Pré-visualização gratuita A DECEPÇÃO.
ANTONELLA
Estava no meu quarto, me preparando pra mais um dia de trabalho.
— É... mais um dia! — disse, bufando ao me olhar no espelho e puxar alguns fios de cabelo à frente do rosto. — Mais um dia de correria e vivendo para o Vicente! Meu chefe arrogante e sério!
Já faz dois anos que eu escolho até a cueca desse homem! Ele é impossível... e insuportável. Não sei o que passou pela minha cabeça ao aceitar ser sua assistente pessoal. Talvez... a falta de oportunidade e porque era meu primeiro emprego, né? Ou porque era melhor do que servir café para a equipe de criação da empresa de arquitetura dele. O dinheiro dava para me manter e pagar os remédios da minha mãe, que sofre de pressão alta, e os medicamentos não eram nada baratos. Eram controlados e precisavam ser comprados a cada quinze dias...
Pensar que consegui esse emprego por causa de um café... é surreal. Mas lembro como se fosse hoje!
— Eu não sei mais o que fazer! Esse homem vai me deixar louca! — Gaby, minha amiga, foi quem me trouxe para esse emprego. Ela é um amor de pessoa, casada e com uma vida boa. Quer dizer... menos aqui. A coitada se desdobra em cem para ser secretária dos dois irmãos Bellini.
— O que houve?
— Ele quer um café! Mas eu já levei cinco, e ele me manda voltar!
— Café?
— Diz que está horrível e só falta jogar na minha cara! — disse, indignada.
— Não seja exagerada... O que houve? Ele não toma o mesmo café todos os dias?
— Toma... mas eu não achei a garrafa do café hoje...
— Não?
— É, menina... uma prata.
Quase cuspi o café que estava na minha mão.
— Você estava dando o meu café para ele?! Por isso minha garrafa sempre estava seca!
— Sua garrafa?
— Sua louca... — disse, rindo.
— O que você põe nesse café? Porque o homem só se aquieta com ele!
— Gabriela!
Olhamos para ele lá em cima, olhando para nós.
— Eu já vou, senhor Bellini!
— Não lhe pago para conversar!
Ela me olhou revirando os olhos, e eu baixei a cabeça com um sorriso nervoso. Ela deu o meu café? Eu não trouxe hoje! Exatamente por isso, não vou ficar pagando café para ninguém.
— Eu cansei disso! Quer saber? Ele vai me ouvir! Eu trabalho feito uma cachorra aqui... para ele me humilhar na frente de todo mundo.
O pior é que a equipe toda ouviu. No primeiro andar ficava toda a equipe de criação, os de marketing, os de projetos e plantas. Acima, ele e o irmão. Ambos eram diferentes. Ramiro era galanteador, de sorrisos fáceis, um tanto exibido demais. Já Vicente era sério, centrado e egocêntrico. Misterioso, e pouco sabíamos dele.
— É isso! Eu vou me demitir!
— O quê? Espera... — Ela subiu nervosa, entrando na sala dele. — Meu Deus...
Caminhei até a cafeteria, onde preparava o café deles, conforme o padrão que gostavam, e olhei os materiais.
— Tá... vamos fazer isso!
Preparei uma xícara de café para ele. Eu nunca pensei que alguém além de mim gostaria daquilo. Nele havia um pouco de leite, mel e uma pitadinha de canela. Mexi com a colher, misturando tudo, e o esquentei no micro-ondas para ficar tinindo de quente. Levei de imediato lá para cima, todos da equipe me olhando. Jamais subíamos sem ser chamados, mas não podia deixar a única pessoa que me defendia dentro da empresa sair assim. Bati na porta de vidro, vendo ela exaltada.
— Eu me viro nos trinta aqui para o senhor falar daquele jeito comigo? Eu posso meter um processo nas suas costas, ouviu bem?
— Hum hum... — ela me olhou, e o olhar dele veio a mim, que antes a observava sem dizer nada.
— O café que esqueceu lá embaixo, Gaby...
Ela me olhou, estranhando.
— Até que enfim... era só um café, Gabriela! — disse Vicente.
Levei o café até a mesa, sem olhar para ele. Esperei que ele pegasse, e senti seu olhar indecifrável sobre mim.
— O que está esperando? Saia!
Olhei para ela, um tanto envergonhada, e acenei, saindo. Gabriela e os irmãos Bellini tinham certa i********e, pois, pelo que sei, estudaram juntos. Ramiro a trouxe para a empresa, mas nunca entendi por que ela tinha um respeito maior por Vicente, sempre o chamando de senhor.
Desci meio sem jeito e vi o senhor Ramiro entrar já dando o ar da graça, cumprimentando todo mundo.
— Antonella, olha só... está linda!
— Ah... obrigada! — Dei um sorriso sutil, e ele piscou um dos olhos com seu sorriso largo. Era um galanteador barato.
— Pela sua cara, Vicente já está aí...
— Já sim, senhor Ramiro.
— Maravilha... me traga um café!
— Sim, senhor.
Os irmãos não se davam bem, e, ao longo dos dois anos, nunca entendi o porquê... Ele subiu, e eu voltei para pegar o café normal, subindo para levar para ele. Gabriela estava recolhendo as coisas dela da mesa.
— Gaby... não acredito... você vai me abandonar!
— Você viu como ele me tratou? Mas ele ouviu poucas e boas! — Olhei para eles, pela parede de vidro. Eles discutiam. Vicente, frio como sempre, olhava para Ramiro, que gesticulava em estresse. Ele veio até a porta e abriu.
— Pare com isso, Gabriela... Eu já falei com ele, vamos resolver sua situação!
— Minha situação? Vão contratar mais alguém? Porque eu não vou fazer mais trabalhos extras só porque sou amiga de vocês, não!
Ainda estava com o café na mão, então o ofereci.
— Aqui, seu café, senhor Ramiro! — Ele pegou, e senti o olhar de Vicente do outro lado do vidro, se aproximando ao sair da sala.
— E então? Vão contratar!?
— Eu não vou contratar ninguém. Porque não sou eu que fico te sobrecarregando com coisas pessoais! Resolve isso, Vicente! — disse Ramiro.
— Como é seu nome?
— Eu? — Ele me olhou, impaciente. — É... Antonella.
— Me acompanhe!
Ele entrou novamente, e eu olhei para Gabriela sem entender nada.
— Vai... ele não gosta que desobedeçam! — fui, mesmo me sentindo nervosa.
— Eu... fiz algo? — perguntei.
— Sente!
Sentei, segurando minhas próprias mãos.
— Gabriela me falou do café... — disse ele.
Eu só acenei.
— Eu... não devia deixar minha garrafa na copa...
Ele só me olhava em silêncio, me fazendo sentir perdida.
— Quero que seja minha assistente pessoal!
— Eu?
Ele acenou com a cabeça.
— Você repete tudo que eu falo, não acho que seja surda.
Que i****a!
— Desculpa...
— Aceita ou não!?
— Eu nem sei o que fazer...
— Gabriela te passa tudo.
— Posso pensar?
— Na verdade, não... ou ela sai daqui em segundos!
Olhei para ela, que ainda arrumava as coisas.
— Então tá... eu aceito.
Ele acenou, pegando seus papéis da mesa.
— Pode ir agora!
Ué?
— Mas... só isso?
— O resto não é comigo, pago funcionários para isso!
Nossa... levantei atordoada.
— Com licença!
Saí da sala, e Gabriela já me olhou.
— O que foi? Ele foi reclamar do café?
— Acho que agora eu... sou a nova assistente pessoal dele.
Ela me olhou pasma.
Olha... maldito foi aquele dia! A Gaby continuou na empresa, mas minha vida virou uma zona! Meu relacionamento, que antes era perfeito, foi por água abaixo. Joabe, meu namorado, trabalhava viajando, ele era intérprete e sempre viajava. Mas, com esse trabalho, eu não conseguia sequer parar em casa.
Todas as noites, ou manhãs, eu tinha que ir na mansão dos Bellini pegar roupas para o Vicente. Ele nunca dormia em casa e se trocava no trabalho. O pior: ele chegava às 6h e eu tinha que estar lá às 5h30. Era um trabalho escravo! Mas me pagava muito bem.
Eu tinha que estar por dentro de todos os compromissos dele, o que me deixava louca, porque eram muitos.
Mas uma coisa que nunca tive problemas foi com mulheres. Nunca houve uma sequer! Ou ele é gay e esconde o amante, ou é assexuado. Porque não é possível...
Estava eu ainda diante do espelho... às 5h30 da manhã, um tanto desleixada. Cansada para ser exata!
Fui para a empresa com as roupas dele bem passadas, um terno italiano elegante e seus sapatos que brilhavam mais que meus brincos. Cheguei atrasada. Ninguém naquela empresa entrava naquele horário além dos seguranças. Subi direto para a sala quase correndo com aqueles saltos que estavam me dando calos! Tinha isso também... eu tinha que estar bem apresentável, era obrigada a me maquiar e andar sempre arrumada. Mas quem disse que eu chegava assim?
Hoje, em especial, me ferrei toda! Estava com um vestido leve e fino. Entrei na sala, e logo notei que os vidros estavam em efeito privativo (embaçados, fechando a visão de fora). Coloquei o terno no cabide ao lado da porta, tirei os saltos e joguei as coisas no sofá, exausta.
— Merda! Eu ainda vou morrer por causa desse emprego! — resmunguei, soltando um suspiro pesado.
— Hum hum.
Travei. Ao ouvir ele limpar a garganta, chamando minha atenção, fechei os olhos com força, praguejando.
— Merda... merda... — falei baixinho e fino. Virei, abrindo um sorriso falso. — Senhor... Bellini.
Ele olhou o relógio.
— Atrasada. E m*l vestida!
Olhei para meu corpo exposto, sem nenhuma sacola na frente. Quem, em sã consciência, estaria ali para me ver? Ninguém! Só esse homem perturbado. Ele só pode ser morcego! Não dorme, não?
— Desculpe... eu tive uma noite difícil...
Suas roupas da noite anterior estavam amarrotadas, a gravata afrouxada, e seus cabelos, que ele sempre mantém bem desenhados, estavam bagunçados diante do rosto. Ele se aproximou, me fazendo ficar nervosa. Seus olhos indesejáveis... Ele tinha tanto mistério.
— Seu vestido é quase transparente! Vá se trocar agora!
Olhei para mim de novo, me sentindo exposta. Acenei rápido, olhando para ele novamente, que parecia se controlar. Sua voz, mesmo autoritária, parecia ser controlada. Igual ao seu olhar, que me fazia sentir despida.
— Eu vou, senhor...
Na gola da sua camisa havia uma mancha vermelha, que parecia muito com batom. Hum... ele não é gay. Agora tenho certeza.
— Vai, Antonella!
Seus olhos claros me olhavam com precisão, pareciam me avaliar. A voz dele era firme, um tom potente e autoritário. Acenei e peguei minha bolsa, saindo dali nervosa.
Hoje Joabe voltaria para casa. Ele estava três meses fora, e eu estava ansiosa. Fui buscá-lo no aeroporto de surpresa, porque ele me pediu para ficar em casa esperando.
Sentei em frente à porta do desembarque, esperando ansiosa, até vê-lo passar com um sorriso largo. Levantei, já indo até lá... Até ver uma mulher que passou logo depois dele, segurando sua mão, também com um sorriso largo.
— Que isso?
Caminhei mais apressada.
— Joabe!
Ele me ouviu, fechando o sorriso de imediato.
— Nelinha... o que faz aqui?
Ele sequer largou a mão da mulher. Mais que filho da mãe!
...