Ele se virou lentamente, me olhando de cima a baixo com uma expressão que parecia atravessar minha pele. Quando deu um passo à frente, o ar rarefez em meus pulmões.
— É um prazer finalmente conhecer você, Bianca.
A voz dele era firme, baixa, carregada de poder.
Engoli em seco.
— O prazer é meu...
Um pequeno sorriso curvou seus lábios.
Ele apagou o charuto no cinzeiro e colocou o copo de bebida sobre a mesinha de centro. O som do vidro batendo contra a madeira ecoou pelo ambiente, e meu corpo tremeu levemente. Ele notou.
— Você está tensa... é a sua primeira vez?
Assenti sem conseguir disfarçar. Meu coração parecia um tambor acelerado.
Ele parou diante de mim, tão perto que o perfume dele tomou o ar.
— Se eu te pedir uma coisa, você faz?
Olhei pra ele fazendo a volta e acenei que sim.
— Pode dançar pra mim?
Arregalei os olhos, surpresa.
— Dançar...?
— Uma dança, só isso.
Ele confirmou, sereno.
Respirei fundo e acenei que sim.
O sorriso dele voltou, pequeno, satisfeito. Ele caminhou até um aparelho moderno, tocou alguns botões e logo uma música sexy, envolvente, preencheu o apartamento.
As luzes diminuíram até que apenas um foco suave iluminava o centro da sala. Minha silhueta ficou projetada, escura, como se eu fosse um segredo prestes a ser revelado.
Ainda parada, tentei me mover, mas a tensão me segurava. Ele percebeu.
— Se você não quiser...
Balancei a cabeça, firme.
— Eu quero.
O sorriso dele brilhou na penumbra.
— No seu tempo.
Ele sentou em uma poltrona, de frente pra mim, podia ver o brilho dos seus olhos, a cobiça.
Suspirei fundo e comecei a me mover devagar.
As mãos deslizaram pelo meu próprio corpo, pelos quadris, subindo até o pescoço. Passei os dedos entre meus cabelos, deixando-os cair pelos ombros. A música parecia penetrar na minha pele.
Olhei para ele. Sentado na poltrona, observava cada detalhe, como se me devorasse com os olhos. Aquele olhar me incendiava e, estranhamente, me fazia sentir confiança.
— Pode... tirar alguma peça?
ele pediu, depois de alguns instantes.
Com os dedos trêmulos, desfiz o cinto do sobretudo e o deixei cair no chão.
Virei de costas, e minha silhueta marcada pela luz pareceu ainda mais ousada.
A coragem cresceu dentro de mim.
Eu não cheguei aquele ponto pra voltar atrás, não agora.
me aproximei, deslizando até ele.
Inclinei o corpo, roçando minhas coxas nas dele. Vi quando ele umedeceu os lábios, como se fosse um instinto.
— Você é linda, menina.
murmurou, com uma voz grave que quase me desarmou.
Continuei dançando bem perto, quase o tocando, até sentir a mão dele subir pelo meu corpo.
Arrepios explodiram na minha pele. Mas, junto com isso, veio um peso: a sensação de estar traindo a mim mesma. O coração apertou, e travei.
Ele percebeu e recuou imediatamente.
— Você já fez muito.
falou baixo, quase como se fosse um ponto final.
As palavras dele me cortaram.
Uma onda de lembranças invadiu minha mente: Marlon, Edgar... homens que só arrancaram de mim o pior, e no fim, não restou nada além de dor.
Não... eu não queria parar. Eu precisava seguir. Por mim. Pela minha mãe. Pela minha irmã.
Segurei o pulso dele com firmeza.
— Não. Eu... eu quero.
Nossos olhos se encontraram. Eu tremia, mas não recuei.
Ele sorriu de leve, como se me visse diferente. Tocou meu lábio com uma delicadeza inesperada. O coração quase saiu do peito.
— Só... tenha paciência comigo.
Ele soltou um suspiro, a voz carregada de desejo.
— Vou ter.
E então inclinou o rosto e me beijou. Um beijo firme, que me puxou para o corpo dele de forma inevitável.
No instante em que sua boca encontrou a minha, eu soube.
Tinha aberto um caminho sem volta.
Mas era exatamente esse caminho que iria me levar além.
...
Assim, os anos foram passando.
Marlon foi preso, recebi a notícia do advogado que ficou responsável pelo meu caso, Donna fazia questão de saber tudo.
Ele foi solto após pagar, pela postagem do vídeo, mas outras meninas surgiram, alunas de escolas que ele trabalhava e em fim, ele foi preso por isso. Por assédio.
Evitava saber sobre meu passado, quanto mais mexia nele, mas fedia.
Depois de alguns anos, finalmente tive coragem de falar com minha irmã. Ela já estava com 20 anos.
Quase a mesma idade de quando sair de lá.
Ela disse que estava tudo bem com a nossa mãe, mas o nosso pai, ele estava doente.
Fazia anos que não sentia dor ou sofrimento por causa do passado, mas naquele dia, eu senti.
Ajudei com dinheiro, mandei pra ela escondido, disse que ela não falasse qualquer desculpas pra dizer de onde vinha o dinheiro.
Meses depois nosso pai faleceu.
Fiquei arrasada, culpada e me sentindo a pior pessoa do mundo.
Iria ao funeral, ao seu enterro, mas a última apunhalada, foi minha mãe que me deu.
Ela não quis minha presença, mesmo clara insistindo, e receber a mensagem da minha irmã dizendo isso, me deixou ainda mais triste.
Foi ali.. que matei Clarisse.
A cada encontro com homens diferentes, a cada olhar de desejo, a cada noite em que vendi um pedaço de mim... a lembrança daquela menina foi sumindo. Clarisse, com sua ingenuidade e sonhos partidos, ficou para trás como uma sombra apagada.
E então nasceu Bianca.
No começo, era só um nome, um disfarce para me proteger. Mas, aos poucos, Bianca tomou forma, cresceu dentro de mim até não haver mais espaço para nada além dela. Os gestos, o jeito de falar, o sorriso calculado... tudo se moldava à mulher que o mundo queria ver.
Bianca era meiga quando precisava, feroz quando exigiam, luxuosa quando o momento pedia. Ela sabia exatamente o que fazer para ser lembrada, para ser desejada, para ser admirada.
E quanto mais eu me tornava ela, menos eu reconhecia Clarisse. Era como se tivesse morrido... e, de certa forma, tinha mesmo.
Bianca era tudo o que me restava. E, no fundo, eu já não sabia se isso era uma vitória... ou uma prisão.
....