Onde eu estava com a cabeça, para roubar o chapéu de um cavalheiro e fugir?
Pensava Lunna, enquanto escondia os últimos fios de cabelo e corria de volta para cabine. Ela Já tinha vivido experiências o suficiente para saber o que um nobre seria capaz de fazer com alguém como ela, e por bem menos que um chapéu. Não sabia, de fato, quem era aquele homem misterioso, mas, tinha toda certeza de que ele era uma pessoa importante.
Ao entrar na cabine se deparou com uma Ivy bem diferente daquela que conhecia, e ela estava assim desde que saíram da Itália deixando Andrew para trás. Mas, como ela poderia ter agido diferente, se ela era a filha de um conde e ele apenas um apostador?
Existiam diferenças que nem mesmo a paixão poderia superar e Lunna sabia disso muito bem. Já virá a ruína acontecer na vida de algumas primas que ousaram acreditar no amor entre a criada e o patrão.
Lunna despejou sobre Ivy toda a sua aflição por tudo o que tinha acabado de acontecer, e se por um lado estava realmente preocupada com o que se passou, por outro gostou de ver a amiga mudar um pouco o foco e parar de apenas chorar.
Mesmo depois de ser tranquilizada sobre o ocorrido, a cabeça de Lunna não conseguia deixar a proa do navio, lembranças dela quase caindo e daquela mão firme a amparando e tocando sua cintura, e daquele olhar n***o profundo e confuso ao descobrir que ela era uma mulher, vinham sem controle e quase a impediam de dormir, mas, sem dúvidas, nada era mais perturbador do que aquele olhar de acusação, de quando ela roubou o seu chapéu e correu. Ivy tinha razão, no dia seguinte atracariam e seriam as primeiras a deixar aquele navio, ele jamais as descobriria e estragaria a farsa da sua lady.
Se alguém da alta sociedade, desconfiasse do fato da senhorita Sackville, a filha do conde, estar desacompanhada da família, em um navio, voltando da Itália, enquanto deveria estar em um internato se preparando para o casamento, sua reputação estaria arruinada para sempre, não só a dela, mas de toda sua família, e quando o conde de Dorset descobrisse a sua participação, provavelmente todos os seus parentes, que prestavam serviços a anos no condado, seriam demitidos sem recomendações, ela nunca mais voltaria a ver a única amiga que tinha. Por este motivo era imprescindível que permanecesse longe daquele homem.
Quando finalmente foi vencida pelo sono, este pareceu durar apenas um piscar de olhos. Já era dia, e deveriam partir por terra firme.
Ao sair do navio, ainda vestidas como dois cavalheiros, as duas caminharam em direção as várias carruagens de aluguel que esperavam por um passageiro, o lugar estava muito tumultuado, repleto de pessoas apressadas, com o mesmo objetivo em comum: sair dali o mais rápido possível. Pedintes, vendedores que gritavam as suas mercadorias, carregadores de bagagens oferecendo os seus serviços, tripulantes que corriam atrasados para alguma embarcação que logo partiria, enfim, assim era o porto no auge do seu movimento.
Quando estavam prestes a subir em uma das carruagens, Lunna sentiu um toque firme em seu ombro e o seu corpo tremeu, sabendo exatamente quem era, antes mesmo de se virar para olhar.
- então eu consegui pegar você, sua ladrinha!
Sob a luz do dia ele era ainda mais bonito, e por um minuto ela perdeu o fôlego. Como poderia estar pensando nisso quando estava prestes a ser pega? Voltando a si, Lunna forçou a sua voz mais masculina e tentou desposta-lo, talvez ele não a tivesse observado bem com a luz escassa da noite anterior.
- olha, deve estar tendo um engano aqui.- apesar do seu esforço, ela apenas conseguiu uma gargalhada debochada de volta, obviamente ele sabia muito bem quem ela era.
- tem certeza? E se eu arrancar esse novo chapéu da sua cabeça?- Lunna estava enloquecendo! aquela proximidade, e aquela voz grave falando em lhe arrancar o chapéu, ao invés de simplesmente assusta-la, lhe causou uma espécie de espectativa muito diferente, que nunca antes tinha experimentado.- este também pertence a alguém a quem a senhorita roubou?
- tudo bem milorde, eu posso explicar, com certeza não é o que o senhor está pensando.- disse enquanto tentava colocar a cabeça no lugar e ganhar algum tempo para fugir daquele lugar e principalmente daquela presença que a desestabilizava.
- ah, vai explicar sim, mas para guarda local. Uma dama com esses trages, e que ainda por cima roubou o meu chapéu, com toda certeza não estava fazendo coisas boas em um navio como esse.
As palavras sumiram da mente de Lunna, por sua culpa os planos da senhorita Sackville seriam arruinados, quando já estavam tão próximas do final.
- senhor, eu imploro que não faça isso.- disse Ivy, entrando na conversa, entendendo exatamente o que estava acontecendo alí. - pelo menos não antes de ouvir a nossa explicação.
- suponho que esse seu chapéu também esconde muita coisa, ou estou enganado? - perguntou desviando os olhos, que Lunna notou não serem completamente negros, mas com tons castanhos que o tornavam ainda mais belo, do seu rosto pela primeira vez e focando em Ivy, que também tentava manter a voz masculina.
- é verdade. Mas, não fizemos isso para roubar ninguém ou cometer qualquer crime.- continuou Ivy, e Lunna apenas agradeceu mentalmente, pois, sua própria cabeça não podia formular nenhuma desculpa no momento.- temos uma boa causa.
- que seria...
Lunna sentiu uma imensa vontade de gargalhar ao ouvir a desculpa ridícula que Ivy acabara de inventar sobre estarem fugindo disfarçadas, de um perigoso e mafioso italiano. se a situação não fosse tão séria, realmente o teria feito. E quando por fim, a amiga apontou para algo que fez o homem autoritário na sua frente olhar para trás por alguns segundos, Lunna se viu sendo violentamente puxada por Ivy, para o caminho estreito formado entre as diversas carruagens paradas.
Naquele mesmo momento, a terceira classe do navio também desembarcava, tornando o porto ainda mais cheio, entre a multidão Ivy notou dois rapazes, que caminhavam próximos as carruagens, os chamou no pequeno corredor onde estavam e ofereceu seus ternos caros em troca dos casacos velhos que usavam. E pagou para que caminhassem rapidamente junto com a multidão.
De onde estavam, ainda podiam ver, quando o cavalheiro autoritário seguiu os rapazes, ao se dar conta de que havia sido enganado de uma forma tão tola. As duas se aproveitaram desse momento e entraram na primeira carruagem livre que encontraram.