capítulo 2 Lobo

1345 Palavras
Capítulo 2 — Narrado por Lobo Favela é selva, parceiro. Quem não aprende a ser predador, vira carniça. Eu sou o Lobo, e aqui em cima do Morro da Serpente ninguém esquece esse nome. Nasci Lucas Andrade Freitas, mas esse nome morreu cedo. Quem grita “Lucas” na rua tá pedindo pra ser ignorado. Agora, se grita “Lobo”… até o vento baixa a orelha. Tenho 32 anos, 1,88 de altura, ombro largo, braço pesado de ferro puxado na laje e na barra improvisada. Pele marcada: uma cicatriz na sobrancelha esquerda, outra cortando a costela até as costas. No peito, tatuado de ponta a ponta, o lobo que me deu vulgo, boca aberta, dente à mostra, olhando feio pra quem encara. Barba por fazer, cabelo raspado na lateral e alto em cima, estilo prático de rua. Olho escuro, fundo, de quem já viu sangue escorrendo em chão de terra e aprendeu a não piscar. Não sou bonito de comercial, não. Sou o tipo de cara que a mãe segura a bolsa quando vê passar, e que o filho do beco cumprimenta com respeito pra não ser esquecido. Minha quebrada sabe: Lobo não é conversa, é postura. Eu desço pra comprar cigarro e o silêncio abre caminho. Quem é cria, abaixa a cabeça. Quem não é, olha rápido e desvia. Aqui não tem meia palavra: ou cê tá do meu lado, ou tá marcado. Minha toca fica escondida atrás do campo abandonado. Uma casa simples de fora, reforçada de dentro: grade, câmera, parede dupla. De um lado, o canil; do outro, o serpentário. É isso mesmo. Eu crio cachorro e cobra. Fiel de um lado, traiçoeira do outro. É o equilíbrio. No canil, só raça bruta: rottweiler, malinois, pit. Bicho grande, pesado, treinado pra entender assovio e olhar. Eles latem quando tem invasor, deitam quando eu mando, mordem quando eu quero. Eu não crio pra maltratar. Aqui é respeito. Bicho come antes de soldado. Quem ousa encostar num cão meu sem permissão, some. Do outro lado, as cobras. Não é pra enfeite, não. É porque o morro tem nome: Serpente. E eu gosto de lembrar que o bote pode vir do nada, sem barulho. Já vi muita polícia tremer só de ouvir que eu tenho jiboia guardada. Mas aqui não tem circo. Tem cuidado, água limpa e temperatura certa. Quem não respeita, acaba marcado. Minha rotina é simples: acordo cedo, treino ferro e soco no saco de pancada. Confiro a boca de fumo, a segurança do beco, a ronda dos moleques. Depois passo no canil, jogo ração, vejo se algum filhote tá fraco. Do serpentário, só confiro se tá tudo no esquema. À tarde, reunião com os cabeças da quebrada: cada um me passa situação — se a polícia tá rondando, se o dinheiro entrou, se teve BO de morador. Aqui eu mando, mas não sou cego. Favela respeita quem escuta. Eu deixo a dona Maria vender bolo na porta sem pagar taxa, porque sei que foi ela que me deu prato de comida quando eu era pivete e não tinha nem chinelo. Mas não confunde: se atravessar minha lei, se dar moral pra polícia, não sobra nada. Eu não falo alto. Minha voz é baixa, firme. E quem já me ouviu sabe que dói mais que grito. Grito é de quem perdeu o controle. Eu não perco. Meus inimigos? Polícia e traíra. Polícia acha que aqui é território deles. Não é. É meu. Eu cresci vendo meu pai ser humilhado, minha mãe se matando de faxina, meu barraco sem nada na geladeira. A farda nunca ajudou ninguém daqui. E agora querem vir dizer que vão tomar o que eu construí? Não vão. Aqui só sobe se eu deixar. Minha marca é simples: quando eu apareço, tatuagem no peito à mostra, corrente grossa batendo, todo mundo entende que a noite tem dono. Eu não preciso de coroa, nem de trono. Meu trono é a laje, meu cetro é o fuzil que eu carrego desde moleque. Já tentei sair? Já. Mas quando o mundo lá fora fecha as portas, a favela abre as grades. Eu sou cria daqui. Sou o grito e o silêncio desse morro. Sou o medo que segura a língua e o respeito que garante o pão na mesa. Eu sou o Lobo. E no Morro da Serpente, quem manda sou eu. Eu não sou dono só da minha toca, sou dono do morro inteiro. Quem olha de fora acha que é só viela torta, barraco colado e criança correndo descalça. Mas aqui é tabuleiro, e cada peça se move porque eu deixo. Tem olheiro em cada laje, rádio chiando em cada beco, e vapor em cada esquina. O dinheiro sobe como fumaça, e desce pra minha mão limpo, contado, separado. Desço da toca com calma, cigarro aceso, corrente grossa balançando no peito. Molecada grita meu nome, moto para pra eu atravessar, morador me cumprimenta sem olhar muito. O respeito não é pelo sorriso, é pelo peso da minha sombra. O lugar onde eu fico é uma laje alta, bem no meio do morro. Dali eu vejo tudo: a entrada principal, a escadaria do campo, o beco das palafitas. Ali é meu trono sem coroa. Tem cadeira de plástico, mesa riscada de baralho, cooler cheio de cerveja e rádio na frequência. Não é luxo, é posto de comando. Eu tava sentado ali quando n**o Beto, meu primo, um dos vapores de confiança, chega apressado. Moleque magro, sem camisa, tatuagem m*l feita no braço. Ele carrega uma caixa de madeira pequena, furada em cima. O jeito que ele segura entrega que não é coisa comum. — Chegou mais uma daquelas que cê pediu, Lobo. — ele fala meio baixo, tentando mostrar firmeza. Eu apago o cigarro na lateral da mesa e fico só encarando. — Abre. Ele engole seco, põe a caixa em cima da mesa e dá dois passos pra trás. No mesmo segundo que o bicho lá dentro se mexe, o moleque pula mais um pra longe. — p**a que pariu… esse aí tá vivo mesmo, hein. Eu dou risada curta. Puxo a caixa pra perto, sem pressa. A madeira range, a sombra lá dentro se contorce. Eu meto a mão sem tremer, pego firme no corpo frio e puxo pra fora. — Essa aqui é Pitanga. — digo, levantando a cobra pro reflexo da lua. Escamas avermelhadas, olhos atentos, corpo deslizando no meu braço. — Braba, bonita, venenosa não, mas mete medo em qualquer o****o. A favela inteira parece prender a respiração. O primo continua uns três metros afastado, a cara branca. — c*****o, Lobo, como cê pega esse bagulho na mão assim? — Porque bicho respeita quem não tem medo. — falo, olhando a cobra enrolada no meu braço como se fosse pulseira viva. — Diferente de gente. Gente trai. Gente vende. Bicho não. Eu passo a mão no corpo dela, devagar, e sinto a força que guarda até no silêncio. Meus homens em volta olham, uns curiosos, outros com aquele respeito de quem sabe que eu sou diferente. Aqui não tem espaço pra fraquejar. — Beto. — chamo pelo primo, a voz baixa. Ele chega devagar, ainda com medo. — A caixa você deixa lá na toca. Essa aqui vai ficar comigo. Quero ela aqui, no alto. Lobo de um lado, Serpente do outro. O morro tem que lembrar todo dia quem manda. Ele só acena com a cabeça e corre. Eu fico com Pitanga enrolada no braço, olhando o morro lá embaixo, luzinha acendendo, sirene distante ecoando na avenida. Eu falo mais pra mim do que pros outros: — Esse pedaço aqui tem dono. E o dono sou eu. 🐺🔥 E aí, curtiram os capítulos da Lara e do Lobo? Querem mais? Então não esquece: adiciona na biblioteca e comenta muito, porque o feedback de vocês é o combustível pra eu soltar mais. Em breve tem atualização diária... e só aviso: o que vem aí vai ser ainda mais pesado, mais intenso e cheio de tiro, sangue e paixão proibida. 📚 Bora mergulhar juntos nessa história?
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