O preço da verdade

1101 Palavras
Kayra Selik – Emir Selik Não acredito que ela sabe. Como? — Esta é a noite em que… — Ela pausa, saboreando o momento. — A máscara de Emir Selik… finalmente cai. O salão silencia e todas as cabeças se viram para mim. O meu corpo congela. O sangue corre tão rápido que posso ouvir o zumbido nos ouvidos. Aylin sorri. Ela sabe de tudo. E ela vai contar tudo bem aqui. E agora... todos estão me olhando como se já soubessem também. A respiração trava na minha garganta e o meu coração não bate. Ele colide contra as minhas costelas com tanta força que penso que todos conseguem ouvir. Eu estou sendo jogada contra a parede e me sinto cercada por todos. O salão inteiro me observa, me olha com intriga, confusão e incredulidade. O silêncio grita aqui dentro. Tem olhares desconfiados. Outros, famintos por escândalo e outros com descrença. A minha irmã, Aylin, sorri no palco, segurando o microfone que seu marido lhe deu. Ela segura com um prazer que transborda pelos olhos e escorre nos cantinhos da boca. Ela passou anos esperando por esse momento. Ela queria apenas uma chance de acabar comigo sem mais nem menos e agora, vai me condenar. Ela nem sequer veio até mim antes para dizer algo. Ela simplesmente quer me dar aos lobos. — É isso mesmo que ouviram... ele não é quem diz ser, na verdade, é ela! — Alguns emitem som de choque. Um murmúrio cresce. Alguém solta um riso de descrença, outro se levanta da cadeira. O Conselho se move como uma massa viva. Olhos se voltam para mim com horror, choque, confusão. Eu estou sendo analisada. — Ela está mentindo. — A minha voz sai firme, forçada e abafada. O pigarro que sempre uso para disfarçar me falha, e o timbre treme. — Isso não tem o menor cabimento. Você bebeu? O que uma palavra de uma mulher bêbada tem de valor? — Os olhares são para ela. — Me respeite! Eu sei muito bem o que eu estou falando... — Tirem-na daqui! — Eu ordeno. Aylin desce um degrau, apontando para mim empenhada e me condenar. — Escutem! Ela não está usando essa barba de verdade. Eu a vi... eu vi com os meus próprios olhos e ouvi quando Baruk a chamou de Kayra em uma conversa. Ela estava colando a barba na pele, estava usando lentes e ela força essa voz... acreditem! — Ela se esforça. — Eu vi! — Ela insiste. — É tudo uma farsa... é fingimento. Fomos enganados por todos esses anos... Baruk! Os meus olhos correm para ele no meio da multidão. O seu rosto está pálido. As mãos tremem discretamente ao lado do corpo. Ele não diz nada. Não consegue. Nós jamais imaginaríamos que isso ocorreria, muito menos dessa forma. Três homens do Conselho se aproximam de mim. Os seguranças estão ao redor. Sinto o meu corpo congelar, mas me forço a manter a postura. — Eu disse que é mentira! — Eu grito, tentando manter a pose, mas minha voz cede ao medo. — Se afastem! Tirem-na daqui... anda! — Tento dar a ordem. Estou temendo por dentro! Os homens se aproximam, mas é de mim. Um segura meu braço, o outro vem até meu rosto e o medo triplica. — Não ousem! — Eu tento recuar, mas estou cercada. Eles puxam. A cola da barba cede e a pele arde trazendo um amargo sabor da ardência com sangue. Sinto o ar entrar na minha pele nüa quando o falso rosto de Emir começa a se desfazer. Eles rasgam parte da minha roupa, puxam toda a barba e retiram até os sapatos. Um deles abre o meu paletó e, em segundos, desfaz os botões da camisa. O salão se contorce. Gritos. Confusão. Mãos cobrem bocas. A faixa apertada no meu peitö é revelada, toda enrolada em volta do meu corpo. A verdade está exposta. Já era! Eu perdi. Os meus olhos estão ácidos, mas eu não choro. Eu não vou dar esse prazer a eles e nem a ela. Tem um nódulo enorme na minha garganta e bem aqui, eu junto toda a minha ira que acumulei nesses anos. — Eu sou Kayra Selik. — Digo, sem mais fingimentos. Minha voz, agora limpa, ecoa no salão e eu me solto brevemente. — E por cinco anos, eu governei essa organização com honra, coragem e competência. Nenhum de vocês desconfiou. — Aponto para ao redor. — Nenhum teve coragem de me desafiar e eu sendo mulher, fiz mais do que muitos de vocês... muito mais que vocês, homens da organização. Eu tenho pulso para isso, porque eu tenho o sangue do meu pai nas minhas veias... — Falo dando um tapa no meu pulso. O silêncio volta. Mas é um silêncio de nojo e de julgamento que tem de todas as direções. Acabou-se o respeito e a tolerância. Acabou tudo que eu construí. — Traidora! — Berra um homem do conselho. — Profanadora da tradição! Sua imunda! Outros se juntam. O presidente do Conselho se levanta e me encara com todo desprezo. — Desgraçada! Desonrou as tradições... — Ele cospe em mim. — Merece morrer! — Tudo só piora de vez. — Kayra Selik, você é declarada inimiga das nossas leis e da nossa cultura. É uma afronta viva à tradição que juramos proteger... é uma vergonha! Uma traidora! — O meu corpo estremece. Os meus punhos cerram e respirar é a tarefa mais árdua. Aylin volta ao palco. Ela ergue o queixo e se mostra triunfante. Ela está saboreando a minha condenação bem aqui. Ela não tem remorso algum e nenhum tipo de recusa. Ela sorrir e sorrir largo. — Por tradição, o trono deve passar para o homem mais próximo da linhagem. — Ela sorri, colocando a mão no ombro do marido. — E esse homem é meu esposo. Pela lei, eu sendo uma Selik, ele pode governar já que é o próximo na linhagem. Eu a encaro. O veneno que escorre dos olhos dela é a confirmação de tudo. Ela planejou isso. Esperou por anos. Ela só queria uma oportunidade e eu dei sem perceber. Eu errei! Em algum momento, eu deixei algo passar e entreguei tudo a ela de bandeja. Como isso aconteceu? — Você é culpada. — Ela diz. — E será punida como tal... — Essa ordem é dada pelo conselho ainda. — O líder fala. — O poder ainda não foi passado, mas antes disso... levem-na! Tirem-na daqui agora mesmo... — NÃO! Esperem... e-eu fui fiel à organização e... — Ninguém ouve. Estou ferrada!
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