AQUELE OLHAR

2247 Palavras
Era cedo quando ouvi pedras médias batendo na varanda e algumas no vidro. Eu não havia fechado a cortina antes de me deitar, então Megan me via perfeitamente lá do jardim.  Desci as escadas meio sonolento, ela parecia ansiosa e preocupada. Abri a porta e ela me seguiu em silêncio, fui até meu quarto. Entrei no banheiro e deixei a porta entreaberta para conversar com ela.  —Porque você está aqui? — Perguntei enquanto colocava pasta na escova.  —Queria ver como você estava. — Ela falou meio baixo.  —Sobre o que? — Eu agia como se não soubesse.  — Sobre seu irmão quase morrer. — Ela parecia um tanto impaciente.  — Triste, melancólico, suicida. Coisas que pessoas normais sentem. — Me falei logo depois da ironia.  — Sabe, eu olho aquele piano de calda escondido na sala, todos os dias. E vejo o quão triste e desafinado ele deve estar por nunca ser tocado. — Ela tocou em uma ferida cicatrizada.  O piano é da minha mãe, e eu m*l me lembrava quando foi a última vez em que ela esteve bem para tocar alguma música. De fato, era realmente triste não usar aquele instrumento por que alguém ficou doente. Talvez isso não ajudasse nas recordações boas dela.  Terminei minha higiene matinal e sai do banheiro. Parei na porta e encarei Megan por alguns minutos. Aquela ruivinha tola, adorava ficar espreitando pelas cortinas entreabertas.  — Você quer tocar? — Eu havia pensado em mil e uma coisas para dizer naquele momento, mas tudo o que eu realmente queria, era tocar aquele piano na companhia de alguém.  —Achei que nunca fosse perguntar. — Ela sorriu eufórica.  Descemos até a sala de estar o mais rápido o possível, e eu abri a tampa do teclado de marfim.  —Tão errado e tão tentador. —Ela falou me confundindo.  —Porque é errado? — Eu a encarei.  —Porque é de marfim, sabe? Elefantes, dentes e etecetera. — Ela se calou logo que disse, e começou a ficar vermelha.  — Eu esperava mais de você. — Ri de sua cara tímida.  —Ande logo, m*l posso me conter de ansiedade. — Ela desviava-se do assunto.  — Sente aqui, comigo. — Sorri carinhoso enquanto deslizava meus dedos sobre todas as teclas fazendo aquele som conhecido.  —O som é maravilhoso! — Os olhos dela oscilavam.  — Realmente é bem alto, não me lembrava disso. — Meu coração quase saiu pela boca.  Ambos ficamos parados por alguns minutos, aquele momento foi realmente engraçado. Como se estivéssemos aprontando algo realmente errado.  — Vocês vão tocar ou eu terei que descer? — Pude ouvir a voz de minha mãe ecoar risonha do andar de cima.  — Vamos tocar senhora! — Megan sorriu começando com as notas altas, e então a acompanhei rindo, sinceramente não esperava por algo do tipo, mas meu dia havia começado assim, e eu não tinha do que reclamar.  —Essa é, com certeza a música mais romântica que já ouvi. — Minha mãe descia pelo pequeno elevador do lado da escada e balançava as mãos com o ritmo.  Megan cantarolou com sua voz suave e eu sorria como um bobo olhando para toda aquela situação. Realmente nunca pensei sentir aquela sensação, de estar ao lado das duas pessoas que disputavam espaço no meu coração.  Foi assim nas últimas duas semanas, mas por algum motivo eu sabia que ela me deixaria assim que Nicolas voltasse, então em uma manhã nublada de outono, eu resolvi cortar meus laços com ela.  Era cedo quando ela chegou em minha casa para tocarmos piano juntos, e meu rosto era realmente frio e inexpressivo. Ela me encarou com seu sorriso aconchegante e eu me esquivei de sua ternura, bati a porta em sua cara a fazendo gritar irritada.  —O que você está fazendo? — Seu tom alto denunciava seu espanto.  —Vá embora, não preciso mais de você. — Eu fui grosseiro.  —Como assim "não precisa mais de mim"? — Ela tentava entender algo que também me era um mistério.  —Eu só queria praticar e aprender esse dueto minuciosamente, agora que já o sei de frente para trás, você concluiu seu propósito. —A conversa grosseira acontecia de trás da porta.  —Venha aqui seu i****a, e me encare como o homem que você acha ser. —Ela era desafiadora, muitos daqueles aspectos evidenciavam o motivo de eu gostar tanto dela.  Eu abri a porta mantendo o mesmo olhar rígido, mas ao ver que ela chorava me senti fraco e dolorido.  —Você vai agir dessa forma agora? Como se eu não fosse nada, como se não sentisse nada? — Ela realmente havia assistido tantos dramas.  —O que você acha que estava acontecendo aqui? — Eu ri sarcástico enquanto meu peito queimava.  — Eu acreditei que dessa vez você realmente me deixaria entrar. Que se eu insistisse ou até mesmo te provocasse com Nicolas, você se tocaria que gosta de mim. — Suas lágrimas desciam sem parar, mas seu rosto não tinha expressões.  —Você usou Nicolas para me atingir? —Eu ainda não entendia seus motivos, mas naquele momento eu senti que havia errado.  —Ele concordou em me ajudar. — Então ele havia se aproveitado da situação.  —Eu sabia que você era patética, mas não burra para se deixar acreditar que ele só quisesse te ajudar. Se você achou que isso te ajudaria, saiba que você só piorou as coisas. Eu jamais ficaria com alguém que já pertenceu ao meu irmão caçula. — Vi seu rosto se levantar para me olhar, e senti o tapa ardido de sua mão arquear contra meu rosto, ficando marcado perfeitamente.  — Eu não achei que você era tão ridículo a ponto de acreditar que está se protegendo ao fazer isso comigo. Se você não quer, tudo bem John, eu fiz a minha parte e não me arrependo de querer ficar com você, mas espero que seja feliz seja lá com quem quer que você decida ficar. E não se isole com suas teorias e crises de exclusão. — Ela sorriu totalmente fora de contexto e se retirou de minha porta.  Eu nunca me arrependi de nada até ali, eu jamais imaginária que Nicolas à estivesse enganando enquanto fingia a ajudar e destruir meus sentimentos, ele jogou de acordo com as regras, fez seu blefe e se saiu bem, mas errou quando se feriu nos dando pelo menos a chance de estarmos juntos, mesmo que agora eu tinha acabado com as minhas chances.          ❝ Dias após o ocorrido ❞  Eu estava desolado, é certo que eu havia provocado aquela situação, e exceto a ver de longe durante os intervalos da escola, meus dias não eram tão animadores.  Durante a noite eu havia decidido ir até a sua casa para conversar com ela, mas nada do que eu pensasse em dizer, seria dito. Meu orgulho cravaria uma adaga na minha consciência, e eu não podia fazer coisas que fossem sequer parecidas com se redimir.  Fui até a casa abandonada ao lado, e me sentei no resto de cadeira que ainda havia ali. Tentei observar seu quarto amarelo como de costume, suas luzes estavam acesas, mas ela não estava ali.  Assim que me perguntei onde ela poderia estar, vi seu corpo despencar de cima do telhado da garagem que era um pouco mais baixo, mas não deixava de ser tão perigoso.  Meu coração acelerou como nunca meus olhos choravam por conta própria e tapei um forte grito com as duas mãos. Eu estava realmente abalado.  Me sentei de costas contra a parede no chão, e tentei acalmar minha respiração. Ouvi a ambulância novamente, naquele mesmo lugar, mas agora o sentimento era completamente diferente. Eu realmente estava desesperado.  Após ouvir a sirene partir ao longe, fiquei imóvel naquele mesmo lugar. Triste e assustado pensando que aquilo só poderia ser culpa minha. Eu havia sido muito grosseiro com ela, e tinha zombado de seus sentimentos. Por mais que eu acreditasse que ela foi longe ao ficar com meu irmão, eu não levei em consideração que nós não éramos tão suscetíveis ao mesmo sentimento. De fato, eu era muito neutro e geralmente me abalava pouco, mas ela era completamente diferente, ela era delicada como uma rosa, com certeza estava angustiada, m*l comia na escola, sempre sentava sozinha e ficava parada olhando para o nada. Às vezes eu podia ver ela me procurar pela escola, mas como eu a estava olhando, sempre me escondia ao longe e sempre admirava seu olhar frustrado por não me encontrar. De vez em quando eu até passava perto dela quando as meninas estavam me perseguindo para causar um ciúme que era desnecessário já que eu sabia que seus sentimentos pertenciam somente a mim.  Megan sempre foi linda, ruiva, com sardas e olhos claros. Ela evitava as pessoas e geralmente só andava com Nicolas. Agora que ele não estava lá e eu me fazia de durão, ela se sentia solitária e não criava vínculo com ninguém, e aquilo realmente foi um peso para ela.          • Dias depois •  Hoje era meu aniversário. Meu pai enviou uma mensagem de texto me parabenizando a meia noite, e quando acordei ele me ligou.   Minha mãe se lembrou no meio da tarde após ouvir no rádio a data de hoje e veio feliz até mim, me abraçou e sorriu, me dando conselhos sobre amadurecer e envelhecer. Apesar de ter sido lembrado e de meus pais se alegrarem, ainda havia alguém faltando.  Ela ainda estava internada, estava em um coma induzido até que sua cabeça ficasse melhor. Seu cérebro estava inchado, e era melhor para ela ficasse daquela forma por algum tempo.  Eu não podia ser egoísta, eu sabia que ela não estava bem, mas mesmo assim uma parte de mim sentia uma pequena esperança de que ela fosse me ligar ou bater na minha porta como em muitas das manhãs durante esses últimos dias.  Após me sentar nos degraus da escada e encarar a porta como se fosse fazer um buraco nela com um lazer. Ouvi a campainha tocar e levei um susto. Meu coração palpitou e ficou acelerado. Um sorriso se fez em meu rosto, mas o cerrei rapidamente, eu estava criando falsas esperanças.  Caminhei lentamente até a porta e respirei fundo. A abri lentamente enquanto a imagem de um homem se fez presente.  —John? — Ele se referiu a mim.  —Pois não? —Ele parecia familiar.  —Serviço de entrega. Pode assinar aqui? —Ele estendeu uma prancheta com meu nome e um "x" marcado no local de assinar.  —Prontinho. —Falei ao terminar.  —Aqui está seu pacote. —Ele estendeu uma pequena caixa que mais parecia um tênis, e não pesava tanto.  —Obrigado! —Agradeci enquanto ele partia e eu me voltava eufórico para dentro fechando a porta rapidamente e correndo até o andar de cima.  Entrei em meu quarto correndo e fechei a porta me jogando em cima da cama e com grandes expectativas. Rasguei o papel que embrulhava a caixa e notei que era uma caixa de sapato feminino. A princípio aquilo foi estranho, até abrir e descobrir que a caixa continha outros objetos e não um sapato, o que era engraçado pois foi usada como um transporte seguro por alguém que aparentemente era muito desleixada.  Na caixa haviam coisas como flores amassadas, alguns poemas, uma câmera polaroid e várias fotos minhas tiradas enquanto eu não estava olhando. Ela era uma stalker, eu sabia disso, mas tirar fotos minhas enquanto eu não estava olhando e depois me enviar todas elas, era realmente inesperado.          " John, sei o quanto você se esconde e é por isso que desde que te conheço você tem se tornado meu passatempo favorito. Registrar sua beleza e suas expressões enquanto você não está olhando, me faz realmente feliz. Essas são algumas das minhas favoritas, mas no meu quarto tenho guardadas as fotos que mais me impressionaram (não meu talento fotográfico) mas sim a sua beleza pura. John, selecionei o dia de hoje para lhe entregar essas coisas pois é o seu aniversário. Sei que deve estar pensando que nessa caixa só há coisas sobre você, mas na verdade, nessa caixa tem tudo o que eu mais amo, e sim, consequentemente você não poderia deixar de estar aqui".  [...]  Megan era louca, eu m*l podia dizer o que aquilo havia me provocado naquele momento.   O medo de perder ela era maior, e o desejo de ter ela por perto era incontrolável. Ela não havia se esquecido, e apesar de não estar bem agora, ela havia feito meu dia ser o mais feliz de todos, claramente até que ela possa voltar.  Fechei a caixa após analisar a quão boa ela poderia ser, e guardei na prateleira de cima no guarda-roupas que era embutido na parede.  Me sentei na cama e balancei os pés olhando pro chão. Ouvi um barulho de carro na frente da casa de Megan, e então corri até a janela rapidamente.  Vi seus pais a carregarem para dentro em uma cadeira de rodas, o que me deixou preocupado. Desci as escadas correndo e fui até o outro lado da rua. Decidi que como amigo dela, talvez poderia ficar perto dela por pelo menos um momento.  —John? —A voz da Senhora Altovski ecoou em minha direção. Naquele momento eu não tinha outra escolha, precisava ver Megan. Bem ou m*l, eu só queria ouvir ela respirar, essa era minha grande chance. 
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