A queda

2528 Palavras
Com o tempo, passei a ver Megan menos vezes que de costume, mas a última vez que a vi, foi na sala de ensaio, e após todos terem saído, tocamos o dueto que praticamos juntos da última vez.  Eu senti que ela não estava confiante naquela tarde, e notei que ela queria me contar alguma coisa.  Ela parou repentinamente e caminhou até o espelho. Apoiando as mãos nas barras de ferro.  ⇀ O que houve? - Perguntei atento, olhando de longe.  ⇀ Eu te amo John. - Ouvir aquelas palavras seguidas de uma lágrima descer sob seu rosto, me fez ficar triste e confuso.  ⇀ Porque?  ⇀ Não tem um motivo, eu simplesmente comecei a gostar de você tão intensamente que não sei explicar.  ⇀ Amor fraterno? - Falei sem pensar.  ⇀ Esse amor é do tipo que nos dá vontade de abraçar, e segurar nas mãos. - Ela era uma criancinha falando aquelas coisas bobas.  Naquele momento eu não sabia bem o que pensar, eu gostava dela, mas não era esse tipo de coisa como acontece nos livros escolares ou como nos filmes clássicos, era só vontade de ficar perto e cuidar, como um botão de rosa.  ⇀Não acho que seja verdadeiro, somos muito novos pra isso.  ⇀Você não gosta de mim, não é? - Ouvi sua voz desapontada. ⇀Eu deveria ter ouvido o Nicolas, você não se importa com as pessoas ao seu redor. - Aquelas palavras foram mais fundas do que pensei.  ⇀Eu gosto de você sim. - Me aproximei lentamente.  ⇀Então não me afasta de você. - Ela me abraçou forte. ⇀ O mundo é chato demais para ficarmos longe um do outro. - Eu não entendi bem o que ela falava, deveria ter decorado de alguma novela.  ⇀Tá tudo bem, estarei sempre aqui. - Sorri para ela e encarei seus olhos claros. ⇀ Promete nunca se esquecer de mim? - Sorri.  ⇀Eu prometo John. - Ela me apertou forte.  Olhei pela janela que Nicolas se aproximava, e automaticamente dei um beijo em Megan.  Era proposital, mas de alguma forma aquilo pareceu bom, fazendo meus batimentos cardíacos acelerarem.  Uma pressão forte no peito fez com que eu me afastasse para longe, e ela não disse nada.  Sorri envergonhado, e voltei ao piano, ainda respirava forte para conter aquela ansiedade que tomou conta do meu corpo, e meus dedos tremiam, eu estava eufórico.  Senti ela me abraçar pela cintura, e depois tombar a cabeça em meu ombro... Fechei meus olhos e pude sentir sua respiração, aquilo era muito próximo, mais próximo do que eu pensava.  ⇀Eu preciso ir. -Ela disse baixo, beijou minha bochecha e saiu pela porta com sua mochila.  Aquelas palavras foram tão dolorosas, porque, tudo o que eu queria após dar meu primeiro beijo era que ela passasse o resto da tarde comigo.  Me senti frágil e não gostava disso. Peguei minha mochila e sai de lá, eu não queria ir trabalhar hoje, mas ao passar em frente a sorveteria e vê-la com Nicolas novamente, me fez querer fatiar bifes e sentir cheiro de sangue.  Os dias eram assim, era sempre assim. Megan passava algumas manhãs comigo e logo a tarde eu a encontrava com Nicolas, e foi aí que eu comecei a me isolar e deixei os instrumentos de lado, não tinha mais paciência e nem motivação para tocar, e meus laços com Megan foram se apagando.  Eu escolhi não me preocupar mais com eles, e escolhi que não faria nada para atrapalhar a amizade deles, afinal, ela me amava, foi isso o que ela me disse.  ~ Após alguns meses ~  Me atrasei para a escola, o que eu nunca fazia, ainda mais às quintas quando tínhamos biologia.  Passar pelo portão me daria pontos negativos com a escola e eu sempre dei meu melhor para ser um dos representantes.  Peguei um atalho por trás dos muros o que parecia ser uma boa ideia, até ver que Megan e Nicolas estavam lá, matando a primeira aula para namorarem.  Engoli seco, meus olhos se encheram de ódio em forma de lágrimas quando vi que seus lábios se tocavam com mais intensidade do que nosso primeiro beijo.  Respirei fundo e caminhei na frente deles, ambos pararam ao me virem e eu fiz questão de fingir não ver ou não me importar.  ⇀John? - A voz de Megan ecoou.  Parei lentamente e forcei uma expressão neutra ao me virar.  ⇀Sim? - Sorri fraco.  ⇀Você... - Ela não sabia o que falar.  ⇀Estou atrasado, mas não vi nada e nem vou contar, não se preocupem. - Sorri firme e segui com meu caminho.  A expressão deles era um tanto assustadora, eles estavam esperando por um xingo ou um surto, mas eu realmente não queria me importar.  Entrei no colégio e fui para a sala, a professora ainda não havia chegado então tive tempo para me organizar.  Mais tarde naquele dia, cheguei em casa cansado e psicologicamente esgotado, arrumei meu quarto na medida do possível e fui tomar um banho.  Ao entrar no chuveiro, me lembrei que meu shampoo havia acabado e o outro frasco estava na gaveta da cômoda. Me enrolei e saí rápido deixando o chuveiro aberto para a água esfriar um pouco.  Ao entrar em meu quarto, notei que Nicolas pegava a pulseira em minha gaveta, e como não desliguei o chuveiro ele acreditava que eu ainda estava no banho. Saí lentamente para que ele não me visse e o esperei sair de lá. Peguei meu Shampoo e voltei ao banho.  Por alguns minutos, aquilo não era nada, eu não queria pensar naquilo, não queria lembrar dos beijos, nem do furto, e muito menos daquelas palavras ... "Eu te amo John".  Era baixo, ela havia dito coisas de mentira, e tudo o que eu queria fazer era tornar tudo em uma grande mentira.  Na madrugada, notei que Nicolas fugiu do quarto e correu para o outro lado da rua. Eu o segui, infelizmente ele ainda era meu irmão mais novo.  O vi entrar na casa ao lado da casa dos Altovski e subir até a janela. Corri até lá, aquela casa estava à venda a muito tempo, eu não tinha certeza de que estava vazia, ou se ela era segura.  Assim que ele colocou o pé na janela, achei bom me manifestar.  ⇀Vai com calma Nick. - Falei o assustando.  Ele se desequilibrou e o beiral rompeu. Corri há tempo de segurar seu braço.  ⇀NÃO ME SOLTA. - Ele falou alto e com medo.  ⇀Vou gritar por ajuda. - Falei usando minha força.  ⇀Não, não quero que nossos pais ouçam, só me ajude a subir. - Falou ele corajoso.  ⇀Você é tão i****a, o que estava pensando. - Eu não conseguia puxar.  ⇀Entre você e eu, ela merece alguém de verdade. - Disse ele segurando no beiral.  O olhei nos olhos e juro que eu queria pisar na cara dele e jogar ele naquele momento, mas eu sabia o que nossos pais sentiriam.  Assim que o puxei para cima ele me encarou.  ⇀ Vou dar a pulseira a ela. - Falou sério.  ⇀Faz o que você quiser. - Me virei calmo e caminhei até a porta. ⇀ Só não use essa janela novamente.  ⇀Eu usarei a outra...  Ouvi ele dizer aquela bobagem e assim que me virei, o vi despencar pela janela do lado, que estava ainda pior que a anterior.  ⇀NICOLAS. - Gritei seu nome e corri para ver, já era quase dia quando aconteceu, vi Steve correr até ele e me escondi.  Nicolas era mimado e faria de tudo para me culpar se fosse preciso. Corri até lá em baixo, e vi meu pai me olhar sério do outro lado da rua. Ele correu até Nicolas em desespero e ligou para a ambulância.  Voltei para casa e corri até minha mãe, ela estava na cadeira de rodas e estava sedada, me deitei em seu colo e ela acariciou meus cabelos. Eu senti medo pelo Nicolas, mas senti mais medo por pensar no que nosso pai faria se achasse que eu era o culpado.  Ouvi o barulho da ambulância e fechei meus olhos, esperava que ele ficasse bem.  (...)    Agarrei a mão de minha mãe e senti o medo subir pela minha espinha. Me lembrei do olhar fulminante de meu pai perfurando a minha carne a longa distância. Ele não era um homem agressivo, mas o meu medo não era levar uma surra dele, e sim que ele ficasse decepcionado comigo, o que era muito pior, pelo menos pra mim.  Eu amava meus pais, de uma maneira doentia. Infelizmente minha mãe teve pouco tempo de lucidez para estar comigo, mas me lembro de cada momento com muita afeição. Já meu pai era um homem formidável, me ensinou muito sobre carros e mecânica, eu adorava tudo o que eles adoravam, talvez fosse meu hobbie ser parecido com eles.  (...)  Ouvi a ambulância partir e em poucos minutos ouvi meu pai revirar a casa atrás dos documentos.  Corri até o escritório e peguei os documentos, papai era péssimo em procurar as coisas, aprendi isso com o excesso de vezes que minha mãe reclamou de como ele passava por cima das coisas, mas não às vias.  —Aqui estão pai, os documentos dele. - Os entreguei em suas mãos.  Ele me olhou com lágrimas e o rosto avermelhado, e eu senti que ele queria me xingar.  —Obrigado, por fazer o mínimo. - Foi o que ele me disse antes de sair com seu carro favorito.  Aquilo doeu, mas era algo que eu já esperava, então eu estava preparado, só não achei que pensaria tanto naquilo depois.  Me deitei na sacada e fiquei de olho nas estrelas, também podia ouvir o grande falatório na rua, e o Steve limpando o sangue do seu jardim. Megan andava de um lado para o outro em seu quarto com a bendita pulseira em mãos.  A cena era comovente, tão comovente que me causou uma histeria de risos - isso é errado, rir da situação - meu corpo não reagia como a minha mente, e eu continuei rindo.  Eu ria baixo, mas a histeria de risos veio acompanhada de lágrimas e uma dor que começou de repente e sem explicação, emaranhada no ódio que eu acumulava a alguns dias.  Tapei o rosto e apertei os olhos com as mãos - merda de olhos - vazaram como um copo furado e aquilo me irritava, aquele rosto vermelho, nariz que escorria, dor que ardia, tudo era irritante.  Fui até meu quarto e enchi minha bolsa com minhas roupas e a joguei em cima da cama. Fiquei encarando aquela situação por alguns minutos, aquele não era o melhor momento para fugir - o que meu pai pensaria? - provavelmente acreditaria que eu queria chamar a atenção.  Minha mãe não podia ficar sozinha e meu pai ficaria um bom tempo com Nicolas no hospital, ainda mais porque não sabíamos a real situação em que ele se envolveu.  — Você vai fugir? - A voz de mamãe ecoou triste da porta.  — Não mãe, não posso te deixar. - Falei me sentando na cama e a encarando nos olhos, aqueles lindos olhos.  — Eu sinto muito por ser sua âncora. - Aquelas palavras ecoaram rancorosas.  — Você não é minha âncora, você é a minha vela e o pai é meu vento, vocês me guiam para onde quero ou devo ir. - Novamente a dor ardia.  — E por que quer pular do barco? - Adorava conversar com ela por metáforas.  — Infelizmente ou eu fujo, ou afundo a tripulação comigo, e eu sinceramente preciso experimentar novos mares.  — Uma vez eu fui ver o mar com Josh, era tão lindo... - Ela sorriu.  — É mesmo? E como foi? - Eu sorri ao notar que ela já não estava mais presente na conversa.  — Era lindo, eu levei meu filho John, ele é um bebezinho. - Seus olhos brilhavam.  — E como ele é? - Eu adorava quando ela falava de mim.  — É tão doce. Ele nunca chora, mesmo quando está com fome. Não me causa nenhum problema, e seus olhos são tão claros quanto os meus, eu até me chateio as vezes, como alguém pode ser tão lindo. - Ela corou.  — É mesmo? - Eu ri segurando o choro.  — Você ainda é lindo filho, seus olhos ainda me dão inveja. - Ela me chamou para um abraço apertado e beijou o topo de minha cabeça. Se lembrou que falava comigo, mais uma vez.  — Eu te amo mãe, mais que tudo. - Ela conseguiu me fazer ficar melhor.  — Guarda essa mala, eles precisam de você. Eu também preciso de você, meu amor. - Seu pedido era sincero, e eu geralmente não sabia quanto tempo sua lucidez duravam.  — Vou esperar mais um pouco pra pular do barco. - Dei um riso.  — Que barco? - Ela me olhou confusa.  — Nenhum, mãe. - Lhe dei um beijo.  — É como chamam as garotas agora? Na minha época era violão. - Ela riu.  — Não tem garota, mãe. - Ela era piadista as vezes.  — Então, é garoto? - Ela tapou a boca.  — Sim. - Zoei com ela.  — Meu Deus John, espero que ele seja mais bonito que você. - Eu ri de como ela reagiu.  — Esquece isso, vamos comer um lanche. - Empurrei sua cadeira até o andar de baixo.          Após nosso lanche lhe dei seu medicamento, ela adormeceu tranquilamente em seu quarto, e então a deixei quieta.  Meu pai voltou tarde do hospital.  — Pai?  — Agora não John, seu irmão está com uma enfermeira e ela não pode ficar lá muito tempo, preciso comer, tomar banho e voltar.  — Ele está bem? - Perguntei em tom baixo.  — Se ele estivesse bem estaria em casa. - Ele falou dando uma mordida na pizza que eu havia comprado.  — Eu sinto muito, tentei impedir ele de brincar naquela casa.  — Olha, eu sei que a culpa não foi sua, Nick já me contou o que aconteceu, mas eu estou muito abalado. Amanhã ele terá uma cirurgia e dependendo do que aconteça, ele pode ficar sem andar. - Ele deu um gole voraz no suco e sua expressão era muito triste.  — Isso é horrível, me diga se precisar de algo. - Eu me sentei na escada preocupado.  — Só quero que cuide da sua mãe por enquanto. Não posso deixar Nick sozinho, e você não pode ficar com ele por ser de menor. - Ele parecia mais calmo.  — Tudo bem, eu cuido dela. - Sorri fraco. — Ela está dormindo, vou me deitar com ela, se precisar de algo estarei lá em cima. Me liga assim que Nick fizer a cirurgia. - Me levantei e subi devagar.  — John... - Ele me fez o olhar. — Obrigado filho, eu te amo. - Ele sorriu.  — Eu também te amo, pai. - Voltei ao meu caminho.  Me sentei na poltrona do quarto deles, e estava profundamente aliviado. Dormi relativamente bem aquela noite, sabendo que pelo menos, Nick não havia mentido sobre o que havia acontecido, mas ainda me importava com a sua situação...  (...) 
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR