Aurora Bianchi
Assim que cruzamos a porta de casa, soube que a noite não terminaria bem. O ar estava carregado, denso, como se as paredes sussurrassem o que estava por vir.
Eu sabia. Sabia que Domenico Rizzi havia falado com mio papà.
Ele nunca perderia a chance de parecer a vítima. E agora, eu enfrentaria as consequências.
Meu pai estava sentado na poltrona de couro n***o do escritório, um copo de uísque em mãos, os olhos fixos em mim com uma expressão fria. O silêncio foi quebrado quando ele bateu o copo com força na mesa de vidro.
— Aurora, você sabe que não estamos bem. — Sua voz era cortante, sem espaço para argumentação. — Nossas finanças estão no limite. Se aliar à máfia Rizzi, que é aliada da nossa famiglia, é a melhor escolha.
Cruzo os braços, contendo a raiva que borbulhava dentro de mim.
— Eu não chamaria isso de aliança, papà. Chamaria de venda. Você está me leiloando em troca de um dote, e nem sequer disfarça.
Seus olhos faiscaram, e eu vi seus dedos se apertarem ao redor do copo.
— Não interessa. — Sua voz saiu mais baixa, ameaçadora. — Você não vai estragar meus planos, ragazza. Não ouse colocar Domenico em maus lençóis novamente com o Capo e o Subchefe.
Eu queria gritar. Queria dizer que aquele verme não era homem de confiança.
Mas respirei fundo. O jogo precisava ser jogado com inteligência.
— Tudo bem. Espero que, para você, essa 'aliança' valha a pena. — Meu olhar se fixou no dele. — Porque eu não confio naquele homem.
Ele riu. Uma risada curta, seca.
— Oh, bambina... você ainda acredita em contos de fadas? Só porque ele foi viúvo três vezes? Isso são infortúnios da vida.
Engulo em seco. Três esposas. Todas mais jovens. Todas de famílias poderosas. Todas mortas em circunstâncias... convenientes.
— Papà... — Minha voz falha um pouco, mas eu continuo. — Uma coisa é um infortúnio. Três é um padrão.
Seus olhos escurecem.
— Não repita isso. — Sua voz se torna um sussurro gélido. — Você não sabe nada sobre homens como Domenico.
— Sei o suficiente para saber que ele é um monstro.
— Ele é um homem poderoso. E será seu marido.
Cruzo os braços, encarando-o.
— Não enquanto eu puder impedir.
Num instante, o copo voa da mesa e se estilhaça contra a parede ao meu lado.
Eu me sobressalto, mas não abaixo a cabeça.
— Você vai se casar, Aurora. — Seu tom é cortante, sem espaço para rebeldia. — Quanto mais velha, mais difícil será encontrar um marido que preste. E você precisa de um.
Meu peito sobe e desce rapidamente. Ele realmente pensa assim.
— E se eu não quiser? — Minha voz é desafiadora, mesmo sabendo que provoco a fera.
Ele se levanta lentamente, ajeitando o paletó. A calma antes da tempestade.
— Se você não quiser, eu encontrarei outra forma de fazer com que queira.
O aviso era claro. Não havia escolha.
Mordo o lábio, controlando a raiva e o medo que queimam dentro de mim.
— Tutto bene, papà.
Viro-me e subo as escadas rapidamente, antes que ele possa dizer mais alguma coisa. Meu coração martela no peito, e minha respiração está descompassada quando fecho a porta do quarto.
Encosto-me nela, pressionando as mãos trêmulas no rosto.
Eu preciso sair daqui.
Nossa família sempre teve um nome de respeito no conselho da máfia, mas desde que minha mãe morreu há cinco anos, tudo começou a desmoronar.
Meu pai se afundou nas sombras do submundo. Jogos. Prostitutas. Dívidas.
Vivemos de aparências. Ninguém sabe o quanto estamos afundados. Ninguém sabe que o legado dos Bianchi está ruindo.
Mas eu sei.
Eu sinto.
E eu não vou me casar com Domenico Rizzi.
Ele não sabe, mas estou investigando. Há algo nele, algo podre. Algo grande.
E quando eu descobrir, vou usar isso contra ele.
Se estiver certa...
Vou desaparecer.
Mudo meu nome.
Queimo minha identidade.
Fujo desse mundo podre e começo de novo.
Mesmo que isso signifique nunca mais olhar para trás.
Assim que cruzei a porta do meu quarto, a tensão nos meus ombros se dissolveu levemente, mas não completamente. Ainda sentia o peso do olhar do meu pai, a frieza na sua voz, a ameaça escondida por trás de cada palavra.
Minhas mãos tremiam levemente enquanto desabotoava o vestido. O tecido deslizou pela minha pele, caindo em um montinho aos meus pés.
Fui até o espelho, observando meu reflexo sob a luz amarelada do quarto. Minha pele ainda estava quente do confronto, meu coração ainda batia acelerado, mas não apenas pelo medo ou pela raiva.
Ele estava ali.
Guilhermo D'Angelis.
Fecho os olhos e me jogo na cama, sentindo o frescor dos lençóis contra minha pele.
Eu não queria pensar nele.
Mas a lembrança do homem que cruzou meu caminho naquela festa insistia em ficar.
Alto. Ameaçador.
Ele exalava poder e controle, a aura de um homem que nunca precisou pedir nada — apenas tomar.
Seus olhos eram afiados, escuros, e pareciam sempre estar calculando, analisando... mas havia um fogo ali. Um desejo perigoso, uma intensidade que me fez sentir presa no momento em que nossos olhares se cruzaram.
Lembrei de sua voz baixa e rouca quando falou comigo, do modo como me defendeu, como olhou para Domenico como se quisesse despedaçá-lo.
E por um instante... por um único instante...
Eu quis confiar nele.
Mas então, a realidade bateu.
Guilhermo D'Angelis pode ter me protegido naquele momento, mas ele não é um homem bom. Nenhum homem da máfia é.
Meu próprio pai estava me jogando aos leões.
Se o homem que deveria me proteger me vende sem hesitação, por que outro mafioso seria diferente?
Abro os olhos, encarando o teto, forçando-me a apagar a lembrança do toque firme de Guilhermo ao segurar minha mão naquela noite, do jeito como seus olhos pareciam me devorar.
Ele parecia me querer, não sei, o olhar dele me dizia.
Mas eu não confio nele.
Não confio em homem nenhum.
Respiro fundo, fecho os olhos e me forço a dormir.
Mas no fundo, sei que a sombra dele já se instalou na minha mente.
E isso pode ser tão perigoso quanto qualquer ameaça que meu pai possa me fazer.