Pré-visualização gratuita 1 - Passarinha
Guilhermo D'Angelis
Com uma taça de champanhe na mão, observo a festa ao meu redor. A celebração do aniversário de 30 anos de Vincenzo também marcava nossa nomeação oficial: ele como chefe e eu como seu subchefe. Era o destino que nos foi traçado desde o nascimento, e eu o aceitava sem questionamentos. Mas, se havia algo que me incomodava, era o olhar atento de minha mãe, Donna Luiza, que já movia os fios de um novo jogo — encontrar uma esposa para mim.
Casamento na máfia nunca foi sobre amor, e eu sabia bem disso. Vincenzo teve sorte, encontrou alguém que realmente quis ao seu lado. Eu? Eu não teria esse luxo. Meu casamento seria um acordo, uma aliança, uma troca de interesses que fortaleceria nosso império.
— Muitas jovens solteiras, mio figlio. Por que não convida alguma para dançar? — A voz firme de minha mãe me tira dos pensamentos.
— Confio nas candidatas que tem a me apresentar. — Respondo, levando a taça aos lábios.
— Guilhermo, eu queria que encontrasse alguém além do dever, mas já está assumindo seu posto. Já tem quase 30 anos. Precisa de uma família.
— Eu sei, mama. E não questiono as regras.
Ela solta um suspiro resignado. Não há mais o que ser dito.
É nesse momento que meus olhos se fixam em uma mulher.
Loira, os cabelos caindo em cachos pelas costas. Seu vestido rosa claro lhe dá uma aura quase angelical, mas o que me prende a atenção não é sua beleza, e sim a sensação incômoda que percorre minha espinha ao vê-la caminhar sozinha em direção a um corredor escuro. Não demora muito para que um homem a siga, discretamente, como um predador observando sua presa.
Meu instinto diz que há algo errado.
Deixo a taça sobre a mesa e sigo o mesmo caminho.
Quando viro o corredor, vejo a cena que já esperava: o homem, um desgraçado já malvisto por nossa família, a encurrala contra a parede, segurando-a pelos braços enquanto tenta forçar um beijo. Ela se debate, mas ele é maior, mais forte.
No momento seguinte, agarro-o pelo colarinho e o arremesso contra a parede oposta. O impacto ecoa pelo corredor. Ele engasga com o próprio ar ao sentir a força do golpe. Meus olhos se fixam nele com um olhar frio, mortal.
— Você conhece as leis da máfia. — Minha voz sai baixa, perigosa. — Sabe que não toleramos abusadores.
Ele levanta as mãos, tentando se justificar:
— Não é abuso! Ela é minha noiva. Está fazendo charme, sabe como essas mulheres são...
Minha mandíbula se contrai. Viro meu olhar para a garota. Seus olhos azuis, arregalados, tremem como os de um pássaro enjaulado.
— É verdade? — Pergunto, minha voz menos fria, mas ainda firme.
Ela confirma com um movimento hesitante da cabeça.
— Mas eu não quero que ele me toque. Meu pai combinou que ele só poderia fazer isso depois do casamento.
A fúria queima dentro de mim. Meu olhar se volta novamente para o homem, e dou um passo à frente. Ele se encolhe instintivamente.
— Você ouviu? — Minha voz é um sussurro perigoso. — Ela só será sua esposa depois do casamento. E, mesmo depois disso, se ousar tocá-la sem seu consentimento, terá que lidar comigo.
Ele engole em seco, suando frio.
— Subchefe... não tocarei mais nela, se assim deseja.
— Não. — Me aproximo, ficando a centímetros de seu rosto. — Não é sobre o que eu desejo. É sobre o que ela deseja. E se você se esquecer disso, não haverá uma próxima conversa.
O homem acena rapidamente, recuando, antes de sair do corredor. Quando passa pela garota, seu olhar sombrio sugere que ela pagará por essa noite mais tarde.
Isso não me agrada.
Me volto para ela.
— Qual o seu nome?
— Aurora. Filha do conselheiro Máximo.
Entendo imediatamente o peso da situação.
— Precisa que eu espere até usar o banheiro?
Ela balança a cabeça.
— O senhor é um homem ocupado. Pode ir. Não acho que ele terá coragem de desafiá-lo e voltar aqui.
Assinto, mas quando volto para a festa, não tiro os olhos do velho. Ele está ao lado do pai dela, o conselheiro, cochichando algo. Quando percebe meu olhar, desvia rapidamente.
Ali, naquele momento, eu soube.
Algo estava acontecendo. Algo que envolvia Aurora.
E eu nunca imaginaria que a vontade de guerrear nasceria por causa de uma garota com menos de 1,60m e olhos azuis assustados.
A festa seguia animada, mas minha mente estava longe dali. O incidente no corredor ainda pesava em meus pensamentos, e a figura delicada de Aurora continuava a pairar em minha mente como um espectro.
— Guilhermo, quer dançar? — A voz de Elena me traz de volta à realidade.
Viro-me para encará-la. Vestia um vestido vermelho justo, seus olhos atentos analisando minha expressão.
— Obrigado, Elena, mas não estou no clima para dançar.
Ela suspira, cruzando os braços.
— Tudo bem. Sei que não sou bem vista, mesmo tendo ajudado no fim das contas.
Seus olhos carregavam uma sombra de ressentimento. Eu entendia. Ela fizera sacrifícios por esta família, mas seu sobrenome ainda era um fardo.
— Queria me livrar de vez desse peso que não é meu.
Minha expressão permanece neutra enquanto tomo um gole de minha bebida.
— Sabe que na máfia sobrenomes têm peso. Sejam bons ou ruins, carregamos com a gente os fardos. Isso já não é novidade.
— Eu sei. Por isso queria lhe propor um contrato de casamento.
Meu olhar se fixa nela imediatamente.
— Sei que está procurando uma noiva, e eu estou disposta a mudar meu sobrenome. Quero deixar para trás a estigma que ele carrega.
Abaixo a taça lentamente, analisando-a. Elena sempre foi ambiciosa, inteligente. Mas nunca imaginei que viria até mim com uma proposta dessas.
— Acabou sua fixação pelo meu primo? — Pergunto, sem rodeios.
Ela sorri, mas é um sorriso triste.
— Ele não me quis. Antonella é uma boa menina, e está tudo bem.
— Entendo. — Faço uma pausa e então acrescento — Mas deveria estar conversando sobre isso com minha mãe. Ela está selecionando candidatas.
Ela solta uma risada sarcástica.
— Não é homem suficiente para escolher a mulher que vai estar ao seu lado?
Minha expressão se fecha. Dou um passo à frente, meu olhar afiado encontrando o dela.
— Se fosse por amor ou afeição, com certeza eu escolheria. Mas isto é um jogo de negócios e poder. Deixe que eles negociem por mim.
Sem esperar resposta, viro-me e caminho na direção de minha famiglia.
— Olha quem chegou, Enrico. O primo Guilhermo! — Antonella cantarola, segurando o pequeno nos braços.
O garoto estende os braços na minha direção, e eu o pego com facilidade.
— Olha o garotão aí. — Brinco, equilibrando-o em meu braço.
Quando levanto o olhar, a vejo.
Aurora.
Ela me observa com um sorriso hesitante, e quando nossos olhares se cruzam, suas bochechas coram instantaneamente.
Meu ego de homem se infla ao perceber o efeito que causo nela. A inocência daquele gesto, o rubor tímido, é algo que não costumo ver no meio em que vivo. Estou acostumado a mulheres fatais, destemidas, que usam o olhar como uma arma. Aurora não.
Ela é diferente.
E isso me intriga.
Desvio o olhar, mas sei que ela ainda está me observando. Algo me diz que essa não será a última vez que nossos caminhos se cruzarão.