EP 3

1422 Palavras
Clara Menezes O apartamento não está perfeito, nem perto disso, mas ao menos agora eu consigo respirar aqui dentro. De verdade, até o ar muda agora. Fica mais leve e mais tolerável e me sinto mais como uma pessoa normal. Depois de horas mexendo em cada canto, recolhendo roupas jogadas, empilhando papéis que estavam por toda a parte e passando um pano rápido nos móveis, sinto como se tivesse tirado um peso de cima de mim. O brilho que eu gostaria que houvesse ainda não existe, não há aquele cheiro de casa recém-limpa que sempre admirei quando eu fazia aquela faxina pesada, mas já não há tanta bagunça, tanta sujeira acumulada. O ambiente está mais apresentável e mais cheiroso. Me apoio na porta do quarto e suspiro devagar. Mateo continua dormindo, tranquilo no berço improvisado que eu fiz em cima da minha cama. O peitö dele sobe e desce devagarzinho, e eu sinto uma onda de alívio. Ontem à noite ele demorou demais para dormir, chorou tanto que meu coração parecia ser feito de vidro rachado. Agora, vê-lo assim, sereno, me dá forças para continuar. Puxo a cortina só um pouco e noto a luz do dia começando a invadir o horizonte. O céu ainda tem tons de cinza e azul, mas já posso sentir o amanhecer se aproximando. É como se o mundo lá fora me lembrasse de que preciso seguir, de que não posso parar. Daqui a pouco, a cidade começa na sua loucura do dia: sons, buzinas, pessoas para todos os lados e mais. Já decorei isso. Corro para o banheiro. Ligo o chuveiro e deixo a água fria escorrer pela pele. Estremeço, mas aguento. Preciso acordar. Preciso sentir que ainda tenho algum controle sobre o que acontece comigo. Lavo os cabelos rápido, esfrego o rosto até sentir a pele formigar. Depois, escovo os dentes, passo a toalha correndo e visto uma calça jeans qualquer, mas escolho uma blusa um pouco mais bonitinha. As minhas pernas estão cheias de pelos e preciso me depilar. Mas falta tempo! Será que ainda tenho uma aparelho de barbear? Não sei mais. Enfim, eu visto uma blusa azul clara, com um detalhe rendado na manga. Não é nada demais, mas me dá uma sensação de que ainda sou eu, e não apenas a sombra cansada que o espelho insiste em mostrar. Mas, não tenho maquiagem aqui. Acabou! Na verdade, eu encontro ainda um pouco de corretivo e da pra disfarçar as olheiras. Isso tudo é porque, antes de começar a trabalhar, sempre corre o risco do meu chefe querer uma videochamada. E quando ocorre, ele gosta de aparência. Ele observa tudo! Ele não gosta de desleixo, nada fora do padrão e é exigente demais. Na cozinha, eu improviso um café simples e como um pedaço de pão amanhecido. Não é o melhor café da manhã, mas pelo menos é alguma coisa. De verdade, eu não gosto de reclamar. Me faz mäl. Estou pronta para ligar o computador e começar a trabalhar antes que o Mateo acorde, quando escuto batidas suaves na porta. Franzo o cenho. Quem viria tão cedo? Vou até a porta e abro devagar. Do outro lado está Serena, minha vizinha do apartamento ao lado. Os cabelos castanhos estão presos num coque apressado, e ela segura uma sacolinha de papel e um copo de café ainda soltando fumaça. — Bom dia, Clara! — Ela sorri, aquele sorriso que parece aquecer o ambiente inteiro. — Trouxe uns docinhos e um café fresquinho pra você. Espero que goste! Meus olhos marejam antes que eu possa impedir. Seguro a sacola com as duas mãos e respiro fundo. Que cheirinho bom! — Serena… você não precisava. — Eu quis passar aqui para ver como você está. — Ela inclina a cabeça, estudando o meu rosto. — Precisa de alguma coisa? Está tudo bem? Me fala... Dou um meio sorriso cansado. — Consegui dar uma organizada por cima no apartamento… Mateo está dormindo, finalmente, mas eu estou exausta. Essa noite ele chorou muito, demorou tanto pra dormir que achei que nunca fosse fechar os olhos. Ela solta um suspiro e me olha com ternura. — Dá pra ver que você está abatida, Clara. Senta, come um pouquinho. Você precisa descansar também. — Não tem muito o que fazer... — Respondo, mexendo nos cabelos ainda úmidos. — Eu tenho que dar conta dele, do trabalho, da casa… não posso simplesmente deitar e dormir quando quero. Serena balança a cabeça. — Eu entendo, mas você não precisa carregar tudo sozinha. Se quiser, posso começar a trazer café todas as manhãs, com uns docinhos. E se precisar de qualquer coisa, é só chamar. Nada de vergonha, entendeu? Vergonha não alimenta ninguém, não troca fralda e não ajuda a acalmar bebê chorando. — Isso parece bem uma certa bronca. Eu aceno. — Eu tive sempre a ajuda do meu marido e fiquei louca. Não sei como consegue ainda, mas me fala quando precisar de algo. Uma risada escapa dos meus lábios, pequena, mas verdadeira. — Você já me ajudou tanto, Serena. Não sabe o quanto sou grata. — Eu realmente devo muito a ela. Ela dá de ombros. — Fiz o que tinha que fazer. E faria de novo, sem pensar duas vezes. Então pare com essa timidez toda... eu estou sempre aqui! Os meus olhos se enchem novamente. Engulo o nó na garganta e a abraço rápido, antes que ela se vá. Ela é uma boa pessoa. Me deu tantos contatos, me disse onde eu podia conseguir certas coisas e sempre esteve aqui perto. Ela é incrível! Uma mulher maravilhosa. Assim que fecho a porta, escuto o chorinho vindo do quarto. Não é forte ainda, mas o suficiente para me fazer correr até lá. Nisso, eu deixo o café e os docinhos no canto e vou atrás de um bebê lindo que já acordou. Sinceramente, achei que dessa vez ele iria dormir mais. Mas me enganei! — Ah, meu amor… — Sussurro, pegando Mateo no colo. — Já está acordado? Já? É mesmo? Ele resmunga, se mexendo todo na cama e olha ao redor e, eu sinto o coração se aquecer. — Você é o bebê mais lindo do mundo, sabia? — Beijo a bochechinha dele, que está quente e macia. — Mas por que esse chorinho, hein? Deveria dormir... foi tão pouco. Caminho de um lado para o outro, tentando acalmá-lo, até perceber o motivo: a fralda está pesada e cheirando m*l. Rio baixinho. — Então era isso! Ah! Seu safadinho... eu vou resolver isso agorinha mesmo! Levo-o até o banheiro e começo a tarefa. Ele se mexe, resmunga, mas logo que termino de dar banho rápido nele e deixá-lo cheirosinho, todo limpinho, Mateo dá um sorrisinho banguela que quase me faz chorar. Esse sorriso é lindo demais e sempre me derreto por ele. Ele é lindo demais. Fofo demais. Perfeito demais. — Agora, sim, meu príncipe! — Digo, beijando seus pezinhos gorduchos. — Está pronto para conquistar o mundo. Coloco uma roupinha confortável nele e o embalo nos braços. Ele encosta a cabecinha no meu ombro e suspira, e eu sinto como se todo o cansaço do mundo pudesse se dissolver nesse instante. Caminho até a janela e deixo que o vento da manhã entre no apartamento. A brisa toca os nossos rostos, e Mateo dá um gritinho baixinho, animado com a sensação. Eu rio junto com ele. — Você gosta desse ventinho, não é? — Falo baixinho. — Logo, logo vai estar falando. Mamãe, papai… ou será titia? Estou ansiosa pra ouvir sua voz. Como eu vou te ensinar isso, em? Eu não sei! O que eu ensino nisso? Ele me olha com aqueles olhos enormes e escuros, como se entendesse cada palavra. Meu coração se aperta e se expande ao mesmo tempo. Amo esse bebê com todas as minhas forças. Amo de um jeito que dói, mesmo quando estou exausta, mesmo quando sinto que não vou dar conta. Beijo sua testa várias vezes e fecho os olhos, respirando fundo. — Eu te amo tanto, Mateo. Você não faz ideia... eu só... queria que as coisas fossem mais fáceis, sabe... — Confesso. — E queria que a Lila estivesse aqui. Ela ia te amar tanto… e me daria umas respostas. Eu suspiro fundo! Ficamos assim por alguns minutos, apenas eu, ele e o amanhecer que invade o nosso pequeno mundo. E apesar do peso nos meus ombros, da exaustão nos meus ossos e da incerteza do futuro, sei que preciso continuar. Por ele. Sempre por ele.
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