JUN-HO
— Nossa! O que houve? Está um dilúvio lá fora? — Si-Woo falou assim que eu cruzei a porta da sala de reunião.
— Se houvesse um dilúvio, estaríamos construindo uma arca, não fazendo processos. — Respondi, indo até minha sala ao lado.
— E posso saber o porquê de estar molhado? — Indagou, me acompanhando.
— Uma garota esbarrou em mim na rua e caímos na calçada. — Coloquei minha pasta na mesa e tirei meu sobretudo, colocando-o no cabideiro ao lado da mesa.
— Ummm, que azar o dela…
— Azar o meu, você quer dizer, né? Veja o que ela fez com a minha camisa. — Apontei a mancha de café que ficou estampada.
— Não me diga que é uma das suas preferidas? — Ele levou uma mão ao peito, fingindo indignação e se sentando em uma das cadeiras em frente à minha mesa.
— Olha, se você não fosse meu amigo e sócio, já teria dado um chute no seu traseiro. — Falei, me sentando e tirando meu notebook da bolsa.
Ele riu e cruzou as pernas, apoiando o cotovelo esquerdo no braço da cadeira, pondo a mão sob o queixo e me encarando. Eu olhei diretamente para ele; ele continuava a me encarar, e eu sabia que estava tentando me dizer algo.
— Tá! — Me joguei no encosto da cadeira giratória e cruzei as mãos. — O que você quer?
— Como assim, o que eu quero?
— Não se faça de t**o comigo. Você sabe muito bem do que estou falando, Hope. — Arqueei uma sobrancelha, vendo-o embolsar uma expressão divertida.
— Nostálgico você me chamar assim, me lembra da nossa adolescência, quando dançávamos hip-hop e fazíamos raps amadores.
— Urgh… — Resmunguei, pegando um lápis e girando-o em meus dedos. — Não mude de assunto, saiba que não gosto disso.
— Está bem, senhor rabugento. — Ele apoiou ambos os braços na mesa e cruzou as mãos. — Sabe quem esteve procurando por você?
— Quem? — Perguntei, sério, sem um pingo de interesse.
— Kim Eun-ji! — Falou como se fosse algo magnífico.
Revirei os olhos, mostrando todo meu tédio com afinco.
— O que tenho eu a ver com isso? — Indaguei, entediado.
— Como assim? Tudo! Não ouviu o que eu disse? Ela perguntou por você! — Si-Woo falava com olhos arregalados e de uma maneira exageradamente eufórica.
— E o que essa mulher queria? Ela não sabe onde fica a sala do irmão dela? — Batucava o lápis na mesa, virando a cadeira com o pé devagar.
— Qual é, Jun-Ho… você não sabe que ela está caidinha por você?
— Então sugiro que ela pare de cair ou vai quebrar a cara. — Me indignei, pegando os óculos de grau.
— Você não pode ficar solteiro para sempre e, além disso, a Eun-ji é uma ótima mulher. — Ele se encostou na cadeira novamente.
— Tem algo para mim sobre a reunião de hoje? — Mudei de assunto, voltando a prestar atenção no meu notebook. — De preferência, algo que não seja sobre casos amorosos fúteis.
— Aqui está. — Si-woo levantou, colocando uma pasta caramelo sobre minha mesa. — Eu quero seu bem porque sou seu amigo e sei que você sofreu muito.
— Gamsahabnida, Si-Woo — Falei seco, pegando a pasta de documentos. — Agora, pode me deixar sozinho, por gentileza? — Analisei o documento.
— OK, mas saiba que não era isso o que Ah-ri queria para você…
Meu coração disparou e eu o olhei assim que o ouvi, levantando-me e apoiando minhas mãos sobre a mesa.
— Nunca mais, nunca mais fale assim… — Pedi, calmo . Porém , algo em mim se agitava toda vez que alguém falava o nome dela .
— Eu não tenho a intenção de magoar você, mas…
— Mas nada! — Falei alto e Si-Woo engoliu seco, me encarando com certo receio.
Ele não tinha medo de mim, mas me conhecia bem o bastante para saber que eu estava visivelmente incomodado com o assunto.
— Eu preciso trabalhar agora… — Olhei para baixo, encarando os documentos.
— Como quiser.
Assim que Si-Woo se retirou, soltei o ar devagar e sentei, tirando os óculos e pondo as mãos sobre o rosto.
— Minha Saem… — Sussurrei.
—
SOPHIE ON
5 dias depois
Eu estava há cinco dias nervosa, vez ou outra checando meu e-mail e nada do resultado. A quem eu queria enganar? Nenhuma daquelas vagas seria minha e eu teria que voltar para meu país de origem.
— Mais que saco…
Passava aleatoriamente os canais na TV e nada me chamava a atenção. Aquela ansiedade estava me matando, resmunguei pela milésima vez quando meu celular tocou.
— Annyeong… — Atendi sem entusiasmo.
— Chinguuuuuu! Já olhou seus e-mails hoje?
— Umas 15 vezes… — Bufei.
— Então olha pela décima sexta vez! — Ela disse eufórica.
— Vou olhar amanhã…
— Anda logo, Sophs! Sai dessa cama e pega o notebook!
"Espera? Como ela sabe que estou na cama?"
— Tá bom… — Joguei meu cobertor de lado e peguei o notebook voltando para a cama.
— E aí? Já abriu?
— Espera, né, a minha internet é lenta. — Disse, esperando a caixa de entrada carregar. — Não precisa dessa euforia toda porque eu tenho…
Arregalei os olhos, levando a mão à boca, vendo um e-mail que dizia "Bem-vinda ao estágio de verão da Seul Academic International".
— Aposto que você está paralisada. — Ha-nui falou alegre.
— Amiga… eu… eu passei…
— Sure, baby! (Com certeza, querida) Eu te falei!
— Meu Deus… — Sorri.
— Agora sua vida vai mudar! — Ouvi Ha-nui falar alegremente.
…
Cá estava eu em frente a um prédio de seis andares, todo ornamentado em vidro com grandes portas giratórias. O nome em um letreiro, em letras grandes e prateadas, tomava destaque: "Company Korean of Lawyers Min". Estava um tanto nervosa e cheguei 20 minutos mais cedo. Mordi o lábio e conferi minhas roupas mais uma vez antes de cruzar uma das portas que me deu acesso a um amplo saguão bem decorado e com um piso lustroso. Era maior do que eu pensei que seria.
À frente, quase no centro, havia um grande balcão, que deveria ser a recepção, com duas moças coreanas muito bonitas. Me aproximei devagar; aqueles saltos, apesar de baixos, eram um tanto desconfortáveis para uma pessoa que usava sempre All Star e sandálias fechadas.
— Bom dia! Com licença. — Falei com uma das moças.
— Em que posso ajudar, senhorita? — Ela perguntou, amigável, sorrindo com dentes brancos e perfeitos.
— Eu vim pelo programa de estágios de verão da SAI. — Tirei o documento que me foi enviado pelo e-mail e entreguei a ela.
— Ah, sim, claro. — Ela pegou o papel, analisando-o. — Um minuto, por favor. — Ela pegou o telefone. — Qual é o seu nome, por favor?
— Sophie Oliveira. — Sorri.
— A senhorita Oliveira acaba de chegar (pausa)… sim, agora mesmo, senhor. — Ela colocou o telefone no gancho e devolveu o papel para mim.
— Por favor, assine aqui. — Ela levantou, colocando sobre o balcão um livro grosso, me mostrando a linha para ser assinada.
Assinei.
— É o elevador à sua esquerda, sexto andar. A sala é a de número 4, no fim do corredor. O senhor Min a aguarda. — Sorriu.
— Muito obrigada! — Me curvei minimamente e fui até as roletas do lado esquerdo que davam acesso ao elevador logo ao lado.
Entrei no elevador, apertando o botão de número 6. Me virei, checando minha roupa que Ha-nui fez questão que eu usasse. A saia ficou um pouco acima dos joelhos e levemente apertada; já o blazer vermelho ficou muito bom; eu o deixei aberto e coloquei uma blusa de tecido fino, preta, assim como a saia. Conferi o r**o de cavalo que fiz e, como estava de lentes, passei muito pouca maquiagem.
— É agora… seja o que Deus quiser… — Falei para mim mesma, apertando a alça da minha bolsa quando o elevador parou e a porta abriu.
Saí do elevador em um corredor de uns cinco metros de comprimento, com três salas. Caminhei até o final, até a sala de número 4, com uma porta dupla de madeira.Levantei a mão direita e a recuei com receio de bater.
— Vamos, Sophie, você precisa desse trabalho — disse em voz baixa, tentando controlar toda a insegurança que eu sentia.
“Você não poderá escapar de mim…"
Espantei aquela voz asquerosa da minha mente e bati duas vezes na porta.
— Entre! — uma voz rouca e abafada disse.
Abri devagar e entrei na sala, fechando a porta logo em seguida. O homem que estava em sua mesa parecia alheio à minha presença, concentrado em escrever ou assinar algo.
— Com… com licença! — pronunciei, apertando meus dedos um no outro.
O homem parou de escrever e levantou a cabeça, me olhando. Eu estava junto à porta, a uns 2 metros da mesa dele.
— Bom dia! — me curvei.
— Entre e sente-se!
Me endireitei e fui até a mesa, sentando em uma das cadeiras à frente. Ele escorou no encosto da cadeira grande de couro marrom, tirou os óculos e continuou me observando. Seus olhos sobre os meus transmitiam uma estranha familiaridade. Olhei para minhas mãos sobre meu colo; não queria parecer insegura, mas aquele olhar era intimidador.
— Você tem um nome? — ele quebrou o silêncio, e eu o olhei.
— Sim… Me chamo Sophie, senhor Min.
— Qual a sua idade?
Eu sabia que era um costume tradicional na Coréia perguntar a idade para saber o nível de formalidade a ser usado, porém me senti estranha com o tom da pergunta.
— Tenho 22 anos, mas aqui tenho 23, senhor.
— Apenas responda como eu perguntar, sim? — ele mordeu a haste do óculos.
— Claro, desculpe.
— Então… — ele se endireitou, trazendo a cadeira para perto da mesa e cruzando as mãos sobre ela.
Apesar de sério, tinha traços delicados e joviais. Seu cabelo era n***o e liso, cortado levemente repicado ao mesmo tempo que social. Apesar de os coreanos terem características asiáticas bem distintas, não os achava iguais como muitos estrangeiros dizem. Mas não era isso; eu já o tinha visto antes. Aqueles olhos, aquele olhar me prendia, e eu me sentia intimidada, mas não ousaria desviar.
— Senhorita Oliveira, Sophie Oliveira, não é mesmo? — eu concordei com a cabeça. — Vamos direto ao ponto. Estou à procura de uma tutora de inglês para minha filha primogênita. E o programa de estágios da SAI foi muito bem recomendado por um amigo meu. Eu soube que vocês são escolhidos a dedo e que a maioria são estrangeiros como você, que vêm como bolsistas e são muito bem aplicados. Sinceramente, espero que a senhorita possa cumprir seu papel.
— Oh… muito obrigada por essa oportunidade, senhor Min, eu fico m…
— Entretanto… — ele me interrompeu. — Espero realmente que faça muito bem seu trabalho e quero deixar bem claro que não tolero deslizes. Eu li sua ficha e você é uma excelente aluna, e seu teste teve uma nota muito boa.
Engoli em seco.
— Eu cumprirei com meus deveres, senhor Min, eu prometo.
— Nada de promessas, senhorita Oliveira. Apenas execute um bom trabalho.
— Claro, desculpe, senhor.
Ele me analisou por um instante e rapidamente desviou o olhar, parecendo envergonhado. Pegou um bloco e começou a escrever algo.
— Aqui está. Esse é o endereço da minha casa. Esteja lá amanhã às 8 da manhã. — entregou-me o pedaço de papel bege claro com uma caligrafia impecável.
— Claro, estarei lá. Muito obrigada! — me levantei e me curvei agradecendo. — Com licença, senhor Min.
Me curvei minimamente mais uma vez e dei as costas para sair.
— E senhorita Oliveira — parei e me virei — poderia usar roupas… menos… justas?
Olhei para minha saia e senti meu rosto esquentar de vergonha.
— Sim… desculpe.
— Hum… — ele murmurou, ainda me olhando e colocando o óculos — Chega de desculpas por hoje. — falou, voltando sua atenção ao notebook.
No momento em que ouvi aquela frase, lembrei do homem caído em minha frente, me olhando com cara de poucos amigos e olhar penetrante.
"Meu Deus! É isso! É o cara daquele dia!"
Pensei parada em frente à porta, como uma i****a.
— Há algo errado? — ele me perguntou ao voltar a me olhar.
"Eu já vi você antes?"
Era a pergunta que eu queria fazer; não sabia porquê, mas eu queria ter certeza. Ele ainda me olhava esperando uma resposta.
— Não… eu já vou, senhor Min. — Abri a porta e saí da sala, indo direto para o elevador.
"Nossa, que coincidência foi essa?"
Pensei , ao entrar no elevador. Antes que a porta se fechasse, alguém pôs a mão a segurando.
— Ufa! Bom dia. — Um cara alto e bastante eufórico entrou no elevador.
— Bom dia. — respondi.
— Desculpe parecer curioso ou algo do tipo, mas você veio para a entrevista de emprego para ser a nova secretária da recepção? — ele perguntou, e eu o olhei um tanto incrédula.
— Ah… não. Na verdade, eu vim para uma entrevista, mas não para ser secretária daqui. — respondi sincera.
— Ah! Claro. — ele pôs ambas as mãos nos bolsos da calça social de linho azul-marinho impecável, olhando para frente.
Olhando bem, ele era realmente um cara bonito, alto e jovem. Desviei o olhar para não parecer uma estranha olhando demais para um cara que nem conheço.
— Sabe, o Jun é bem exigente e as secretárias não aguentam muito a pressão. — ele começou novamente a falar — Não é que ele seja uma má pessoa, só não tem senso de humor às vezes. — ele olhou para mim e sorriu.
"Então esse tal de Jun deve ser um mala sem educação, que acha que suas secretárias são uma categoria inferior de assalariados e que, por isso, têm que aguentar toda e qualquer coisa."
Essa era minha resposta, mas não seria muito saudável falar isso para um estranho que possivelmente estava falando de um dos sócios desse lugar.
— Hummm… — me limitei a dizer.
A porta do elevador abriu na recepção.
— Bem, esse é o meu andar. — achei justo dizer antes de sair.
— É o meu também. — ele disse, saindo junto comigo. — A propósito, sou o Si-Woo. — disse, estendendo a mão direita, que com receio, eu apertei.
— Sou a Sophie.
— Então, até mais, Sophie. Foi um prazer ter sua companhia. — disse, simpático, colocando óculos escuros. — Tchau. — acenou, passando pelo saguão na minha frente.