3 - Lugar novo

938 Palavras
Ailyn A viagem dura horas. Lá fora, o céu escurece, e o trajeto se torna cada vez mais acidentado. Sinto a mudança sutil de altitude quando um arrepio sobe pela minha espinha. Meus dentes batem involuntariamente. Adormeço e desperto a todo momento, meu corpo buscando descanso após toda a adrenalina. O tempo se embaralha na minha mente enquanto o caminhão avança, me afastando de memórias dolorosas e me empurrando para um futuro incerto. Quando finalmente abro os olhos, tudo está diferente. O movimento cessou. A lona acima de mim permite que feixes prateados de luar atravessem, iluminando meu rosto cansado com um brilho frio. Eu me sento com cautela. O caminhão parou. Espio por uma pequena a******a e o que vejo me faz prender a respiração. Escuridão. Uma vasta extensão vazia, sem luzes de cidade, sem prédios altos, sem sinais de vida ao redor. Franzo a testa. Onde diabos estou? Esse lugar é grande demais para ser um parque. Então, por que ele parou aqui? O pensamento me atinge como um soco. E se o motorista sabe que eu estava escondida? E se ele estiver ligado a Andrei? E se isso fizer parte do plano o tempo todo? Me deixar fugir… só para que ele pudesse me encontrar e acabar comigo sem testemunhas? Seguro a respiração e tento escutar alguma coisa. Os segundos passam. Nenhum som além do farfalhar do vento. Nenhum movimento. Nenhuma presença ameaçadora. Então, estou sozinha? Meu telefone descarregou em algum momento da viagem, e sem ele, não faço ideia de onde estou. Mas sei que estamos longe de Connecticut, onde a cerimônia aconteceu. Longe de tudo. Andrei fez questão de se casar fora da cidade. Disse que isso evitaria a interferência de inimigos. O boato era que algumas famílias estavam furiosas com a união dos Ivanov e dos Petrov. — Nós dois temos sangue real, sabia? — ele disse uma vez, cheio de si. Agora, só de pensar nele, um gosto amargo invade minha boca. Ele disse a Susy que eu era descartável. Que estava apenas me usando. Mas para quê? O que ele achava que conseguiria com isso? Eu nem sou a herdeira principal dos Ivanov. Ele está delirando se pensa que minha família lhe daria qualquer coisa. Fecho os olhos por um instante. Sei que minha mãe e Dylan devem estar preocupados. Mas não posso me dar ao luxo de pensar nisso agora. Preciso sobreviver primeiro. O ar aqui é diferente. Frio, puro, carregado com o cheiro de terra e liberdade. Eu estou livre. Mais do que jamais estive. Saio do caminhão e piso no solo firme. Meus pés descalços afundam levemente na terra macia. Respiro fundo, tentando ignorar o peso das palavras de Andrei ainda cravadas em mim. Tento me concentrar no momento. Na paisagem ao meu redor. Parece que estou sozinha no mundo inteiro. Um arrepio percorre meu corpo. Não sei se é pelo frio ou pelo medo de verdade. Preciso de abrigo. Na penumbra, distingo o contorno de uma casa à distância. Algumas construções menores ao redor. Talvez um vilarejo pequeno. Ou uma fazenda. Ando mais um pouco. Passo por uma estrutura de madeira com uma lâmpada acesa. O som de animais chega até mim. Meu coração aperta com a lembrança. Quando eu era criança, meu pai costumava me levar para aulas de equitação. Mas aquilo não se comparava a este lugar. Aqui, tudo é vasto. Quilômetros e mais quilômetros de terra vazia e colinas silenciosas ondulando ao longe, como se guardassem o limite do mundo. Respiro aliviada. É grande o suficiente para que eu me perca nele. Continuo andando, tentando ignorar o frio cortante que me faz tremer. Então, algo chama minha atenção. Um celeiro. Minha esperança se acende. A estrutura velha e resistente parece um refúgio perfeito. Me aproximo, hesitante, e empurro a porta. O cheiro de feno e madeira envelhecida me envolve, reconfortante e familiar. Felizmente, não há cavalos. Por mais que eu goste deles, a última coisa que preciso agora é de um coice. Exausta, encontro uma pilha de palha num canto. Não é confortável, mas serve. Deito de lado, abraçando minha mochila como se fosse uma âncora. O feno pinica minha pele, mas eu estou cansada demais para me importar. Pego meu telefone. Desligado. Me pergunto o que está acontecendo com minha mãe. Com Dylan. Será que ele contou a ela que me viu partir? Talvez eu devesse ter parado e explicado. Talvez… — Por favor, fiquem bem… — sussurro para o teto escuro. Espero que meu pai esteja cuidando deles. Fecho os olhos. No meu meio sono, imagens da minha infância invadem minha mente. O rosto do meu pai. Sua risada. Talvez ele fosse tão r**m quanto Andrei, mas… Ele nunca deixou que eu e Dylan víssemos seu lado c***l. Uma lembrança vaga se dissolve conforme o som de um g**o cantando corta a escuridão. Uma lasca de luz surge por uma rachadura na madeira do celeiro. Amanheceu. Abro um olho, mas meu corpo protesta. Ainda não terminei de dormir. Me aconchego mais fundo na pilha de feno, me permitindo só mais alguns minutos... só mais um pouquinho... Até que uma cascata gelada me atinge em cheio. Engasgo com o choque quando a água fria penetra nos meus ossos, arrancando qualquer resquício de sono. Meus olhos se arregalam, minha respiração sai entrecortada. Diante de mim, duas crianças gargalham. Piscando para clarear a visão, analiso os pequenos intrusos. Um menino e uma menina, quase idênticos, ambos de cabelos loiro-escuros e olhos azuis brilhantes. — Q-que diabos...? — gaguejo, tremendo conforme a água escorre pelo meu rosto. — Peguei você! — grita um deles, eufórico.
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