Um pouco de açúcar.

1335 Palavras
Esperança _ Ajudo, sim, sinhora. - eu quero mostrar gratidão pela bondade que a dona Violante está tendo com minha pessoa. No entanto, quando me aproximo da mesa e meus olhos captam a imagem da folha de caderno, cuja em suas linhas está impressa uma caligrafia linda, muito bem desenhada fico com uma baita vergonha. Me afasto, acanhada, tímida. Olho para minhas mãos calejadas de unhas curtas, escondendo-as atrás das minhas costas. _ O que houve Esperança? Não quer me ajudar? - indaga apoiando o lápis em cima da mesa forrada com uma toalha cheia de estampa de frutas. _ Sabe quê qui é, eu num sei escreve bunito, que nem a dona. Minha letra é um garrancho, como minha falicida mãe custumava fala. A senhora Violente abre um sorriso imenso. _ Pare com isso menina! Senta e escreva, se quiser ter uma letra bonita tem que treinar. A prática leva a perfeição. Sorrio tímida, desviando o olhar para o filtro de barro que está em cima da pia. _ Num sirvo pressas coisa não. Sou uma matuta, dona. Acho que se eu pegar no lápi e no caderno vou sujar tudo.- meu coração aperta, lembro das vezes que Adão, me chamava de inútil, imprestável que eu só sabia o que era um " O" porque bebia água num copo. Eu não estudei, ele não deixou. _ Que pensamentos são esses? Vai sujar nada! Venha sente-se e ajude essa velha cansada. - Dona Violante insiste e eu sento-me à mesa totalmente desconcertada. - Ótimo, agora pegue o lápis que eu irei ditar o que falta na dispensa e você escreve um item debaixo do outro.- apenas balanço a cabeça em concordância. A voz dela soa como se fosse um pássaro cantando para uma manhã de sol. Meus dedos apertam tanto o lápis que sinto dor. Mesmo assim, não desisto de ajudar dona Violante. " Arroz, café, açúcar, sal, azeitona, feijão, amaciante, desinfetante, fósforo, vela." _ Cabô? - pergunto com meu rosto quente de vergonha. Ela vai ver minha letra rir do meu garrancho e me chama de burra, como Adão fazia. A senhora de bochecha rosa se aproxima olha por algum tempo para a folha do caderno, tento cobrir uma palavra ou outra com os meus dedos. _ Retire a mão, Esperança, preciso ler para saber se estou esquecendo alguma coisa. Afasto timidamente minhas mãos, avalio o semblante de dona Violante. _ Hummmm, sabia que estava me esquecendo de algo, farinha de milho para fazer coloral. - estala os dedos no ar - Anota aí, Esperança, também coloque alguns doces que o senhor Florian e o primo dele gostam. Olho atravessado para a mulher. _ Primô? Qui primô. O homi falo que vivi sozim! - estranho. Dona Violante sorri, arqueia as sobrancelhas. _ Oh, menina é que você chegou agora. - a senhora senta na cadeira e olha em meus olhos- Senhor Florian sempre comemora os seus aniversários fazendo uma grande festa. Ele reúne amigos e parentes, muitos vêm da Alemanha, são parentes paternos, por parte de pai. - acredito que a forma com a qual eu olhei em sua direção revelou-lhe que sequer sabia o significado da palavra paterna. " O trem sô! O pessoarzim pra fala difíci!" Presto atenção no que a dona Violante me conta. _O primo dele , senhor Wolfgang sempre chega alguns dias com antecedência, infelizmente. _ Pru quê? _ Ah, minha menina, esse homem tem um temperamento frio, impassível e soberbo. Ele é.... _ Imparsirvi? Que diacho é isso?- lá vem dona Violante com mais palavras difícil. _ Que não mostra sentimentos, emoções, igual as estátuas. _ Ahhhh, intendi, ele é ingual uma estauta. - ele é um mostro como todos os outros, homem é bicho, seus pensamentos são ruins, maus e eu odeio os homens! _ Isso, um homem intragáv....difícil de lidar com personalidade gêniosa. Quando ele estiver por aqui quero ver você não saia da cozinha. Senhor Wolfgang se irrita fácil é grosseiro e não quero que implique contigo. _ Se ele imprica comigo, eu imprico com ele. - sou taxativa. _ Não querida, não é assim que as coisas funcionam. Esse peaaoal cheio de si, não tem apresso pelos de outra classe. Claro que o senhor Florian sempre foi um patrão sensato e correto, no entanto o Aaron é primo dele, quase irmãos, não ficaria satisfeito se o Aaron fizesse uma queixa. _ Intão? - pergunto toda perdida em sua explicação minha cabeça num bolôlô. _ Faça o que eu digo e não teremos confusão. _ Tá certo, pode deixar que eu num ei de arredar o pé da cuzinha. Dona Violante abre um sorriso. _ Isso, Esperança. Tenho bandagem em casa vou imobilizar o seu pé, logo estará melhor para caminhar pela fazenda. _ Iscuta dona Violante, quem mais vem pra festa? _ Muita gente, menina. Os pais, a namorada, os tios, os amigos. Os primos e suas esposas ou namoradas, sem contar as crianças. Esses pequenos são arteiros, sobem em tudo correm de um lado para o outro. _ É mêz( É mesmo)? _ Sim, Esperança. Eu vivo atropelada quando é época de festas por aqui. Senhor Florian gosta muito de comemorar Natais, Ano novo, Páscoa .... diz que é para reunir todos. A família vive espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Por um momento sinto inveja desse senhor, porque ele tem muitas pessoas e eu não tenho ninguém. _ Armaria( Ave Maria), a sinhora dava conta de tudim? Cuzinha, limpa, lava pra um bando de gente? _ O patrão sempre contrato pessoas por fora, muitas das vezes até buffet, pessoas que fazem a refeição para a festa. Balanço a cabeça aprendendo mais uma palavra nova. _ Intendi. Dona Violante sorri e me olha . _ Você é uma moça muito bonita, por isso irei te alertar. Evita olhar para o senhor Florian diretamente porque a noiva dele é por demais ciumenta, o nome dela é Inah, uma dondoca. Se formou em dentista, mas não exerce a profissão. _ Ãh... _ E você, quando era criança pensou em seguir qual profissão? _ Eu quiria ser professora.Via elas recebendo os guri e era tão bunito. - me entristeço, meus sonhos estão sepultados como muita coisa que foi sendo morta a cada dia que ficava para trás. _ Sabe que pode realizar esse seu sonho, é só retornar a estudar. _ Num dá, dona, sou burra velha. _ Para de falar isso de si própria. - ergue-se da cadeira - Uma vitamina de banana com aveia. Aceita? Balanço a cabeça em aprovação . _ Gostaría que eu te desse aulas? Meu coração acelera ferozmente. Eu me lembro que gostava de estudar, por mais que algumas crianças da escola me chamasse de aberração por ter a pele preta e os olhos claros. _ E o trabaio? Num vai atrapaia? _ Não, Esperança. Te ensinarei nas folgas e uma hora todas as noites depois que chegarmos da casa do senhor Florian. O que você acha? _ Bão de mais sô! - sinto algo quente em meu coração, uma coisa chamada alegria que eu vi ir embora da minha vida há muito tempo. _ Ótimo! Força de vontade é tudo para conseguir o que deseja. E isso estou percebendo que tem de sobra.- a dona Violante sorri, eu abro um sorriso acanhado. Uma barulheira da encrenca invade a cozinha, olho para o liquidificador, lembro do caquinho velho que tínhamos, raramente quando minha mãe ia fazer um suco de goiaba o copo rachado deixava o líquido vazar todo. Sinto saudades dela. _ Prontinho, um copo para essa moça bonita que precisa engordar porque está magrinha. Se ela soubesse que foram muitas as noites que fui dormir com fome porque Adão retirava o prato de comida da minha mão e lançava pela janela, amaldiçoando as ramas cozidas de aipim que eu comia. Dou uma boa golada no copo, sentindo o doce descer por minha garganta. Penso que talvez o açúcar da bebida possa adoçar o amargo que tenho dentro de mim.
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