Data:
6 DE NOVEMBRO DE 2038
Horário:
02:15
- Ah, mas que sono...
Jade se pronunciou em meio a todo aquele silêncio, se mantendo ocupada com os giros suaves que dava em sua cadeira. Estava literalmente jogada no assento, suas pernas e braços abertos, as olheiras escuras muito bem presentes em sua pele, mostrando todas as noites que ficou acordada até tarde.
Nessas situações nunca conseguia disfarçar suas emoções, sendo muito transparente com absolutamente tudo. Um defeito para muitos.
- Se quiser eu assumo daqui, querida.
Michael Smith, um dos detetives que também trabalhava no Departamento de Polícia de Detroit. Tinha um temperamento e atitudes que não agradava todos, na verdade a minoria.
Ao ouvir as palavras dele, a jovem Collins tombou sua cabeça para o lado, o encarando com uma expressão de total desânimo e desaprovação. Ela realmente não disfarçava nem um pouco o que sentia, principalmente em relação ao ser que estava bem ao seu lado.
- Não confio em você.
Foi a única coisa que ela respondeu, voltando a olhar para frente, onde era possível ver a outra sala através da parede de vidro. Era usada para as interrogações e ficava visível apenas para as autoridades, que monitoravam tudo da sala em que estavam naquele momento.
Conseguiam ver uma das policiais que entrou no local com o android, deixando-o algemado na única mesa presente antes de se retirar.
- Tudo certo - a loira disse ao adentrar a sala de monitoramento - Podem ficar à vontade.
- Posso comandar? - Indagou o Smith, que estava visivelmente tentando chamar a atenção de Jade.
- Eu que comando - Adam fez questão de responder em bom e alto som, se retirando da sala sem dar qualquer oportunidade para o mais novo retrucar.
- Por favor, Mikey. Todos nós estamos cansados, então vê se não complica as coisas - pela primeira vez a policial estava chamando a atenção do rapaz com calma, afinal também estava exausta e não queria ter ainda mais dores de cabeça - Pode ligar o áudio, Will.
- Já estão sendo ligados, Kammilly - o policial por sua vez respondeu, terminando de verificar os equipamentos através dos controles de comando a sua frente.
Aqueles minutos que se passavam pareciam terem se transformado em horas. Todos estavam prestando total atenção em nada além das mesmas perguntas que eram repetidas pelo Tenente. Não havia resposta alguma por parte do android.
- Que se f**a! Eu desisto!
E aquela foi a última pronúncia do grisalho antes de sair da sala com raiva, retornando ao monitoramento.
- Não vamos conseguir tirar nada daquela máquina - se sentou na cadeira, cruzando os braços enquanto um suspiro pesado deixava suas narinas. Parecia até mesmo uma criança emburrada, o que arrancou um sorrisinho da jovem de fios escuros, a única que percebeu aquilo.
- Podemos pegar pesado com ele? - Indagou Mikey - Afinal não é humano.
- Androids não sentem dor, isso somente o danificaria - Ryan explicou - Eles também se autodestroem em situações estressantes.
- Tá bom, espertalhão - ele revirou os olhos - O que fazemos então?
- Posso tentar interrogá-lo - sugeriu o android, que sem ao menos ter a intenção fez o Smith gargalhar.
- Eu vou tomar um café - Jade foi rápida em se levantar - Me chamem quando terminarem aí - não queria de modo algum ficar ouvindo as discussões infantis do seu colega de trabalho. Sabia muito bem que ele iria continuar falando coisas idiotas e estúpidas.
- Ei, leva o seu cachorrinho com você - ordenou Adam.
A Collins então parou na frente da porta aberta e se virou, seu olhar confuso indo de Michael para Ryan e voltando, fazendo os dois policiais segurarem suas risadas ao máximo. Mesmo em uma situação importante e séria como aquela era impossível não rir da sinceridade dela.
- O humano - disse o mais velho, fazendo com que ela revirasse os olhos e se retirasse, sendo acompanhada pelo moreno.
- Então você é minha dona, é? - O rapaz indagou, acelerando um pouco o passo para acompanhá-la.
- Infelizmente - suspirou - Se você largasse do meu pé tudo seria mais fácil.
- Isso não vai acontecer, ainda mais agora que você vai ser minha dupla.
- Para de se iludir - pediu se aproximando da máquina de café na copa, colocando uma cápsula extra forte para ser preparada.
- O Android vai tomar o seu lugar e você não vai poder resolver casos de homicídio sozinha.
- Pelo jeito a chegada do Ryan te deixou contente de alguma forma - pegou sua xícara de café, assoprando um pouco antes de virar de uma só vez. Sentia sua garganta se esquentar com a bebida quente.
- Tsc, Ryan - resmungou em resposta - Você trata aquela máquina como se fosse humana - antes que pudesse continuar suas reclamações ouviram um tiro, fazendo com que ambos corressem de volta para a sala do interrogatório.
- Já está tudo bem, ninguém vai tentar te machucar - Ryan tentava acalmar o android, que aparentemente havia quase levado um tiro de Will - Deixe ele te seguir até a cela e não te causará mais problemas.
- Certo... - o policial respondeu relutante, fazendo exatamente o que havia sido dito pelo android com a ajuda de Kammilly.
- Mas que p***a aconteceu aqui? - Jade perguntou preocupada.
- O Will foi tentar levar a máquina à força - explicou Blake com a mão na testa - Esse seu cachorrinho número dois conseguiu arrancar as palavras da boca daquela coisa, amanhã você vê o vídeo ou sei lá. Eu vou embora.
- O Ryan te leva - respondeu a mais nova.
- O quê?! Não fode!
- Ryan, leva o Tenente para casa - pediu a jovem, ignorando os surtos de seu superior ranzinza - E relaxa, ele só late e não morde.
- Vamos, Tenente Blake. Minhas instruções são para acompanhá-lo.
- Tira suas mãos de mim! - O grisalho puxou seus braços para longe do android, caminhando na direção da saída enquanto era seguido.
- E você? Quer companhia? - Perguntou Mikey - Temos muito o que conversar.
- Aquele assunto já foi encerrado a muito tempo - ela respirou fundo - Olha, eu tô me esforçando pra ser legal com você, então me deixa em paz antes que eu te dê um tiro.
- E você ainda chama isso de ser legal?
- Mas é claro, estou poupando você de um sofrimento maior.
E com aquelas palavras Jade se apressou em sair daquele lugar. Não se preocupou em chamar algum transporte, apenas caminhava em meio a chuva de volta para seu apartamento.
Parou de andar de repente e olhou para o lado, observando seu reflexo na vitrine de uma loja qualquer. Seus fios desgrenhados e encharcados assim como suas roupas, as gotas que caíam do céu incessantemente escorrendo por seu rosto e se misturando com as lágrimas. Os olhos claros cansados e vermelhos, cansados de tudo, de absolutamente tudo.