Kayra Selik – Emir Selik
O salão está lotado. Luxuoso, como sempre. Tapetes vermelhos, ouro nas colunas, os homens engravatados em elegância e poder, as esposas enfeitadas como troféus. Cada passo meu é feito com cuidado e eu sou cumprimentado sem parar. Tem hora que eu até me esqueço que sou mulher e é nessas horas que eu finjo mesmo esquecer.
Uma voz errada e já era!
O meu lugar é o de sempre, ao centro e em destaque como líder de honra. Eu caminho entre eles com postura firme. Recebo cumprimentos. Alguns me reverenciam com um aceno de cabeça e outros me olham com desconfiança silenciosa. É isso que me deixa nervosa.
Um dos conselheiros se aproxima. Ele é elegante, firme, com o sorriso estudado de quem já espera aceitar respostas de qualquer “homem” que se destaque na família.
— Emir Selik! — Ele diz, ligeiramente curvado. — Gostaria de lhe apresentar alguém. Uma jovem promissora, excelente linhagem, beleza rara. Seria ideal para unir as nossas famílias.
Meu peitö aperta. A faixa comprime mais do que o normal, lembrando-me que não posso vacilar. A moça sorri satisfeita, confiante de que está prestes a selar um acordo vantajoso, mas não sabe que está lidando com Kayra, não com Emir.
Antes que eu possa reagir, outro homem intervém.
— Antes de Selman Selik morrer, eu estava perto de um acordo com ele. Quase certo de que a aliança aconteceria… — Eu estreito os olhos.
Sorrio com amargura por dentro. Falso e mentiroso. Nem mesmo sabiam da existência de Emir antes da morte de meu pai. Mas eles acreditam. É a ilusão que preciso manter para controlar o jogo.
— Hoje não resolvo nada disso! — Digo firme, desviando o olhar. — Estou aqui apenas para participar do casamento. O restante será discutido depois... vou apenas... observar!
Eles se calam, surpresos, mas respeitam a postura de Emir. Ninguém ousa desafiar o filho de Selman Selik, e é isso que me mantém viva.
Mesmo assim, meu coração acelera. Eu sei que cada palavra, cada gesto, será analisado. Um passo em falso e a farsa cai. Cinco anos de silêncio e sacrifício, escondendo Kayra sob a máscara de Emir, podem desaparecer em segundos.
— Lembre-se... — Baruk sussurra quando nos afastamos discretamente. — Observe, aprenda, não reaja. Eles não sabem nada… nada ainda. Você tem essa vantagem!
Respiro fundo, ajusto a gravata, os sapatos, a postura. O salão é minha arena, e eu preciso parecer mais do que um líder. Preciso parecer impenetrável, imortal.
Mas por dentro, a Kayra grita. Ela quer fugir, gritar, revelar tudo. Quer chorar. Quer sentir o ar livre, sem a farsa que sufoca cada músculo, cada osso, cada pensamento.
Mas não dá.
Hoje, vou me manter firme. Hoje, vou respirar fundo. Hoje, vou ser Emir Selik mais uma vez. Mas cada segundo me lembra do preço que paguei. Cada gesto, cada sacrifício, cada mentira… tudo isso me afasta de quem eu realmente sou.
E eu sei que não posso fraquejar. Não hoje.
A cerimônia começa. Tem os discursos, depois tem os votos e por fim, bênçãos falsas. É a mesma regra de sempre. Um dos nossos está se casando com a filha de um dos conselheiros e esse tipo de casamento fortalece o ciclo interno. É raro ocorrer um casamento fora do nosso clã. Mas, ocorre.
Vejo a minha irmã, Aylin, sentada ao lado do marido. Linda e falsa, como sempre. Eu admito. Ela nasceu com a beleza maior e ela sabe bem disso. Aylin tem a pura elegância de uma mulher da organização. Sabe se vestir, se portar, sabe se controlar e sabe observar.
Os nossos olhos se cruzam por um segundo e ela sorri de um jeito bem estranho. Eu devolvo o gesto com a frieza que construí ao longo desses anos. Ela não sabe e não pode saber. Ela me destruiria no mesmo segundo e essa é uma das maiores certezas que eu tenho na minha vida.
Nunca nos damos bem e a maior raiva dela era o meu relacionamento com o meu pai. Nosso pai, no caso. Ele passava muito mais tempo comigo, me protegia e me levava aos lugares, mas ela não tinha interesse e isso os afastava. Então, ficou com inveja. Sempre brigávamos, ela inventava tanta coisa e criava tanta cena que uma vez, o nosso pai a surrou sem pensar duas vezes.
E a surra foi feia!
Depois disso, ela criou um ódio e cada uma ficou no seu lugar. Isso a deixou com mais ódio de mim e desde então, nunca tivemos um diálogo normal e ela comemorou a minha “fuga” ou “morte”. Eu vi!
E sobre eu sendo Emir, ela também pegou ódio quando eu arranjei o seu casamento. Mas, foi estratégico e ainda pensei bem em alguém que pelo menos a tratasse bem. E ela tem. Porém, ela é o veneno daquele matrimônio.
O casamento aqui é finalizado e os brindes começam. As mesas se abrem, a música preenche o ambiente e há risos e comemorações. Eu me afasto discretamente, como sempre faço. Não gosto de festas. Não gosto de gente demais.
Quero ir embora.
Mas, Aylin bate a sua aliança na taça e sobe no pequeno palco com o marido ao lado. Isso não estava planejado. O jeito dela de sorrir demais e de olhar com expressão de conquista, me deixa em alerta.
— Parabéns ao casal! — Ela diz com voz alta e clara. — E parabéns à nossa grande família Selik, que há cinco anos está sob a firme liderança de um homem honrado e destemido.
Todos aplaudem, mas eu fico imóvel. Tem alguma coisa ali.
Ela continua. O marido segura o seu braço com um sorriso estranho no rosto.
— Mas... esta noite tão especial não termina por aqui. — Ela gira o rosto na minha direção. — Tenho uma surpresa. Uma revelação, na verdade, de algo que pode… mudar tudo.
Um arrepio sobe pelas minhas costas e a minha garganta seca.
Ela sabe!