A estrada à noite era só o barulho das motos e o vento cortando o peito.Salomão ia na frente. Albucacys logo atrás. Nenhum dos dois falou nada até pararem em um bar.
Desceram calados. Pegaram um taco de sinuca. Jogar era uma forma de amenizar a raiva. Ventava forte, e Salomão agradeceu o vento. Porque, se não ventasse… para conseguir respirar adequadamente, iria briga com alguém.
— Fagner, onde ele está, pres?
— Suspenso. Doroteia me pediu pra não ma.tar ele.
— Mas ao menos uma surra nele eu vou dar.
Salomão fez um gesto com a cabeça, como quem diz que entendeu, mas não incentivou.
— Eu não vou machucar sua filha. Não vou e voui ter uma conversa com Guido.
— Ele não vai correr. Ameacei o moleque desde que ele era só um menino. Nunca ficou com medo.Merd.a… se você e Guido fossem dois covardes, seria tudo mais fácil. Tudo, eu não me preparei para ser pai, e a vida me obrigou a ser e não me preparei para ver minhas filhas se tornarem mulheres..
Esse final Salomão falou para ele mesmo, não para o seu futuro genro.
Terminaram a partida. Não falaram mais.
Duas mulheres se aproximaram, queriam companhia para a noite.. mas Salomão encarou uma delas.. Ela perdeu o sorriso. A cicatriz no rosto dele era de calar qualquer gracinha.
Albucacys abaixou a cabeça.
— Não tô afim. Tenho mulher.
As suas mulheres se afastaram sem dizer mais nada..
— A minha filha não é sua mulher, Albucacys.
— Ainda não, pres. Mas vou me casar com ela.
Salomão se virou, bateu com o taco no ombro de Albucacys com força. O taco quebrou, Albucacys nem vacilou..
— Eu queria poder mat.ar você. Mas a minha filha o ama. E eu gosto de você. Só não faça minha menina sofrer e não a traía...
— Não vou, pres. Tem a minha palavra..
Trocaram um aperto de mão firme, Albucacys não se importou com o taco quebrado, sabia que seu presidente sofria, sabia bem , porque o conhecia.. mas respeitava Salomão como presidente e como pai de sua futura senhora.
Voltaram pras motos. Não precisava dizer mais nada. A lealdade já tinha sido jurada com o quebra do taco naquela noite e o não revidar de Albucacys.
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Quando chegaram ao clube, Salomão foi primeiro ao quarto de Corine. Queria dar boa-noite para as filha . Ela dormia com o irmão mais novo — o filho caçula dele com Doroteia. O menino tinha fugido pro quarto da irmã.
Salomão entrou em silêncio, encostou na beira da cama e beijou os dois. Primeiro o menino, depois Corine.
Ela acordou com o beijo.
— Está de m.au humor, papai..
— Estou, minha filha. Mas vai passar. Só estou tentando entender que vocês estão crescendo. Só isso. Eu não me preparei.
— Amo o senhor, sabe?
— Sei. E eu também te amo. Duas vezes. Você, sua mãe, e seu irmao e sua irmã me ensinaram a amar. Os meninos do Calebe também. Vai acabar tudo bem.
— Já passou em Estela?
— Ainda não. Vou agora.
— Acho que ela se assustou...
— Eu sei, meu amor. Eu sei.
Salomão passou a mão nos cabelos dela, ajeitou o cobertor sobre os dois , foi para o quarto de Estela.. A outra filha estava acordada. Deitada, com Doroteia ao lado, que alisava o cabelo da filha em silêncio.Quando escutou a porta se abrir, Doroteia se levantou.
Saiu devagar, sem dizer mais nada.
Salomão se aproximou. Parou na beira da cama.
— Vem cá. Ainda cabe no meu colo.
Estela se jogou nos braços dele. Foi acolhida com carinho. A cabeça no ombro largo, se sentiu criança de novo.
— Você está segura, minha filha. Sabe que nunca mais vou deixar acontecer nada com você, não é? Nunca mais. Nem com você, nem com Corine. Está protegida.
— Eu sei... eu sei que Fagner no fundo, não me machucaria .Mas eu me assustei. E lembrei do passado, papai, eu..
Salomão a apertou mais um pouco.
— Pode, pode..
Ela nem precisou completar, ele entendeu que ela queria dormir com Albucacys. Não por desejo. Queria o abrigo dos braços do homem que amava. Queria o mesmo que sempre teve do pai: proteç.ão, e Salomão entendeu, doeu. Mas entendeu.
Beijou o rosto dela.
— Vai.
Quando ela saiu, ele ficou um tempo ali. Pegou o ursinho que estava no canto da cama. Abraçou.
Foi até o quarto dele e de Doroteia.
Ela estava deitada e o viu entrar com lágrimas nos olhos.
Salomão se deitou ao lado dela.
— Acho que não conheço um pai melhor que você ..
— Eu só tento ser um bom pai..Eu não sabia que ia sentir isso. Que seria tão dolorido e, ao mesmo tempo, bonito… vê-las crescendo, Dorothy, não sabia, estou pagando todos os meus pecados...
🎶🎶🎶🎶
Quando Estela entrou no quarto, Albucacys estava nu, . Ao ouvir a porta, se virou de costas.Pegou uma bermuda e vestiu. Sabia que ela já estava assustada o suficiente. Não ajudaria, ele nu, não mesmo.
— Me deixa dormir com você.
— Estelinha...
— Meu pai deixou. Ele sabe.
Albucacys tirou as peças de roupas da cama e se deitou com ela, puxando devagar, com calma. Colocou o corpo dela sobre o peito dele, como um abrigo.
— Tá assustada?
— Um pouco.
— Eu vou dar uma surr@ em Fagner..
— Por isso ia sair?
— Isso..
__ Não, não bigue com uma irmão de patch.. Ele foi um idiot@, mas são as lembranças do passado que me atormentam.
Ele fechou os olhos. A mão parou de acariciar as costas dela. O silêncio ficou mais pesado.
— Era tão pequena, devia ter esquecido tudo..
— Mas eu lembro de tudo, do toque., da dor.. Lembro de quando meu pai descobriu. Lembro de quando ele me levou para morar com ele. E me lembro do cheiro do homem m@u, o cheiro..
Ela respirava com dificuldade. Estava tremendo.
Ela chamava o homem que machucou de homem m@u, porque foi assim que aprendeu quando criança.. e ficou, e felizmente ela sabia que o homem m@u tinha sido morto e picado pelo pai.
__ Está segura, pode dormir, eu seguro você.. e seu pai está bem ali,não mora mais com a sua mãe, passou..
Ele colocou o nariz no peito dele, todo o cheiro do passado sumiu, foi assim que pegou no sono....