e eu me virei na sua direção, tendo seus olhos sobre os meus agora. — Bom dia, senhorita Oliveira. — direcionou-se a mim, sério. — Bom dia, senhor Jun-Ho! — Yang-mi o saudou com um sorriso. Ele colocou ambas as mãos na calça social e só aí dei por mim que eu não havia nem o cumprimentado. Me levantei às pressas. — Desculpe, bom dia, senhor Min! — me curvei minimamente. — Vejo que é pontual. — ele disse, sério. — Sim, eu gosto de pontualidade. — falei, encarando-o. — Gosto disso também. — ele respondeu. Passei a mão direita pelo meu cabelo, que estava preso em um coque meio frouxo. — Vamos ao meu escritório, por favor. — ele falou, virando-se para Yang-mi — Avise a Choonie que me encontre lá em 10 minutos, por favor. — Sim, senhor. — Yang-mi respondeu, já se retirando. — Por aqui! Ele me olhou e eu o segui, saindo da cozinha e passando pela sala até um corredor ao lado da escada que dava para o segundo andar. Ele abriu a porta e se pôs de lado, me dando espaço para entrar. — Gamsahabnida (Obrigado) — falei quando ele fechou a porta e passou por mim, indo até a mesa. — Sente-se, por favor — ele apontou para uma das poltronas à frente e eu me sentei. — Minha filha é uma boa menina, você vai gostar dela — ele disse ao sentar na poltrona do outro lado da mesa. — Eu creio que sim, senhor, e assim espero — respondi, sorrindo para tentar disfarçar o nervosismo. Eu esfregava minhas mãos sobre o colo enquanto ele me observava atentamente, como se estivesse me analisando. Min Jun-Ho realmente parecia jovem de perto, e me perguntava qual era a idade dele e se ele tinha filhos, onde estaria sua esposa, afinal? — De que país você é? — ele interrompeu meus pensamentos. — Hamm... eu... do Brasil — menti, tentando parecer convincente. Bem, não era completamente mentira. A verdade é que eu sou metade brasileira; porém, minha cidadania é canadense por parte de pai e por nascer lá . Nunca pisei sequer no Brasil. — Brasil? — ele parecia surpreso. — Estive lá a negócios no fim do ano passado, em São Paulo, para ser mais específico. Hoje ele parecia mais simpático do que ontem, mas sua expressão não mudava e seu olhar sobre mim ainda era penetrante. Eu me sentia desconfortável, mas não conseguia desviar o olhar. Tentava a todo custo olhar para baixo, mas sem sucesso, acabava procurando seu olhar, que parecia um ímã n***o. — Eu... eu não conheço muito bem São Paulo — confessei. De repente, ele, ainda sentado, debruçou-se sobre a mesa com as mãos juntas e me olhou mais de perto. — Algo... errado? --- MIN JUN-HO Eu sabia que aquela moça já havia chegado, mas quando entrei na cozinha e seu olhar foi diretamente sobre o meu, algo parecia estranhamente familiar de novo. Algo me dizia que eu já a havia visto em algum lugar; porém, não era só isso. Desde que a vi na minha sala ontem, eu queria olhá-la atentamente. — — Algo... errado? — ela perguntou, tentando desviar o olhar do meu. Eu nem sabia porque fazia aquilo, mas tinha a certeza de que já a vi. — Já nos cruzamos antes? — perguntei diretamente, realmente curioso. Ela fez uma expressão confusa e, antes que eu obtivesse uma resposta, ouvi uma batida na porta. — Entre! — falei, retomando minha postura ao ver minha filha entrar. — Bom dia, papai — Choon-Hee se curvou minimamente, passando os olhos por Sophie, que olhou para trás. — Bom dia, jagi! — levantei-me. — Venha aqui, quero que conheça sua tutora de inglês. Choon veio até meu lado, olhando diretamente para Sophie, que sorria para ela. — Esta é a senhorita Oliveira. — Muito prazer, senhorita — Sophie se curvou. — Ah, muito prazer. Eu sou a Sophie — ela também se levantou e sorriu. — Agora vá para a mesa tomar o café da manhã e se prepare para sua primeira aula. — Sim, papai. Com licença. Quando Choon-Hee saiu, voltei a sentar e a encarar a senhorita Oliveira. — Ela é uma garota adorável — disse Sophie, simpática. — De fato — cruzei as mãos à frente do queixo, olhando fixamente para ela enquanto mexia nas mãos e vez ou outra desviava o olhar. — Bem, já que se conheceram, pode começar de imediato. Senhorita, espero que minha filha fale inglês fluentemente até o fim do verão. Então, foque em fazer dela uma boa bilíngue e não apenas achá-la adorável ou não. — Oh... claro, senhor! — ela desmanchou o sorriso e abaixou a cabeça. — Pode ir agora, senhorita Oliveira. A senhora Yang-mi irá orientá-la quanto à rotina. — Sim, senhor Min. Com licença. Ela saiu, me deixando sozinho em meu escritório. Olhei para o retrato de Ah-ri em uma praia; ela sorria, me olhando de lado. — Não me olhe assim, Saem... … Um pouco mais tarde… Batidas na porta. — Entre! — ordenei, ainda lendo o contrato que tinha em mãos. — Com licença, senhor Min... — a secretária começou a falar ao entrar. — [...] eu já disse que não me incomode até às 13 horas, ou caso o [...] da empresa [...] chegue — a cortei, ainda atento ao documento. — Mas, senhor, a... — [...] — olhei por cima dos óculos. Ela juntou as mãos em frente ao corpo e baixou a cabeça, engolindo as palavras. A encarei, esperando que continuasse, mas nada. — Sabe, [...] se resolveu contestar minha ordem de não ser incomodado, então poderia logo fazer o favor de falar? — deixei o documento de lado, tirando os óculos, esperando o que quer que fosse que ela tivesse de tão importante para me dizer. — É... é — ela contorcia os dedos das mãos e tentou não me encarar. Arqueei uma sobrancelha. — Bom dia, Jun-Ho! — Senhorita, tem que esperar... — [...] tentou impedir Eun-ji quando ela apareceu do nada já entrando em minha sala. — Eu cansei de esperar e Jun-Ho não se incomoda em me receber — ela disse, sorrindo, olhando de [...] para mim. *"Na verdade, eu me incomodo sim"* — Senhorita, o senhor Min terá uma reunião importante e está sem tempo para visitas. Se quiser, posso avisar a seu irmão que está aqui e... — Não será necessário. Eu vim aqui por Jun, não por meu irmão — ela rebateu, olhando para mim. Toda aquela cena estava me entediando e, por mais que eu quisesse tirar aquela mulher a pontapés da minha frente, eu queria acabar logo com aquele mimimi que ela insistia em ter comigo. Eu não a suportava, pois, apesar de ser uma mulher bonita, Eun-ji era fútil, arrogante e mimada. — Pode deixar, [...] — bufei, me jogando no encosto da cadeira. — Sim, senhor... — [...] olhou para Eun-ji, que a encarava com um sorriso vitorioso nos lábios. — C-com licença. — ela me olhou mais uma vez antes de sair. — Jun, meu querido, como tem passado? — ela veio até minha mesa e sentou-se na cadeira à frente, cruzando as pernas. Eu odiava até a sua voz com aquele tom arrastado e aquela i********e que ela ainda insistia em ter comigo. Éramos crianças e adolescentes, e com certeza eu era rancoroso o suficiente para lembrar do que ela fez a Saem. — Bem, o que deseja? — fui direto ao ponto, querendo que ela saísse da minha sala. — Nossa, que mau humor é esse?! — ela sorriu, jogando o cabelo escuro por cima do ombro. “Irritante" — Eu estou ocupado no momento, pode ir direto ao ponto do que traz sua... — fiz uma pausa procurando uma palavra que não fosse "irritante", "incômoda" e "a p***a" da presença dela — sua ilustre presença até aqui. — sorri, cruzando as mãos sobre o abdômen. — Nada de tão importante — ela sorriu, ignorando minha cara de tédio. — Aliás, algo muito importante me trouxe aqui — sorriu de lado. "Essa mulher definitivamente é irritante! Eu odeio esses joguinhos que ela faz" — O que? Resolveu trabalhar? — tentei ser o mais debochado possível, talvez assim ela perceba e vá embora de uma vez. — Hahaha, você é tão engraçado, Jun — ela riu como se aquilo fosse uma piada, e como eu odiava aquele nome vindo da boca dela. — Eu tento, né? — sorri de lado, fechando a cara logo em seguida. "Então ri dessa: o que é que parece uma vaca e age como uma?" — Então, o que tem feito enquanto estive na Europa? — Eun-ji... — respondi à piada (risos internos). — O de sempre: trabalhando, casa, respirando, dormindo, fazendo fotossíntese... — dei de ombros. — Você sabe, o mundo não para. — ... — ela arqueou uma sobrancelha, acho que entendeu a referência agora. Pigarrou e sorriu novamente. — Bem, eu pensei em você todos esses dias. — Não me diga... — peguei o jornal sobre a mesa, folheando aleatoriamente. — Eu vim aqui porque realmente pensei em você... — ela contornou a mesa e sentou-se perto de mim, puxando o jornal para baixo. A encarei, realmente entediado. Eu odiava mulheres atiradas ainda mais aquelas que eu fazia questão de demonstrar minha falta de desinteresse e que insistiam em se jogar para mim. — Sabe Jun …—Ela cruzou as pernas e eu revirei os olhos ao ouvir o apelido — Um homem tão jovem e bonito como você não deveria estar a tanto tempo sozinho . —Ela pegou em minha gravata — Você está sempre tão sério e tenso …— Puxou levemente trazendo seu rosto para perto do meu — Eu posso te fazer relaxar , fazendo tudo o que você quiser … Sorri fraco e continuo a encarar o seu rosto bem próximo ao meu . — Tudo o que eu quiser? —Perguntei no mesmo tom que o dela e ela abriu um sorriso largo mordendo o lábio inferior . — Absolutamente … — Eun-ji …eu quero que você desça da minha mesa e saia da minha sala.— Eu disse baixo e ela fechou a cara soltando minha gravata bruscamente , levantou , pegou sua bolsa e andou a passos largos até a porta . Ri com aquela cena . Eun-ji era realmente uma mulherzinha entediante . Coloquei meus óculos novamente e voltei a trabalhar finalmente em paz .
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR