Pré-visualização gratuita Entrevista
Mais um dia começa e cá estou eu, vestindo meu moletom e calça jeans para comprar o jornal de classificados de empregos do dia. Meu cabelo, preso em um coque bagunçado, acabou desarrumando mais ainda quando uma ventania bateu em meu rosto do lado de fora da casa. Que ótimo, um cisco de sei lá o que entrou no meu olho.
– Bom dia, Wendy! – Marco, o vizinho velho e fofoqueiro já havia começado seu trabalho de vigia da vizinhança da manhã. Estava sentado na sua cadeira de balanço na sacada do prédio de três andares onde moro com mais duas amigas.
– Bom dia, senhor Marco! – Falei, enquanto coçava o olho. Quando finalmente me virei para Marco e sorri, ele ergueu a mão e acenou de forma gentil.
Minha vida não tem sido a mesma desde julho, quando a creche onde trabalhava fechou as portas. Eu ainda não acredito que a crise econômica conseguiu fechar as portas de uma creche. Isso é realmente difícil de acontecer, considerando que as mães precisam deixar os filhos para trabalhar.
Caminhei até o final da rua onde havia uma banca de jornal, entreguei um dólar para o vendedor e ele automaticamente entregou o jornal aberto nos classificados de emprego. Acho que na cabeça dele, estava contando a quantidade de jornais que já comprei. Foram cinquenta e dois dólares, senhor vendedor. Infelizmente, é muito difícil abrir vagas para professor na metade de um semestre do ano letivo.
Analisei a lista de classificados já sem esperança, mas uma vaga me chamou atenção: Precisa-se de professora experiente. Tudo bem, um salário mínimo e meio é melhor que nada. Peguei o celular e disquei para o número indicado, e uma voz feminina atendeu.
– Carson e Sanders Corporation, Patrícia falando. Em que posso ajudar? – Meu Deus, que voz enjoada.
– Eu estou ligando pelo anúncio colocado no jornal hoje de manhã, vaga para professora. – Falei. Ao fundo, ouvi a voz de uma criança gritando.
– Desce daí, Oliver! Sim, sim, vou transferir a ligação. – Uma música de elevador começou a tocar. Sentei em um banco de concreto da rua, e fiquei balançando meus dedos com o ritmo da música. Três minutos. Três longos minutos.
– Alô? Aqui é Dimitri Sanders. Bom dia. Com quem falo? – A voz dele não é enjoada como a da tal de Patrícia. Parece um trovão de tão grave.
– Wendy Hills. Eu estou ligando pela vaga de professora, que está disponibilizada no jornal de hoje. – Ouvi o tal do Sanders digitando. Ele demorou alguns segundos para responder.
– Te mandei o endereço. Não faço entrevistas por telefone, venha até meu escritório que conversamos. Consegue chegar na avenida principal em duas horas? – Ele questionou e meu coração foi parar na boca. Ótimo, tenho a primeira entrevista de emprego desde que a creche Brilho do Sol fechou.
– Consigo. – Respondi, tentando conter o sorriso.
- Antes, me passe seu nome completo e RG para deixar liberada sua entrada.
Respondi a pergunta, e Sanders desligou o telefone. Eu literalmente corri até meu apartamento. Marco provavelmente me olhou com curiosidade quando entrei, depois de dias, feliz em casa.
Abri meu armário e peguei uma camisa social de cor branca, e uma calça reta azul escura, que ia na altura das panturrilhas. Coloquei por cima um blazer vinho um pouquinho folgado, para não deixar o visual tão social. Amarrei o cabelo com um lenço florido. Coloquei um tênis branco com detalhes dourados, que combinavam com meus brincos de argola torcida nem tão grandes e nem tão pequenos. A blusa dentro da calça era evidenciada pelo pequeno cinto branco que dava um charme no visual. Passei rímel, um blush e um lip tint, e finalmente me senti pronta. Peguei meus documentos, coloquei em uma bolsa branca lateral e saí, com confiança, para minha entrevista com o senhor Sanders.
Quando cheguei no local indicado, até achei que estivesse no local errado, mas a imensa placa no prédio confirmou a localização: Carson e Sanders Corporation. Seja lá quem precisa de uma professora nesse prédio, cá estou.
O ambiente chique me deixou um pouco apreensiva. Entrei no elevador e esperei o andar indicado na mensagem enviada por Sanders. Vinte e dois andares depois, desci, e parece que cheguei em um mundo ainda mais sofisticado. Fui recepcionada por um quadro pintado por um tal de Montebello. Parece chique. Uma estátua de metade de um cara nu também me recepcionou, mas provavelmente não me viu. Era uma estátua vendada. Por que diabos alguém coloca uma venda numa estátua? Elas não podem nos ver... Enfim, não entendo!
– Você é a senhorita Hills? – Uma voz enjoada disse, e parei de encarar a estátua do homem nu como uma maníaca.
– Sim, sou eu. – Virei em direção a voz, avistando uma linda mulher n***a de cabelos encaracolados até os ombros, vestida em um terninho clássico azul e saltos cor chocolate, quase da cor de sua pele.
– Me acompanhe, por favor. – Ela disse e eu a segui por um corredor imenso, cheio de portas. A última porta tinha uma placa enorme escrito o nome do homem que falou comigo no telefone. Dimitri Sanders, diretor.
A mulher, que julguei ser Patrícia, abriu a porta após uma rápida batidinha e entrou me anunciando. Sanders falou algo com ela e ela me mandou entrar.
– Olá. – Falei com um sorriso no rosto.
Sanders estava no telefone, com a cadeira virada para a janela e eu não podia ver. Ele levantou a mão enquanto ainda falava no telefone, como se quisesse me mandar esperar. Fiquei em pé, como uma boba, por mais ou menos cinco minutos, até que ele finalmente encerrou a chamada e girou sua cadeira mostrando seu rosto.
– Olá, senhorita Hills. Me desculpe o inconveniente, tenho clientes muito insistentes e esse em específico, não me deixaria em paz até receber suas atualizações. – Meu Deus, que homem bonito. Que maxilar quadrado perfeito. Que olhos azuis desenhados por Deus. Wendy, se controla.
– Não tem problema, senhor Sanders. – Temos um problema aqui. O problema se chama Dimitri Sanders, e ele é um gato. Fala sério, Deus tem seus preferidos, não é possível. Mas tudo bem, eu sei me comportar. Papai me ensinou bem.
– Sente-se, por favor. – Ele falou, e eu obedeci. Sentei na cadeira em frente à mesa dele e estampei meu próprio rosto com um sorriso. – Bom, eu coloquei a vaga no jornal porque um amigo disse que era a melhor forma de conseguir uma babá competente e confiável... E que estivesse desesperada demais para aceitar o emprego. – Minha expressão feliz se transformou. Meus olhos esverdeados confusos e semicerrados olharam para Sanders, que sorria. – Não se preocupe, acredito que gostará da proposta. Eu fiz algumas ligações e descobri que você foi demitida da creche Brilho do Sol, seus ex-chefes a elogiaram muito. Não precisa falar de você, eu já sei quem você é.
– Nossa. Que entrevista diferente. – Não acredito que deixei isso sair pela minha boca, mas, pelo visto, Sanders sabia até meus antecedentes criminais. Não que eu tivesse algum, claro, mas ele verificou muitas coisas só pelo meu nome e RG.
– A vaga não é para professora. O período é integral, como na descrição da vaga, mas o salário não é aquele. O negócio é o seguinte, você deve ter me reconhecido, eu já saí diversas vezes na revista Golden e em todas essas revistas femininas que circulam pelas bancas... – Prepotente. Para sua informação, não o reconheci. E agora, apesar de lindo, achei esse cara um saco. Detesto homem que se acha o último biscoito do pacote.
– Desculpe, senhor Sanders, mas não faço ideia de quem é. – Ele ficou surpreso, depois, deu um suspiro até que aliviado.
– Todas as mulheres que se candidataram a vaga de babá do meu filho queriam se casar comigo. Eu não quero uma esposa, quero uma babá. – Ele disse, e eu balancei a cabeça de forma positiva. Prendi a risada, mas depois não consegui mais. Acabei gargalhando.
– Ora, ora. E eu quero um emprego de professora, e não uma vaga de babá ou de candidata a mulher de um ricaço. – Nessa altura do campeonato, eu já havia perdido um pouco da paciência com a história de Sanders. Ele me fez pegar um táxi e gastar 18 dólares para uma entrevista de babá?
– Ouça minha proposta antes, senhorita. Eu te ofereço dez mil dólares por semana se você ficar com a vaga. Mas eu gostaria que morasse na minha casa, que cuidasse do meu filho como se fosse seu. Oliver está sofrendo muito com a perda da mãe, e por ser pequeno, está triste demais com isso. – Dez. Mil. Dólares. Gente, que merda é essa? Eu jamais ganharia esse salário sendo professora de creche!
– E quando eu começo? – Antes que ele pudesse responder, Patrícia entrou pela porta completamente desesperada. Nós dois olhamos para ela, assustados.
– Senhor Sanders, Oliver entrou na tubulação de ventilação. De novo! – O rosto dela demonstrava um completo desespero. Até eu fiquei um pouco desesperada com a situação. E se Oliver é o filho dele, pelo visto, é uma praga.
– Droga. Eu mandei a equipe de manutenção apertar os parafusos! – Sanders se levantou da cadeira com os punhos cerrados e saiu andando. Eu também fui, não ia ficar sozinha na sala dele.
Nós três estávamos parados na frente da tubulação aberta da ventilação. A grade estava caída e podíamos ouvir a risada de Oliver, que nos olhava cerca de três metros pra dentro do tubo.
– Vem, filho. Já disse que você não pode entrar aí! – Sanders disse, enfiando a cabeça na tubulação. Ouvi uma risada mais alta de Oliver. Ele mostrou a língua para o pai enquanto ria.
– Não saio! – Respondeu.
Sanders ficou alguns minutos com a cabeça lá dentro, tentando convencer o menino a sair. A cena era curiosa: Um homem grande vestido de terno e gravata com a cabeça enfiada na tubulação do prédio, tentando resgatar o filho.
– Desculpe, o senhor poderia me deixar tentar? – Eu disse e abri minha bolsa, tirando uma cartela de adesivos colorida.
– Pode, desisto. – Sanders tirou a cabeça da tubulação e se sentou no chão, vencido pelo menino. Eu me abaixei, e dessa vez foi eu quem enfiei a cabeça na tubulação.
– E aí rapaz. – Falei. Meus brincos fizeram um barulho ao roçarem nas paredes de metal da tubulação. – Tenho alguns adesivos aqui comigo, olha. – Tirei a cabeça da tubulação e mostrei a cartela de adesivos, logo depois enfiando a cabeça novamente. – O que você acha de enfeitamos a gravata do papai, hm?
– Sim! – Ouvi. Oliver saiu da escuridão e veio engatinhando até mim, e eu saí da tubulação, seguida por ele.
Ele pulou no meu colo e vi que era a cópia bebê do pai: Olhos azuis, cabelos dourados, boca desenhada. O que os diferenciava era que Oliver, por ter três anos e alguma coisa, tinha as bochechas grandes e um olhar bem mais inocente do que o de Sanders. Eu entreguei a cartela de adesivos para Oliver e segurei sua pequena mão. Sanders parecia satisfeito.
– Vou chamar a manutenção para fechar isso de forma permanente. – Patrícia saiu andando, fazendo barulho com seus saltos altos. Ela tava brava, mas também, quem não estaria? Ao invés de resolver os problemas do trabalho, estava atrás de uma criança na tubulação. É, cuidar de criança não é fácil. Eu mereço um salário de dez mil, mereço sim.
– Papai, vou colar adesivo na sua “gavata.” – Oliver disse, mostrando sua cartela de adesivos coloridos.
– Vai? – Eu olhei para Sanders e balancei a cabeça de forma positiva. – Claro que vai. Vamos até minha sala, eu cuido de alguns documentos e vocês colam adesivos na minha gravata. – Dimitri Sanders sorriu pela primeira vez desde que o conheci. Ele esticou os braços e Oliver pulou para seu colo.
– Senhor Sanders, eu vou cuidar do menino no escritório durante o dia? Por que ele está aqui? Não acho que esse seja o local mais adequado para uma criança. A menos que tenha uma sala de recreação ou coisa do tipo. – A dúvida era sincera. Vai ver que o pai queria que o menino participasse desde muito cedo dia negócios, não é mesmo?
– Não, senhorita Hills. Você vai cuidar do menino na minha casa. A última babá teve o que Patrícia chamou de ataque de pelanca quando percebeu que não me interessei por ela. Tive que dispensar. – Ele disse, sério. Ah, por favor, tragam um prêmio de homem mais gostoso e desejado do universo para o senhor Sanders... Aff. – Em breve o motorista chegará e levará vocês para minha casa. Uma empresa de limpeza faz todos os serviços domésticos e você pode pedir o que quiser todos os dias no delivery. O celular do Oliver tem meu cartão cadastrado, está na mochila dele. Compre o que precisar para ele, e, senhorita Hills, não me incomode com coisas triviais. – Sanders sentou na cadeira à mesa de sua sala e colocou o menino sentado em cima de alguns papéis. Oliver abriu sua cartela de adesivos e começou a colar na gravata do pai, como combinamos.
– Papai, ela é a nova Lucy? – Oliver perguntou. Sanders sorriu para o filho, enquanto olhava a gravata ser enfeitada por adesivos coloridos de todos os tipos.
– O nome dela é senhorita Hills. – Ele lançou um olhar para mim, seguido pelo olhar do filho. Realmente, o menino é uma cópia do pai.
– Pode me chamar de Wendy, Oliver. – Eu me aproximei dos dois e permaneci em pé, perto da mesa de Sanders. Eu estava um pouco sem jeito, não sabia o que fazer.
Daí, o telefone tocou. Dei graças a deus quando senhor Sanders disse que era o carro que me levaria para sua casa com Oliver, fui até o menino e o peguei no colo.
– Retire a mochila do Oliver com a Patrícia na recepção, por favor. – Balancei a cabeça de forma positiva e caminhei para fora da sala.
Certo, sempre fui boa controlando 12 crianças dentro de uma sala minúscula, será fácil cuidar de um menino só em uma casa de luxo. Por dez mil dólares por semana, ainda? Quem seria louca de deixar uma oportunidade dessa passar?