Helena narrando
Infelizmente, depois do que os meus pais fizeram, eu não tinha mais nada a perder. Então decidi dar continuidade à denúncia.
Procurei a Doutora que me atendeu naquela noite e peguei com ela o kit de estupro que havia sido feito. Fui até a polícia e, como eu já sabia mais ou menos como funcionava essa parte das filmagens, pedi um mandado para ter acesso às câmeras que mostravam o que tinha acontecido.
Como eu já devia imaginar, nada seria fácil pra mim. A polícia não conseguiu encontrar as filmagens, mesmo sabendo que meu pai já tinha me mostrado elas. Mas, de certa forma, isso era um detalhe pequeno perto de tudo que ainda precisava enfrentar.
Os três foram presos e estão aguardando julgamento no júri popular, que deve acontecer daqui a alguns dias. Depois de mais de 2 anos poderia colocar um fim nessa história que me assombra dia após dia.
A minha gravidez foi bastante conturbada, eu passava tanto m*l que perdia até às forças. Precisei fazer acompanhamento psicológico, mas no final deu tudo certo e minha menina, veio perfeita. O parto não foi fácil e estar sozinha naquele momento tornou tudo ainda mais difícil. Mas Deus me deu forças. Mesmo sozinha, consegui trazer minha filha ao mundo, saudável e cheia de vida.
No começo, com ela recém-nascida, tudo foi um pouco mais complicado. Eu não sabia exatamente como seguir com a faculdade, mas me disseram que poderia levá-la comigo, e foi isso que fiz. Acabei mudando de turma, por causa do resguardo, perdi algumas aulas e conteúdos importantes. No final, acabei agradecendo por isso. Na minha nova sala, todos sabiam o que tinha acontecido, e isso fez com que eu fosse muito julgada.
Camila tentou me procurar algumas vezes para se justificar, porém eu nunca deixei ela se aproximar de mim porque eu me lembro muito bem que quem me entregou o copo naquela noite foi ela.
Na faculdade, quando a Melissa chorava, os professores me ajudavam, me davam suporte. E assim, entre altos e baixos, aos trancos e barrancos, consegui, graças a Deus terminar minha faculdade, me sentindo mais forte, mais determinada e pronta pra seguir em frente.
Depois que me formei, consegui um emprego fixo em um dos escritórios de advocacia mais respeitados do Rio de Janeiro. A referência deles sempre foi das melhores, e entrar ali era um salto gigantesco na minha carreira.
Ser mãe solo não é nada fácil, principalmente quando você tenta equilibrar uma carreira exigente com as responsabilidades de casa. Às vezes me sinto perdida, com um monte de papelada acumulada na mesa e, ao mesmo tempo, mensagens da babá dizendo que precisa ir embora porque já deu o horário dela.
Melissa está com dois anos agora. No período da manhã, deixo ela na escola e, às cinco da tarde, a Raquel vai buscá-la para mim. Ela fica com a Melissa até, no máximo, oito da noite, que é quando eu chego.
E agora, dois anos depois de formada, finalmente vou ter o meu primeiro caso como advogada principal. Confesso que estou nervosa. Já estive em outras audiências, mas era sempre como apoio de outro Advogado. Agora, toda a responsabilidade vai estar sobre os meus ombros.
O dia começou com um aperto no peito. Ao deixar a Melissa na escola, ela chorou bastante dizendo que não queria ficar. Foi difícil me afastar, mas eu sabia que, como sempre, assim que eu virasse as costas, ela ia se acalmar. Esse pensamento é o que me mantém firme.
Chegando ao escritório, meu chefe já me esperava. Segui até a sala dele, onde me entregaram uma pasta robusta com todos os detalhes do processo. Sentei-me à frente dele enquanto ele explicava, ponto por ponto, a situação do cliente.
Quando abri a pasta e comecei a ler, meu estômago deu um nó. O nome estampado nos autos não me era estranho. E, à medida que eu folheava as páginas, senti o sangue gelar.
— Se ele já foi condenado, o que é que eu preciso tentar fazer aqui? Ainda não está com tempo de pedir condicional. — falei, olhando para o meu chefe, que respirou fundo antes de responder.
— Esse caso é um pouco complicado, porque esse homem foi considerado um dos mais perigosos do Rio de Janeiro. Você foi escolhida a dedo, e, por esse motivo, não pode falhar. Vai precisar dar o seu melhor para conseguir tirar ele de lá. No seu lugar, eu usaria até aquela mínima carta que você tem na manga… porque já ouvi dizer que ele não costuma falhar e nem brincar com o que diz. E quem paga por isso são as pessoas mais próximas que você ama. — ele disse, olhando diretamente nos meus olhos.
— Eu não vou aceitar esse caso, isso é loucura. — rebati, sentindo meu corpo inteiro ficar tenso.
— Eu sinto muito, Helena. Entendo que é difícil, e queria muito poder te ajudar… mas, nesse caso, não posso me meter. Se eu fizer isso, eu também me torno um alvo. — fiquei olhando para ele, incrédula com o que ouvia. — E não esquece que é a sua primeira audiência solo. Se quiser construir o seu nome, precisa dar o seu máximo e tirar ele de lá. Se for preciso, fale com aquela juíza… tenho certeza de que ela vai fazer o possível para te ajudar.
— Não preciso de ajuda. O senhor não vai ter com o que se preocupar. Pode deixar que eu vou dar o meu jeito. — falei, levantando-me com o arquivo na mão.
Saí da sala e segui para a minha. Fechei a porta, sentei-me na cadeira e abri a pasta sobre a mesa. Respirei fundo. Eu tinha acabado de entrar no maior problema da minha vida, e, para não colocar a vida da minha filha em risco, ia ter que me virar nos trinta para livrar esse homem.