Pré-visualização gratuita Um
Luana Narrando
Quase perdi o ponto de novo. Já estou cansada, meu Deus, dessa vida. Trabalho das sete às cinco e, do trabalho, eu já vou direto para a faculdade. Saio de lá às dez da noite para voltar para casa, pegando ônibus lotado. Quando dou sorte, consigo um lugar para sentar, mas é sentar e já dormir no chacoalhar do ônibus.
Desculpa, gente, nem me apresentei. Olha a educação. Me chamo Luana, mas minhas amigas e minha família me chamam de Lua. Eu gosto desse apelido. Tenho 23 anos e faço faculdade de odontologia. Meu sonho era fazer medicina, mas não consegui os pontos necessários no Enem. Então, o que deu foi odontologia. Fazer o quê, né? Vamos assim mesmo.
sou branca, cabelos longos pretos e olhos castanhos, tenho 1,70 de altura e tenho corpo definido. não sei como, acho que é a correria mesmo, porque o único exercício que faço todos os dias é correr, corro atrás do ônibus, corro para não chegar atrasada no serviço e nem na faculdade, minha vida é uma verdadeira correria.
Moro no Complexo da Maré, na parte baixa, num cantinho apertado, mas que chamamos de lar. Vivo com minha avó, meu irmão mais novo, o Luiz, e meu tio Israel. O Luiz nunca conheceu nossa mãe. Ela faleceu no parto. Meu irmão hoje tem 11 anos, e eu crio ele como se fosse meu filho. Luiz é tudo para mim. Tudo. Trabalho igual uma louca, estudo para me profissionalizar e poder dar um futuro para ele.
A realidade é dura, mas eu aprendi a engolir o choro e seguir em frente. Crescer aqui não é fácil. O medo é constante, a violência está sempre à espreita, e as oportunidades bem, essas quase não chegam. A gente tem que cavar com as próprias mãos. E é isso que eu faço todo santo dia.
Nunca subi lá em cima, no alto do morro. Nunca precisei ir falar com o dono do morro, e espero que nunca precise. Conheço alguns meninos do movimento, claro. Quem mora aqui acaba conhecendo. Mas nunca mexeram comigo. Sou discreta, mantenho minha rotina e evito olhar para onde não devo.
Meu maior medo? Meu irmão entrar para essa vida. Eu rezo todas as noites para isso nunca acontecer. Peço a Deus que me dê forças para manter ele no caminho certo. Faço de tudo para manter ele distante. Inscrevo ele em projetos sociais, incentivo os estudos, tento dar exemplo. Mas é difícil. A influência está por toda parte. Os meninos do movimento têm dinheiro, têm respeito, têm medo. E um garoto crescendo aqui vê isso como uma opção viável, um caminho rápido para sair da miséria. Mas eu sei onde esse caminho leva. Sei muito bem.
Os dias são cansativos. De manhã, saio de casa quando ainda está escuro. Trabalho o dia todo, muitas vezes sem tempo para almoçar direito. Depois, corro para a faculdade. Tento me manter acordada nas aulas, mas às vezes o cansaço vence. Quando chego em casa, Luiz já está dormindo. Só vejo ele direito nos finais de semana, quando aproveito para colocar tudo em dia: limpar a casa, organizar as contas, revisar os estudos e, claro, dar atenção para meu irmão.
Minha avó me ajuda como pode. Já está velha, cansada, mas ainda segura a barra. Meu tio Israel é tranquilo, trabalhador, mas tem seus problemas. Às vezes, sinto que carrego o mundo nas costas. Mas não posso desistir.
Eu sonho. Sonho com o dia em que vou me formar, vestir o jaleco branco, ter meu próprio consultório. Sonho com o dia em que Luiz não precisará se preocupar com nada, que ele poderá estudar, ser o que quiser. Sonho com uma vida mais tranquila, sem medo, sem tanta pressão.
Mas, por enquanto, a realidade é essa. Amanhã cedo tem mais. Mais um dia de luta, de correr atrás, de resistir. E eu vou. Porque eu não posso parar.
Eu tenho namorado, e amo meu gato, Jonas. Ele é do asfalto, moreno, alto, lindo, o famoso playba. Conheci Jonas na empresa, ele é cliente de lá. No começo, era apenas um rosto bonito que cruzava meu caminho, mas com o tempo, fomos nos aproximando. Ele sempre foi gentil, atencioso, daqueles que sabem exatamente o que dizer para arrancar um sorriso.
Jonas me enche de presentes, sempre atento aos meus gostos. Ele já me deu perfumes, bolsas e até uma aliança. Foi um momento especial, não uma promessa de casamento, mas um sinal de compromisso, de que estamos juntos, construindo algo.
Nosso tempo é curto durante a semana. Minha rotina é puxada, tenho meus objetivos, e Jonas entende. Ele nunca reclama, nunca pressiona. Pelo contrário, diz que estou certa em focar no meu futuro. Isso me faz admirá-lo ainda mais. Ele tem uma vida mais folgada, poderia exigir mais de mim, mas prefere apoiar.
Nosso ritual de fim de semana é sagrado. Todo sábado, dormimos juntos. Aproveitamos cada momento, sem pressa, sem cobrança. E no domingo de manhã, ainda temos algumas horinhas antes de cada um seguir com sua rotina. Esses momentos são preciosos, é quando realmente nos conectamos, sem interferências externas.
Jonas já conheceu minha família, e minha avó simplesmente adorou ele. Isso significa muito para mim. Minha avó é uma mulher de opinião forte, não se impressiona fácil, mas com Jonas foi diferente. Ela logo percebeu o quanto ele me trata bem, como me respeita e apoia.
Eu, ainda não conheci a família dele, eles moram no sul, Jonas é de lá. Mas mora no Rio, um dia vamos lá e eu vou conhecer família do meu príncipe. O que mais amo no Jonas é o seu lado compreensivo, isso é muito importante pra mim.
Eu gosto dessa relação que temos, desse equilíbrio. Não preciso abrir mão dos meus sonhos para estar com ele, nem ele dos dele para estar comigo. Somos dois indivíduos completos que escolheram caminhar juntos, sem sufocar, sem prender. Isso é raro, e eu valorizo.
Mas um dia tenho fé que vamos casar, construir a nossa família.
Agora, preciso dormir. Amanhã é dia de luta, mais um dia para construir meu futuro, correr atrás dos meus objetivos. Sei que Jonas está ao meu lado, torcendo por mim, e isso é suficiente. O amor não precisa ser uma prisão, pode ser leve, pode ser liberdade.
E com Jonas, é exatamente assim.