Estela ainda estava com a cabeça ia responder quando um grito rasgou o ar da festa.
O som parou a música, calou as conversas por um segundo. Na hora, pensaram que era alguma briga comum — confusão entre os convidados de fora, ou mulheres brigando por motoqueiros, não incomum , muito pelo contrário..
— Alguém ajuda! — veio outro grito, mais agudo, mais urgente., Foram para o salão..
Uma mulher, encostada no balcão, segurava a barriga com as duas mãos. As pernas trêmulas, a respiração curta, os olhos arregalados. Parecia em trabalho de parto.
— Tragam ela pra área da piscina! — pediu Estela, já se erguendo num salto.
Albucacys se levantou no mesmo segundo, puxando Estela com ele. Salomão se virou de onde estava e, embora não gostasse de estranhos circulando na área reservada, não teve escolha. Apenas observou, com os braços cruzados, o caos tomar forma.
A mulher foi amparada por dois homens. Estava pálida, encharcada de suor, e gemia de dor. Suas mãos agarravam o ventre como se tentassem impedir o inevitável.
— Chama uma ambulância! — gritou Albucacys para um dos prospectors. Aquilo não era lugar pra criança nascer. Não no meio de uma festa, entre motos, cerveja e cheiro de cigarro.
— Quem tá com você? — perguntou Estela, já ajoelhada ao lado da mulher.
A resposta veio entre lágrimas:
— Tô sozinha... vim me divertir... porque o bebê tava pra nascer... e a bolsa estourou... — a mulher gemeu. — Tá vindo... muito rápido... eu não consegui sair...daqui e ir para o carro, é uma produção independente..
O salão tinha se silenciado só por um instante. Depois, , a música voltou — podiam escutar da area da piscina. A diversão recomeçou para muitos. Mas ali, naquele canto, havia uma urgência maior que diversão.
Albucacys a ajudou a se deitar com cuidado em um colchonete improvisado. Estela segurava sua mão. Estava calma, olhou o relógio. O objetivo era esperar a ambulância..
— Respira comigo, tá? Olha pra mim. Inspira... isso. Solta devagar... boa, isso... — dizia, com voz firme.
Albucacys lançou um olhar para Salomão e Callebe, os únicos ali que deviam estar cuidando da mulher. Sabia que Gino entendia também,como se fosse um médico, mas não estava presente. A doutora Ophelia, a senhora de Ramiro estava de plantão naquele fim de semana, longe demais pra chegar a tempo.
Mas nem Salomão nem Callebe se moveram. Ficaram parados, assistindo..
__ Deviam ir ajudar..
__ A mulher está bem, crianças nascem todo dia, o mundo moderno que transformou o parto em um espetáculo, quanto mais gente em cima pior....
Estela sabia o que fazia. Sabia mesmo.
Era Salomão quem tinha insistido para que ela fizesse um curso de doula e de parteira, ainda adolescente. Queria que ela perdesse o medo do próprio corpo. Do que era natural, do toque, da intim.idade, do que representava ser mulher — mesmo sendo um pai ciumento, a incentivou a ter conhecimento. Ele queria que a filha não fugisse da própria essência.
E ela aprendeu. Aprendeu sobre dilatação, contrações, pausas, técnicas de respiração. Aprendeu com o curso, com Gino, com as médicas do hospital, com o pai e com o tio.. E agora, estava ali, usando tudo.
— Ela tá em transição __ disse Estela, abaixando o olhar para o ventre da mulher. — As contrações estão muito próximas. O bebê vai nascer aqui. Agora.
Os homens permaneceram do lado oposto, para que a mulher tivesse alguma privacidade, ao menos estava de vestido e Estela só tinha precisado tirar a peça intima dela.
A mulher respirava fundo de dor. Estava no limite, mas a paciência e a calma de Estela a deixaram calma também.
— Está coroando — avisou Estela. — E você indo muito bem. Vamos lá, só mais uma...
O choro veio. Primeiro o da mulher, depois o da criança.
Estela pegou o bebê com as mãos, era uma menina. Chorava forte agora, se debatendo, rosada, a colocou no colo da mãe.
— É uma menina... linda... perfeita.
A mãe chorava de alívio, os olhos fechados, o rosto virado para o céu..
A ambulância chegou dez minutos depois.
Os paramédicos correram, assumiram o caso.
Antes de subir na ambulância, a mulher segurou a mão dela.
— Eu devia dar o seu nome para ela, assim vai ser uma moça bonita e ter sorte.
__ Não, não, hoje, eu tenho muita sorte, mas já tive azar, dê um nome bonito, ou melhor, invente um nome, assim, ela vai ter somente a sorte dela..
Quando a ambulância partiu, Estela olhou para o pai, que abraçaca Corine, mas ele puxou as duas filhas para os braços dele.
__ Hora de entrarem, e de Guido ir para casa dele..
__ Guido nos convidou pra ir na casa dele, amanhã, almoçar..
Salomão xingou mentalmente, mas respondeu:
__ Albucacys vai, leva você e EStela.
__ Eu, Presley?
__ Você, é uma ordem de presidente vai discutir?
__ Não, não..
Guido partiu com César.. Tinha que se admitir que Guido Cavallari tinha coragem, Albucacys também, assim Salomão teria como genro dois homens corajosos.