Capítulo 4

4150 Palavras
DESCOBERTAS DOLOROSAS Me sinto como um animal enjaulado andando de um lado para o outro dentro desse apartamento. Já fiz tudo o que pude para ocupar o meu tempo e a minha mente enquanto aguardo o horário combinado para esse encontro. Mas confesso que estou acordado desde as cinco da manhã. Fiz uma corrida matinal, malhei quase duas horas na academia do hotel, tomei um banho demorado e mergulhei no trabalho, mas parece que a p***a do relógio não está colaborando comigo. A noite já não foi tranquila como eu esperava que seria. Simplesmente tive que secar uma garrafa de uísque para poder apagar literalmente e aqui estou eu, andando no meio do amplo quarto de hotel, com uma garrafa de sauvignon em uma mão e um buquê de rosas vermelhas na outra. As suas preferidas. Penso movido pelo amor adolescente que um dia senti por ela. Volto a olhar o meu relógio de pulso e bufo irritado quando vejo que ainda são dez da manhã. Começo a repassar em minha mente as perguntas que não querem calar. Onde está a minha pérola? Esta será a primeira do meu itinerário. A saudade é tão grande que chega a me consumir por dentro, mas o receio de que ela tenha outra pessoa em sua vida me deixa sem estrutura. Não importa. Eu sei que um amor como o nosso jamais morre, ele ultrapassa barreiras e é exatamente por isso que estou aqui. Fecho os meus olhos reprimindo a dor do passado. Se eu não tivesse sido tão rancoroso, teria voltado ao Brasil antes e tudo já teria se resolvido. Como eu pude me deixar levar pela conversa de minha mãe? Eu sempre soube que Enrico faria de tudo para nos separar.  — Preciso falar com a Rose — disse dando alguns passos decisivos em direção da porta do meu quarto. Minha mãe se posicionou na minha frente, impedindo a minha passagem.  — O que está fazendo? — perguntou apreensiva. — Querido, eu preciso te falar uma coisa antes. — Notei que ela sentia receio e desviou o seu olhar por uma questão de segundos.  — O que foi mãe? — indaguei preocupado e ela hesitou.  — A Rose... ela se foi, querido — falou com uma determinação que eu desconhecia. A encarei confuso, com medo. Como ela sabia de nós dois?  — Não — falei com um tom firme. — Ela não faria isso comigo. — Dona Giovanna voltou a me olhar nos olhos, dessa vez com uma firmeza assustadora.  — Mas ela fez. —Sua voz tinha a mesma dureza que o seu olhar. Senti o meu chão ser puxado de debaixo dos meus pés, mas me mantive impassível.  — NÃO! — bradei com desespero, a empurrando para que saísse do meu caminho e corri pelo longo corredor, descendo as escadas com pressa, para logo alcançar o lado de fora da casa. Próximo a pequena casa, encontrei Josué, seu pai cuidando dos jardins do casarão. Tomei a liberdade de me aproximar dele, mas Josué parece não notar a minha presença.  — Onde está a Rose? — perguntei sem rodeios. O homem ergueu o seu corpo, tirando as luvas sujas e me encarou sisudo.  — Ela não está aqui, rapaz. — Seu tom seco e rude era palpável.  — Onde? — insisti sem esconder a minha irritação. Seu olhar correu imediatamente para a janela atrás de mim. Eu segui a direção dos seus olhos, encontrando o meu pai em pé, olhando nós dois através dos vidros transparentes. Voltei a encará-lo.  — Não tenha medo, Josué. Só me diga onde ela está — pedi, mas sabia que era em vão. Enrico Fassini era conhecido por seu punho de ferro e por manter seus empregados no cabresto. Josué respirou fundo e me olhou nos olhos. Por um instante achei que falaria, mas me enganei profundamente.  — Não sei patrão. — Meneou a cabeça. — Ela só disse que precisava ir. — Senti como se tivesse levado uma bofetada violenta na face... Sou despertado pelo som do meu celular e respirando fundo, deixo o vinho e as flores sobre a mesa e o atendo friamente quando vejo que se trata do meu sócio e vice presidente da Fassini`s.  — Fala, Alfred.        — Olá, querido sócio! — diz como sempre com seu tom descontraído. Não suporto a alegria expansiva desse cara. Ele nunca chora, nem se aborrece?  — Não tenho tempo pra suas brincadeiras, o que você quer? — inquiro com o tom ríspido de sempre.  — O magnata — diz me fazendo bufar de antecipação.  — Alexander, o que tem ele?  — Parece que ele tem um impasse com o contrato. Ele quer refazê-lo. —Solto um suspiro audível. Definitivamente não tenho cabeça para os negócios agora.  — Mande a nova proposta por e-mail, vou analisar e depois voltamos a conversar.  — Não prefere resolver isso diretamente?  — Não dá, preciso de mais tempo aqui. — Alfred faz silêncio por um curto espaço de tempo.  — Você é um mistério, Edgar Fassini — resmunga.  —Terminamos? — Dou-lhe a deixa para encerrar a conversa.  — Por enquanto s...  — Ótimo! — O corto e desligo. Volto o meu olhar para o relógio banhado a ouro dezoito quilates e me animo um pouco ao ver que faltam poucos minutos para as onze. Não é o horário ideal, mas não posso esperar nem mais um segundo. Pego tudo o que preciso e saio do hotel coberto de uma ansiedade que chega a escorrer por meus poros. No carro, fixo os meus olhos do lado de fora, mas em nada exatamente, pois estou com meus pensamentos preenchidos demais e durante o trajeto, uma loja me chama a atenção.  — Pare o carro, Charles. — Peço surpreendemente com um tom baixo e acho que até emocionado. Observo a fachada colorida, com ricos detalhes infantis e decido comprar alguns presentes para os meus netos. Entro na loja olhando para todos os lados e sem saber exatamente o que levar, nunca estive com crianças antes, então não faço a menor ideia do que comprar pra elas.   — Posso ajudá-lo, senhor? — Uma jovem usando um uniforme da loja me pergunta assim que se aproxima.   — Ah, eu preciso de três presentes. Dois para meninos e um para menina — falo olhando as prateleiras cheias de brinquedos coloridos, de formatos e tamanhos diferentes. Ela sorri.   — Qual a idade deles? — Dou de ombros, arqueando as sobrancelhas de forma sugestiva.   — Acredito que tenham entre sete e oito anos.   —Tem alguma preferência? — pergunta e eu começo a me sentir impaciente. Se eu tivesse alguma ideia, não aceitaria a sua ajuda, certo? Tenho vontade de dizer.   — Eu definitivamente não faço ideia.   — Ok, vejamos. — A garota se põe a andar pela loja e eu sigo logo atrás dela. Paramos na cessão de jogos eletrônicos para os garotos e para a menina, uma cozinha completa da Barbie... Seja lá o que isso for isso. Acato a sua sugestão e acabo comprando um pouco mais do que devia. Minutos depois, volto para o carro e Charles põe as compras dentro do porta malas. Falta metade do caminho para chegar a sua casa. Ansioso, eu fecho os olhos e tento não surtar. Momentos depois o carro para em frente aos portões altos e largos e a ansiedade se sobressai me fazendo suspirar feito um garoto em plena puberdade. O coração chega a pular com violência, me roubando o ar. A verdade é que eu me sinto um garotinho assustado. Nunca em toda a minha vida me vi assim. É como se estivesse preso dentro de um globo de cristal, que pode cair a qualquer instante e se estilhaçar me levando junto a destruição.                   Saio do carro assim que ele estaciona em frente a enorme casa e observo a bela e sofisticada mansão, respirando o ar que carrega o perfume das flores do lindo jardim. Há um belo visagismo aqui. Em um canto pouco afastado da casa tem parquinho colorido bem no meio do belo jardim. A fachada da casa é toda em vidro escuro, com poucas paredes de concreto. É uma bela casa! Penso. As portas duplas de vidro se abrem e a minha filha passa sorridente por ela. “Minha filha” como é gostoso dizer isso e Deus, como se parecem tanto assim? É como se eu visse a minha pérola n***a vindo para os meus braços a vinte anos atrás. O diferencial é que tenho por Ana um amor totalmente paternal, então eu me pego sorrindo e indo ao seu encontro. Em meio ao seu abraço, vejo o seu marido vir logo atrás. Eu me afasto e lhe entrego o vinho e Luís me estende a sua mão.   — Seja bem-vindo, Edgar! — diz assim que a seguro com um aperto firme.   — Obrigado, Luís! — Noto o olhar da minha filha fixos nas rosas e automaticamente fico meio sem graça.   — Eu trouxe brinquedos para as crianças — sibilo, limpando minha garganta de nervoso e ela sorri.   — Não precisava se preocupar — Ana diz baixinho e eu forço um sorriso.   — Eu não sei se acertei na escolha, não entendo muito de crianças — confesso.   — Vamos entrar. — Luís convida, levando a mão na cintura da minha doce Ana e eu concordo com um aceno de cabeça.   — Claro. — Entramos na ampla casa sofisticada, com móveis modernos e automaticamente meus olhos varrem o lugar a sua procura, mas começo a sentir uma tristeza me preencher quando percebo que ela não veio.   — Posso pôr as rosas em um vaso? — Ana pede solicita, estendendo suas mãos para segurá-las. Suspiro engolindo em seco, mas não as entrego.   — Onde ela está, ela não veio? — Deixo as perguntas escaparem de minha boca. Ana parece um tanto confusa.   — Desculpe, de quem está falando? — indaga ainda atônita.   — De sua mãe. — Esclareço e seus olhos parecem espantados e logo em seguida marejados. Volto a engolir em seco.   — Você não sabe — sussurra. Olho para minha filha em silêncio por um tempo. Medo, eu acho, de ouvir que finalmente seguiu em frente, que encontrou um novo amor e que não quis me ver.   — O que eu não sei, Ana? — Não reconheço a minha voz, que soa receosa e estremecida.   — Ah, vamos nos sentar. — Luís pede, apontando os sofás aveludados e parece um tanto apreensivo. — Deseja beber alguma coisa, Edgar? O almoço será servido em alguns minutos. — Ele desconversa. Porém não dou atenção ao que está falando, pois os meus olhos estão atentos às emoções da minha criança.   — Ana?  — insisto. Ela parece pensar nas palavras certas.   — Ela... ela faleceu. — Meu mundo parece girar fora de órbita e suas últimas palavras parecem se repetir várias e várias vezes dentro da minha cabeça, como se fosse um maldito eco. Não estou bem, é como se uma mão imponente rasgasse o meu peito e alcançasse o meu coração, o apertando com tanta força, fazendo-o sangrar sem nenhuma compaixão. De repente não consigo mais respirar e minha cabeça não para de girar. Estou completamente sem chão. — Pai? Pai por favor respira. Pai por favor! — Sua doce voz parece tão distante. Sinto alguém me puxar e no segundo seguinte estou sentado no sofá. Ela se foi... Ela se foi e eu não tive se quer a chance de me despedir. Como pôde fazer isso comigo? Como pôde ir e me deixar assim?   — Beba isso, Edgar. — A voz do Luís me desperta. — É conhaque, vai te ajudar — diz. Ele não tem noção. Nada pode me ajudar agora. Eu fui proibido de amar e de ser amado, extraíram de mim a essência e agora ela se foi... a minha pérola n***a se foi.   — Eu sinto muito, pai! — Sua doce me embala. Então eu percebo que nem tudo está perdido. Rose se foi, mas me deixou o fruto do nosso amor. Tomo a bebida que me foi dada em um único gole, o líquido desce queimando, me aquecendo por dentro e logo começo a sentir o alívio das minhas emoções se controlando. Definitivamente, Enrico venceu essa guerra, mas jamais permitirei que me derrube na batalha final.   — Como está se sentindo, pai? — Minha filha pergunta preocupada.   — Melhor, onde estão as crianças? — Mudo de assunto.   — Ah, elas não estão aqui. Desculpe, pedi que as levasse a casa de uma amiga...   — Mônica Sampaio — Digo a interrompendo e ela abre um meio sorriso. É, eu fiz a minha tarefa de casa.   — Sim, assim podemos conversar mais à vontade. — Concordo.   — Me fale sobre ela, Ana — peço e minha garotinha suspira.   — Ela faleceu a oito anos. Um câncer no colo do útero a matou. Não foi fácil tudo o que passamos...   — Eu imagino que não — falo soltando uma respiração audível. — Eu confesso que tinha esperança de vê-la. Nós passamos por tanta coisa juntos ou melhor dizendo, separados. Eu não entendo porque nunca me procurou. Todos esses anos eu nunca soube de você.   — Eu só descobri a sua existência no dia de sua morte. Depois eu passei por tantas coisas que...  — Ana sorri sem vontade. Linda, minha filha é linda! Queria ter assistido a sua infância, ter escutado as suas primeiras palavras. Deus, eu perdi tudo, mão me restou nada! — A pouco tempo pensei nela de uma forma mais intensa e me lembrei das suas palavras no leito de morte. Não deu tempo de ela me falar muita coisa, então... — Minha bebê seca as lágrimas que escapam dos seus olhos. — Contei para o meu marido o que ela havia me falado e Luís resolveu investigar por conta própria e, meu Deus! — Ela sussurra as últimas palavras. — Quando eu descobri o seu nome e que os meus avós ainda estavam vivos. — Ela para de falar abruptamente e me encara. — Desculpe, eu soube da sua mãe. — diz com pesar. Eu assinto lentamente.   — Foi por causa dela que eu comecei a procurá-la. Eu juro, Ana, eu não sabia de nada.   — Eu acredito.   — O almoço já está servido. — Uma senhora uniformizada avisa, entrando na sala.   — Obrigada, Délia! — Ana diz. — Podemos falar sobre isso depois? — sugere.   — Claro, filha.                          ********                    Durante o almoço falamos sobre o trabalho da Ana. Ela é arquiteta e tem paixão pelo que faz e eu me vi orgulhoso da mulher que ela se tornou. Falamos sobre as crianças, sobre os seus amigos e de como Luís a amparou no momento que mais precisou. É palpável o amor desses dois. Talvez eu tenha perdido o meu grande amor, mas ganhei um bem maior, um tesouro que não tem dinheiro no mundo que me pague. Ao término do almoço, voltamos para sala de visitas. Em algum momento Luís nos deixou a sós e foi para o seu escritório particular em sua casa. Enquanto a Ana e eu devoramos alguns álbuns de fotografias, que estavam espalhados ao nosso redor no tapete felpudo e acompanhados de duas taças de vinho. Ela me mostrou fotos da sua infância, na maioria delas está ao lado de Rose. A minha eterna Rose. No meio das imagens me deparei com uma foto dela sorrindo para a câmera. A minha pérola n***a.   — Essa foi tirada um mês antes de descobrirmos a sua doença. — Minha filha informa melancólica.   — Sua mãe era o meu tudo, Ana. — falo sem tirar os meus olhos da foto.  —Eu sei que éramos jovens demais. — Sorrio para sua imagem. — Ela tinha apenas dezessete anos e eu já estava perto dos vinte, mas queríamos muito ficar juntos. Nós tínhamos feito planos. — Eu olho para minha filha que parece tão emocionada quanto eu. — Posso ficar com essa? — peço.   — Claro pai, ela é sua. — É tão bom ver que me aceitou tão rápido! Eu não imaginava que seria assim. Penso.   — Obrigado, filha! — A puxo para um abraço e na sequência beijo o topo da sua cabeça e inalo o seu cheiro. Deus, não queria soltá-la nunca mais, mas ela se afastou e vejo que há mais lágrimas em seus olhos. Respiro fundo. Não quero tornar o nosso primeiro encontro um mar de lágrimas. — Agora quero ver as fotos dos meus netos. — Mudo o rumo da história, abrindo um enorme sorriso satisfeito e ela faz o mesmo.   — Aaaaah, essas eu tenho de montão. — Ela brinca me fazendo rir ainda mais. — Desde o nascimento até os dias de hoje. Luís se tornou um fanático por fotos. Ele tira fotos dos filhos até fazendo xixi. — Suas palavras animadas me arrancam algumas gargalhadas. Ela dá uma risada alegre, que chega a encher a minha alma e me contagia. Realmente, há uma quantidade exorbitante de fotos aqui. Bebês nus, sorrindo, babando, no banho. Toda uma história contada através das imagens. Também há fotos atuais das crianças. Na escola, praticando algum esporte, entre os coleguinhas. Eu praticamente vivi as suas histórias através de cada fotografia. Imagens da gestação da minha filha... Deus isso não tem preço.   — Você ficou linda de grávida, Ana! — comento admirando o barrigão. O próximo álbum fora o do seu casamento. A minha Ana vestida de noiva, com uma barriga de quase oito meses e algumas de viagens também. — Vocês foram a Alemanha? — Questiono admirado.   — Sim.   —Caramba, tão perto e ao mesmo tempo tão longe! — comentei.   — Verdade. — Depois de mais de duas horas de uma sessão de fotos, Ana pediu licença para ir buscar algo no segundo andar da casa. Minutos depois ela desceu as escadas com uma caixa grande nas mãos. — Isso é pra você, selecionei as melhores — falou, me estendendo a caixa branca, enfeitada com laços de fitas vermelhas e eu a segurei com curiosidade. Ansioso demais, me sentei no sofá, colocando a caixa em meu colo e puxei o laço de fita e em seguida abrindo a tampa. Respirei fundo admirado. Na verdade estou maravilhado, emocionado. Definitivamente minhas barreiras não são mais as mesmas. Penso. Tiro de dentro da caixa um álbum grande, n***o e aveludado, que tem alguns detalhes dourados na capa. Abro o álbum e me surpreendo ao ver que quase todas as fotos que acabamos de olhar estão aqui. Pego a foto de Rose e ponho na moldura da capa, acariciando sua imagem em seguida. Ana sorri emocionada e eu a beijo na testa, a abraçando novamente e digo as palavras que estão saltando da minha boca.   — Eu te amo, filha! — Ela chora e rir ao mesmo tempo.   — Também te amo, pai! — E essas palavras deram um novo sentido a minha existência. No final da tarde às crianças chegam e a casa logo se encheu de alegria.   — Então você é nosso vovô?  — O garoto Jonathan pergunta meio confuso. Olho para Ana e ela faz um sinal sútil para que eu diga algo.   — Sim, eu sou.   — E porque nunca te vi antes? — O espertinho questiona.   — Porque o vovô estava fora do país e eu só cheguei ao Brasil a poucos dias.   — E onde está a vovó? Você é casado, não é? — Cristal pergunta com seus olhinhos escuros e curiosos. Fico sério de repente, mas logo desfaço a minha cara triste e lhe explico da melhor maneira possível.   — A vovó não está mais aqui, Cristal. Ela virou um lindo anjo e... ela, foi morar no céu. — A garotinha fez um olhar triste e me inesperadamente ela me abraçou. Definitivamente não estou habituado a isso. Eu sempre fui desprovido desse tipo carinho, avesso a abraços, mas por incrível que pareça, me deixo levar.   — Quer brincar no parquinho, vovô? — Jonathan se anima.   — Crianças não, o vovô...   —Claro que sim — respondo empolgado, interrompendo a minha filha. Isso é muito f**a, cara! Sempre me mantive longe de crianças. Não sei, talvez por causa do meu jeito carrancudo, sempre rígido e firme, do tipo que não baixava a guarda por nada e nem pra ninguém e agora isso. Estou me sentindo envolvido, amado e desejado pela primeira vez depois de tanto tempo. Ana vai para a cozinha preparar algo para o lanche da tarde e eu e as crianças vamos para o parque no Jardim da casa. Em meio as risadas, correrias e balanços, me sinto uma criança outra vez. Junto com os meus netos subo as escadas que levam para uma casinha colorida e de lá desço o escorrego com o pequeno Caio em meu colo e por fim brincamos um pouco de futebol. Um inesperado final de tarde cheio de risos e de descontração. Esgotados, caímos na grama e ofegantes encaramos um céu alaranjado e com poucas nuvens. A porta da casa se abre e Ana passa por ela acompanhada de Delia, trazendo algumas bandejas e sucos, depositando tudo em cima de uma mesa redonda no jardim e as crianças correm imediatamente pra ela.   — Precisam lavar as mãos crianças. — Ana avisa e eu fico sentado na grama admirando o seu jeito de falar com elas. Minha filha é uma mãe carinhosa, amorosa, assim como dona Giovanna era comigo. Ainda não consigo entender o porquê que ela fez tudo aquilo comigo. Participou de um jogo sujo e sórdido, não pensou em minha felicidade, tão pouco no que eu realmente queria. Os gritos eufóricos dos meus netos me despertaram dos meus pensamentos melancólicos e eu percebi que o dia já está se acabando e que eu terei que voltar para a minha solidão no quarto de hotel. — Eu estive pensando, pai. — Ana sibila assim que me aproximo da pequena mesa. "Pai", aprendi a amar essa palavra. Filha e netos agora fazem parte do meu mais novo vocabulário. — Por que não vem ficar aqui conosco? — Ela pede para a minha completa surpresa. Encho os meus pulmões de ar, o soltando lentamente pela boca e olho ao meu redor.   — Ficar aqui? — questiono ainda surpreso.   — Sim, não tem sentido o senhor ficar em um quarto de hotel, quando eu tenho muitos quartos de hóspedes disponíveis aqui em casa.   — Eu concordo. — Luís diz se aproximando da mesa e beija carinhosamente o rosto da minha filha. — As crianças adoraram o avô e você e a Ana precisam de mais momentos juntos. Devia aceitar o convite, Edgar — sugere. Olho para minha filha, depois para as crianças que se divertem enquanto lancham e Ana sorri sugestiva.   — Então tá. — Aceito radiante e empolgado, sentindo o meu coração da piruetas de alegria dentro do meu peito. Ana me abraça feliz pela minha decisão e em seguida nos acomodamos na mesa farta de guloseimas, de bolos, sucos, sanduíches e de muita felicidade também. Não me lembro da última vez em que me sentei em uma mesa em família. Geralmente meus almoços e jantares são sombreados pelos negócios e reuniões.  A noite estou acomodado em um dos quartos de hóspedes da mansão Alcântara. Um ambiente completamente luxuoso e confortável que já estou acostumado. Luís não economizou no luxo e no conforto da sua casa. Depois do jantar eu e o Luís caminhamos pelo jardim bem iluminado por pequenos postes com luminárias brancas em formato de pequenos globos. Caminhamos despreocupados e lentos enquanto, conversamos, pois ele sentiu a necessidade de falar do seu amor por minha filha. Sorri para a sua preocupação descabida. Nem precisava falar dos seus sentimentos que tem pela Ana, pois está estampado na cara desses dois que o amor deles é tão puro e tão forte quanto o que um dia senti pela Rose. Ele venera a minha filha, mata e morre por ela. Depois de um banho demorado, vesti um roupão de seda n***o e fui para a enorme cama de casal. A caixa descansava em cima do colchão. Sento-me bem perto dela e volto a abri-la, tirando o álbum de dentro, o folheio olhando as fotos mais uma vez. Definitivamente esse é o melhor presente que eu poderia receber. Aqui está a história da família que eu não sabia que existia, as raízes que Rose deixou para mim. Amanhã eu quero poder me sentar com minha filha e lhe contar um pouco da nossa história. Quero que ela saiba de tudo. Não esconderei nenhum fato e quando ela souber de cada detalhe da minha vida e da vida da Rose, voltarei para a Alemanha, tomarei o meu legado e quanto a família Fassini, essa morreu para mim. Será como se nunca tivessem existido. Quero esquecê-los, apagá-los da minha memória todo o m*l que me fizeram e por fim, escreverei uma nova história.  
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