Capítulo 3

1492 Palavras
Alex, sentado na cozinha, tomava o seu café. Ouviu a mãe gritando lá de dentro: - Vai perder hora Alex! Leva o seu irmão. - Respondeu: - Tá bom, mãe! Saiu pisando duro, enfiando o pão na boca. Pensava: " Tá, além de tudo tenho que pajear o capeta. Tudo bem. Pra começar o dia bem ferrado. Esse moleque não obedece. Vou ter que dar uns cascudos nele.  O caderno da Jéssica. Meu Deus, se eu não levar isso ela vai me matar. Tá, já coloquei na mochila. Café com pão. Como era aquela poesia que a professora cantava na pré-escola? Café com pão café com pão café com pão, Virgem Maria, o que foi isso maquinista? Ele nunca tinha visto um trem. Mas deveria ser legal andar em um. Que merda, vou perder hora."    O aluno novo era o assunto do dia. Todo mundo dizia que ele era um drogado, um vagabundo, um desocupado. Desocupado não era, a irmã do Mateus já tinha visto ele trabalhando no mercado da rua de baixo. Ele trabalhava sim. Mas e os pais? Era ele quem tinha vindo fazer a matrícula. A Carol estava na secretaria no dia que ele veio e tinha ouvido a conversa. Tinha mais de 20 anos. Com certeza era repetente. Com certeza devia ser burro. Um i****a. Mau elemento. Não valia a pena perder tempo com ele. Mas todo mundo ficava olhando. Alguns até cumprimentavam.   Alex olhou o colega disfarçadamente. Daniel estava sentado, batendo a caneta na carteira com um ar entediado. Parecia estar ali meio obrigado. "Grandes coisas", Alex pensou "quem de nós não está na escola obrigado". Calça jeans preta, surrada. Tênis All Star preto, que já tinha andado muito por aí. E uma camiseta branca, mas com a cara inconfundível do Jim Morrison estampada nela. Alex ficou espantado. Como que a inspetora tinha deixado o rapaz entrar sem a camiseta da escola, ele não fazia a menor ideia. Mas lá estava ele, bancando o bad boy, e ainda por cima tinha bom gosto musical. "É isso aí", pensou Alex, "no recreio vou falar com ele, duvido que mais alguém daqui da escola goste de Doors, e pelo menos vou poder falar sobre as bandas que eu gosto com alguém".   Esperou o intervalo. O outro estava sentado em um canto afastado do pátio, acompanhando com o canto do olho os grupos que iam e vinham. Quando era um grupo de meninas e passava por ele, elas sempre davam risadinhas. Às vezes Daniel correspondia as risadinhas, às vezes não. Segurando uma lata de refrigerante e um pacote de salgadinho, Alex sentou do lado dele. Apresentou-se: -E aí cara? Firme?  -Beleza.  - Alex.  - Daniel.  Alex estendeu o pacote de salgadinhos:  - Pega aí cara.  - Não, muito obrigado.  Depois disso Alex criou mais coragem. Afinal, tinha ido lá pra isso mesmo: - Mano, deixa eu te perguntar. Tu curte The Doors? - Gosto pra c*****o cara. Você conhece?   Não viram o recreio passar. Logo tocou o sinal. Entraram ainda debatendo se Joy Division era melhor que New Order. Daniel achava que nunca existiria ninguém no mundo melhor que Ian Curtis. Já Alex achava que o Bernard Sumner estava mandando bem. Não entraram num acordo até a hora de cada um se sentar na sua carteira. No fim das aulas, o papo continuou. E os dois se sentiam empolgados. Um estava pensando a respeito do outro: "Finalmente alguém que entende do que eu tô falando."  Daniel não queria ir embora. Mas a hora estava passando, e Seu José não tolerava atrasos: - Até mais mano, ainda vou trabalhar. - Cara da hora te conhecer. Até amanhã então. - Até.  Jéssica tinha observado tudo de longe. Pela primeira vez em anos, ela se viu sem ter com quem conversar no recreio. Acabou se atrasando na saída para conversar com a dona Helena, sobre a prova de História, e quando saiu no pátio, o que viu? Alex, o seu melhor amigo, o seu único amigo, de papo com o menino novo! Isso era inacreditável. Porém, ela não podia ir lá se intrometer no papo dos meninos. Eles poderiam estar falando sobre qualquer coisa. E obviamente que ela não seria convidada a se juntar ao papo. E não seria bem-vinda. Ficou ali por perto, observando. Alex não olhou pra ela nem uma vez sequer. Era como se ela não existisse. Jéssica não podia acreditar. Não conseguia entender de onde os dois tinham tanto assunto. Mas eles tinham, e lá estava ela deixada de lado. Aquilo não podia ficar assim. Ela tinha que fazer alguma coisa. Não conseguiu prestar atenção na aula, e quando bateu o sinal correu para o portão. Mas ainda assim teve que esperar o drogado cair fora. Ele não queria largar o osso tão facilmente. Mas quando ele saiu, ela não esperou nem mais um minuto: - c*****o Alex, eu não acredito que justamente você foi fazer amizade com o drogado. Pelo amor de Deus, você tá louco? Como que você tem coragem de chegar perto de um cara desses? Um marginal! A gente nem sabe quem ele é! Imagina se a sua mãe fica sabendo. Pára com isso!  - Nossa você deve estar muito brava, até falou palavrão. - Não muda de assunto! - Cara tou te estranhando, qual é o seu problema com o cara? Que que ele te fez? - Não fez nada, mas eu sou tua amiga e quero o teu bem. E não gosto de ver você andando com gente que não presta. Isso não vai dar certo. Pensa bem. Você ainda vai arrumar encrenca com isso. - Não fala assim de uma pessoa que você nem conhece. E ele trabalha, não é um vadio que fica o dia inteiro sem fazer nada.- "Como eu", pensou - Olha, vamos dar uma chance pro menino. - Fale por você. Eu não tenho a menor vontade de conversar com ele. Roqueiro ainda por cima. Ah, é por isso que você gostou dele!   Alex sacudiu os ombros. Já estava ficando impaciente.    - Tá, Jé, deixa pra lá. Não precisa falar com ele se você não quiser. Mas eu vou trocar ideia com ele sim. Nunca entra ninguém legal nessa merda de escola. - Nossa, você é cabeça dura mesmo. Vai acabar se metendo em confusão por bobeira. - Alex estava ficando irritado. E não ia concordar com ela. Jéssica percebeu e mudou de assunto. Não adiantava bater de frente com ele. - Mas e aí, já falou com o professor pra refazer a prova que você perdeu ontem? - Nossa, nem fui ver isso cara, esqueci de perguntar. - Ah claro. Tava muito ocupado trocando ideia com o drogado. - Pára com isso. Olha, vou indo. Ainda tenho que pegar meu irmão na escola dele. - Também vou embora. Então tchau!   Alex ficou observando ela se afastar, pisando duro. Jéssica nunca tinha sido assim, nem quando ele repetiu de ano. Perguntava a si mesmo: "O que foi que deu nela?" Mas paciência. Jéssica era passado. Agora Alex tinha coisas mais interessantes pra se preocupar. O menino novo. Daniel. finalmente Alex teria um amigo. Não que Alex não gostasse de Jéssica, mas ele gostaria de ter um amigo. Gostaria de Conversar coisas de meninos. Gostaria de falar sobre garotas. Falar sobre carros, bebidas. Coisas sobre as quais ele não poderia conversar nunca com Jéssica. E Daniel parecia saber de todas essas coisas, com aquele jeito de menino rebelde. Melhor ainda: tinham se dado bem. Por que não? Tinha tudo pra dar certo. Poderiam sair de noite, andar por aí. Alex já tinha 18 anos. Sua mãe não poderia impedi-lo de nada. Seria tão legal, finalmente ele seria um adulto. Sairia da "barra da saia da mamãe", como os caras mais velhos falavam pra ele. Ele m*l podia esperar.   Daniel entrou no quartinho onde morava. Jogou os cadernos no colchão onde dormia, com um suspiro de alívio. Até que tinha ido tudo bem afinal. Estava na hora de ir trabalhar. Nem deu tempo de comer um pão direito. Devia ter aceitado o salgadinho do moleque. Como era mesmo o nome dele? Ficou tentando se lembrar. "Alex". Era um bobão, Daniel podia ver. Mas parecia inteligente. E era melhor um bobão do que um metido a espertão, que Daniel já estava cheio desses tipos. E parecia que entendia de música, que gostava das mesmas bandas que ele. Só aí eles já teriam muito o que conversar. Esse menino com jeito de riquinho, deveria ter um monte de discos em casa. Daniel poderia gravar umas fitas. Seria legal, pra variar. Alguém diferente. Uma amizade diferente. "Um menino decente", como diria a mãe dele. "Olha aí, mãe", Daniel pensou. "estou estudando, trabalhando e tenho um amigo. E você pensou que eu não iria dar em nada". Uma hora. Daniel estava sem tempo. Era melhor se apressar, se não queria Seu José na cola dele. Ainda dava tempo de fumar um cigarro no caminho. 
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