Condenada?

1008 Palavras
Kayra Selik Pelo jeito é a minha vez de conhecer o infernö real da condenação. Eu juro que jamais imaginei isso. Já pensei que um dia iria cometer algum erro, iria falhar em alguma decisão e pagar algum preço por isso. Mas, ser condenada e vista como suja por tentar manter a linhagem da minha família e honrar o nome do meu pai e eles compararem a traição e sujeira, é surreal. Não querem perguntar nada, não querem entender e muito menos ouvir. Só querem se livrar de mim. Já esqueceram dos acordos favoráveis que fiz, dos inimigos que matëi com as minhas próprias mãos e esqueceram que sempre defendi tudo sem hesitar. Acabou! Soldados se aproximam. Tento correr, mas sou agarrada pelos braços e pelos cabelos. Outro me segura pela cintura e sou cercada por mãos. Eu chuto, grito, me debato, mas sou carregada como uma criminosa, arrastada como um saco de lixo diante dos olhos que antes me reverenciavam. Baruk se adianta, desesperado. — Foi minha culpa! Eu soube disso só hoje e pedi para que ela confessasse! — Ele fez exatamente o que pensei. — Por favor... eu a convenci... ela iria contar. Isso foi combinado antes. — Levem ele também! — Ordena Aylin. — Traição é traição. Esse velho está mentindo para todos nós! — Não! Baruk não sabia! Ele só descobriu hoje! Ele é inocente! — Grito, tentando protegê-lo. Ele precisa estar vivo! Nisso, ele é cercado por muitos deles e depois não vejo mais nada. Eu continuo sendo arrastada e os apertos deles são fortes. São quatro homens contra mim e não tenho chance por mais que seja bem treinada. O jeito que eles me pegam é para impedir mesmo qualquer movimento meu. O frio da noite me corta aqui fora. Sinto as minhas pernas doerem pelas pedras do chão e eles não ligam para isso. — Quieta, traidora de merdä! — Um deles diz. — Vai mörrer mesmo... ninguém liga! Alguns metros são assim e depois, eles me jogam em um carrinho metálico de carga. Dois deles ficam comigo aqui e me amarram nos braços e o transporte sai. Eu sou levada entre as pedras, cercadas por penhascos e nem consigo me mexer. Vejo tudo de forma desconexa por olhar para cima. É meio do nada, entre formações rochosas gigantes. E aqui, surge uma cabana antiga de madeira grossa e janelas vedadas. Ainda é dentro da propriedade, mas é bem afastada. Eu sou puxada para fora, arrastada e jogada aqui dentro. Eles não têm receio de nada e nem me olham. Apenas me tratam como nada. Eu vou com tudo ao chão. A terra seca vem com tudo, me fazendo engolir poeira. Bem no fundo, há uma cadeira de ferro presa ao chão e é onde eu serei colocada. Eles preparam tudo. Vejo correntes, itens de tortura na mesa e o medo vem com tudo. Eu serei torturada como uma criminosa e traidora. Não dá para fugir. Eles são mais fortes do que eu e, logo sou colocada sentada nessa cadeira. Correntes nos braços e pernas e sem chance alguma de escapatória. Estou presa em segundos. — Você vai ficar aqui até o amanhecer. — Diz um dos homens. — Depois, vamos te levar para o subterrâneo... deve conhecer. E reza para mudarem de ideia... — Vocês não vão tocar em mim! — Digo a eles. Um deles sorrir, um riso de humor seco e ele se aproxima e me agarra pelo queixo. — Pode apostar que nenhum de nós queremos uma imunda traidora como você... tudo tem limite! — Ele rosna. — Aproveita a noite... Eles vão saindo e a porta fecha com um estrondo grave. O som do tranco me faz encolher. Esse lugar é medonho, cheira a mofo e a poeira forte. Sinto um gosto denso na boca e fico pensando numa forma de escapatória. Não é fácil. Estou sozinha. Acorrentada. O rosto queimando pelas fitas arrancadas. O corpo latejando onde me seguraram. E a junção disso tudo mão me deixa pensar. Não consigo encontrar um plano. As correntes apertam demais. A minha cabeça lateja e o medo me faz pensar em tudo que não presta. Alyin venceu. Ela conseguiu o que queria. Como que ela pode me odiar tanto a esse ponto? De me condenar, de me humilhar e deixar o nosso nome morrer assim? Será que ela não sabe que, o marido dela assumindo é o nome dele que vai prevalecer de vez? O nome Selik morreu hoje como o nome do poder na Turquia. As horas passam. Eu não durmo, sinto sede e fome. Tento me mover, forçar os punhos, avaliar as correntes, mas elas estão apertadas demais. A pele arde em cada tentativa. Não tem como eu soltar nada de mim. O meu corpo todo geme. A minha alma grita. A derrota tem um gosto que me corrói. Eu não sou mais Emir. Não sou mais uma Selik. Não sou nada. Virei um nada em poucas horas. Sai do trono e vim para o calabouço. As horas ainda passam e parece uma eternidade. A boca cria uma saliva grossa que me deixa com um tampão na garganta e a minha barriga começa a remexer, doendo pelo vazio. Aqui, eu espero que Baruk esteja bem. Penso que, já que ele não está aqui, ele possa estar melhor. Ele tem que estar melhor. E de repente, em certo momento, eu ouço um barulho de fora e a porta se abre sem demora. Aylin. É ela! Vestida com luxo e uma capa com capuz por cima. O cabelo preso em um coque impecável. Os olhos brilhando com superioridade e um sorriso audacioso nos lábios. Ela entra devagar, me analisa como se eu fosse um animal engaiolado. O salto ecoa no chão de madeira. Ela para a um metro de mim e me observa em silêncio. O sorriso nos lábios dela é a dádiva final. — Boa noite, minha irmã... temos contas a acertar... Ela coloca luvas nas mãos e já imagino que ainda tenha mais para ir.
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