Ailyn
Levo um segundo para processar a cena das crianças que acabaram de me dar um banho. O celeiro está mergulhado em uma luz fraca, projetando sombras que fazem os dois parecerem ainda mais travessos.
Sinto vontade de rir. Apesar do frio, dos farrapos do meu vestido de noiva e do feno grudado em mim, um sorriso teimoso puxa os cantos da minha boca.
O garoto franze a testa.
— Ei, você não deveria estar feliz com isso.
Devagar, me levanto. Pela expressão deles, devo parecer um fantasma saído de um pesadelo — encharcada, desgrenhada, coberta de palha.
— Acho que a piada foi comigo — digo, minha voz tingida de humor.
Dou um passo na direção deles, erguendo os braços. Eu também posso jogar esse jogo. Cresci com um irmão mais novo e primos suficientes para saber que, se demonstrar fraqueza, eles vão me atacar como tubarões sentindo cheiro de sangue.
— Sabem... crianças — começo, baixando um pouco a voz para dar um tom sinistro. — Vocês não deveriam mexer com a bruxa do celeiro.
A menina hesita. O menino solta um grito agudo e dispara para fora.
Ela me encara, confusa, mas não demora a segui-lo, os dois gritando enquanto correm.
Não consigo conter a risada.
Porém, meu humor desaparece em um instante.
E se eles contarem para um adulto que encontraram uma estranha no celeiro? Tecnicamente, estou invadindo propriedade privada.
Minha preocupação é confirmada quando uma voz grave ecoa do lado de fora:
— O que diabos tá acontecendo aqui?
O som pesado de botas se aproxima. Uma figura alta surge na entrada do celeiro, se abaixando para passar.
Meu coração dá um pulo.
O homem que aparece diante de mim é... impressionante. Alto, musculoso, tatuado. A camisa de flanela m*l consegue conter seus ombros largos, e um chapéu de cowboy esconde parte da testa. Ele para a alguns passos de distância, me estudando como se tentasse determinar se sou real ou um delírio causado pela manhã fria.
— Que p***a é essa? — Ele finalmente solta.
Seu olhar cai sobre mim, e percebo o que ele está vendo. Meu vestido de noiva — agora rasgado, sujo, grudado no meu corpo molhado.
A linha da boca dele se endurece.
Ele definitivamente não está se divertindo.
— É que... — digo fracamente, reconsiderando todas as minhas decisões de vida.
Como, exatamente, explico isso?
Tenho certeza de que há uma explicação plausível em algum lugar dentro da minha cabeça, mas todos os meus pensamentos evaporam sob o peso do olhar verde hipnotizante dele.
Sua presença é intensa, dominadora, carregada de um charme bruto e perigoso. Alguns fios prateados no cabelo loiro sujo indicam que ele é mais velho do que eu.
O ar entre nós crepita.
Engulo em seco, tentando recuperar a compostura.
Endireito a postura, tentando parecer menos miserável do que me sinto.
Mas ele não parece impressionado.
Na verdade, o brilho nos olhos dele é de puro aborrecimento.
E de algum jeito, isso me faz querer sorrir outra vez.
— Olá. — Minha voz sai hesitante, um pouco sem graça. — Eu não queria te assustar.
Ele solta um som baixo, quase uma risada.
— Me assustar? Talvez. — Sua voz tem um tom grave e rouco, carregada de uma pitada de intriga. — Mas não é todo dia que eu tropeço em uma mulher tão... incomum em um celeiro.
Suas palavras pairam no ar, um misto de curiosidade e julgamento velado. Ele ainda não decidiu o que pensar sobre mim. Seu rosto permanece ilegível, duro como pedra. Isso o torna ainda mais assustador.
Um desconforto se espalha pelo meu estômago. Meus instintos gritam para eu correr, mas a lógica sussurra que essa seria a pior ideia. Ele é pelo menos três vezes mais forte que eu. Duas vezes mais alto. Eu não chegaria nem na porta antes que ele me alcançasse.
Engulo em seco, tentando formular um plano. Talvez eu esteja pensando demais. Talvez, se eu apenas pedir educadamente, ele me deixe ir. Ele deve ser um peão da fazenda, só está surpreso por me encontrar aqui. Vai ficar tudo bem.
— Eu estava saindo, sabia? — começo cautelosamente. Tento rir, mas o som sai fraco e trêmulo. — Eu vou embora, e nós dois podemos fingir que isso nunca aconteceu.
Faço um gesto entre nós dois, esperando que minhas palavras dissipem a tensão.
Elas não dissipam.
Em vez disso, ele dá um passo à frente, depois outro, me cercando devagar. Seu movimento é predatório, como um tigre avaliando a presa.
— O que diabos você pensa que está fazendo? — Sua voz é baixa, mas cortante.
Meu coração martela contra as costelas.
— E-eu só…
Ele estreita os olhos.
— Você assustou as crianças? O que lhe dá o direito de invadir minha propriedade?
O choque me atinge como um soco.
Propriedade dele?
Ah, merda.
Ele não é um peão. Ele é o maldito dono da p***a toda.
E ele parece furioso. Seus olhos verdes escurecem como o oceano antes de uma tempestade.
Minha boca seca. A honestidade provavelmente não é a melhor escolha agora, mas eu também não consigo mentir. Me sinto um cervo preso nos faróis de um carro.
— Tecnicamente… elas jogaram água em mim primeiro.
Sua carranca se aprofunda.
— Nós não lidamos bem com estranhos por aqui.
Cruzo os braços, encolhendo os ombros.
— Não estou surpresa.
Seus olhos se estreitam ainda mais.
— O que foi isso?
— Nada.
— Certo. — Antes que eu possa reagir, ele agarra meu pulso. — Vou te levar até o xerife.
Meu coração dá um salto. O toque dele é quente, firme, e a surpresa me rouba momentaneamente o fôlego.
— O xerife? — repito, minha voz tremendo entre confusão e medo. — Mas… por quê? O que eu fiz?
Ele não afrouxa o aperto.
— Eu peguei você invadindo minha propriedade. — Seu tom é carregado de frustração e autoridade. — E é meu dever garantir que a lei seja cumprida. Você vai ter que responder por isso.
Meu peito aperta.
— Eu não queria causar problemas. — Minha voz sai em um sussurro desesperado. — Por favor, eu não quis invadir sua propriedade.
Seus olhos continuam cravados em mim, duros, intransigentes.
E de repente, percebo que minha manhã acaba de ficar muito, muito pior.