Capítulo V – As sutis semelhanças entre nós dois

2848 Palavras
Como de costume, assim que acordei, postei uma foto no i********:. Tutorial básico de como sair diva nesse tipo de foto: 1 – Acorde primeiro. Não é só abrir os olhos, acorde de verdade; 2 – Penteie o cabelo, se jogue na cama, vire um canguru se preciso for, para que fique “arrumado-bagunçado”; 3 – Lave o rosto, mas não passe maquiagem. Se nada disso resolver, nasça de novo como uma artista famosa. No meu caso, nunca fui diva, então postei uma fotinha básica de mim com a cara inchada de sono e o cabelo espalhado no travesseiro. Seria divo, se ele não estivesse cheio de frezz. E por que começar assim? Explico. Meu i********: tinha algo próximo de 1.000 seguidores antes da postagem de Tedy atingir o mundo. Depois que bati a foto, fiz minha higiene básica (algo que não precisamos detalhar, amém) e voltei para ver se alguém comentou alguma coisa. Minha foto tinha, nada menos do que 600 curtidas e trinta comentários. Eu estava confusa, então fui ver meus seguidores e o número tinha triplicado. Como assim, gente? Larguei aquilo para lá e resolvi terminar de me arrumar. Mesmo tendo comprado roupas incríveis para o inverno britânico, eu não estava no nível de toda aquela gente ricaça. Por isso, desanimei um pouco quando dei uma fuçada nas malas. Aquele lugar não era para mim, e é por isso que devemos muito valorizar as pessoas que dizem que nos amam. Olha só o que estou passando, gente! O máximo de turista que pude bancar foi com o Miguel, e nem dá para chamar aquela troca de porrada e bomba de passeio. Falando naquele pedaço de gente, era o terceiro dia que estávamos naquela viagem e já fazia mais de 24h desde a última vez que nos falamos. Algo de errado não está certo. Depois de me arrumar e parecer menos assustada com o frio, saí do meu quarto para tomar café com todo mundo. Aquele isolamento estava me matando. Tive que deixar Júpiter com a Sara e ela sempre me mandava uma fotinha dele, mas não era suficiente para aplacar minha solidão. Estava tão focada em achar alguém para conversar que, quando vi o assessor de imprensa de Tessa passar por mim quase correndo, ignorei sua pressa. — Jack, oi! — Oi Len, viu a Tessa por aí? — Não, acabei de acordar. Ele assentiu e saiu apressado de novo. Respirei fundo e voltei a caminhar até o elevador. Para tentar chegar até ele é necessário ter que passar por várias portas, cheia de convidados do casamento. Inclusive as postas dos quartos dos noivos, pois eles estavam em quartos separados. Quase caí das pernas quando a porta do quarto de George se abriu de uma vez e ele apareceu. — Meu Deus, George! Ele gargalhou e se aproximou de mim me segurando pelo braço. Tentei fortemente ignorar seus músculos, ombros largos, braços fortes… Esse homem deveria ser ator de filme pornô, faria muito sucesso… Enfim, tentei ignorar tudo isso porque ele estava de toalha. — Bom dia, Len! O homem, que estava só o perfume e com os cabelos dourados pingando, me deu um belo beijo no rosto. Se fosse solteiro, as pernas ficariam bambas com aquilo, mas sendo noivo da minha melhor amiga, me deixava era furiosa. Soltei um desses sorrisos forçados e acenei. A coragem de dar em cima dele naquela hora era nula. — Bom dia, como vai? — Bem. Está indo tomar café? — Sim, sim… — Aproveitei a deixa e comecei a andar para trás. — Que tal tomar aqui? Queria sua opinião sobre um presente que comprei para Tessa. — Que cara de p*u! — Ah, eu… Minha missão era clara: Seduzir o noivo. Mas meu cérebro mandava uma mensagem muito clara: Só corre! — Helena? — E como se fosse mesmo um anjo, Miguel apareceu do outro lado do corredor. Ele veio em minha direção nada amigável enquanto olhava para George, parou na minha frente e colocou as mãos nos bolsos da calça social. — Acordou cedo. — É o fuso me deixando perdida. — Grudei naquele pescoço como se não houvesse amanhã. — Bom dia, mô. — Dengosa e mimada. Em que ponto cheguei! Miguel arqueou a sobrancelha desconfiado. Mas gênio do jeito que era, não me contrariou. Inclinou-se um pouco me dando um selinho discreto e colocou sua mão direita no meio de minhas costas. — Quer tomar café comigo? — perguntou tranquilo. — Quero. — Bom dia, George. Nos vemos mais tarde. — E com um olhar ameaçador para o noivo, me puxou pela mão até o elevador. Status da missão: Um fracasso! Status da minha consciência: Mais leve que uma pluma! *** Miguel tinha um jeito meio arrogante. Não sorria muito, não falava muito e não socializava muito também. Era meu total oposto em tudo! Quer ver um exemplo claro? Descemos de mãos dadas até o restaurante do hotel e a minha ideia era permanecer de mãos dadas porque estava com medo do noivo tarado nos seguir. Medo meio burro, já que ele estava de toalha, mas enfim… Escolhemos uma mesa qualquer, basicamente a primeira que vimos, então pedi que Miguel esperasse enquanto eu pegava nosso café da manhã. Ele não me impediu. Enchi uma bandeja com um pouco de tudo, mas estava sentindo falta do meu pão com mortadela. Voltei para a mesa e deixei a bandeja lá. E começamos a comer. Em silêncio. Por mais de vinte minutos, não falamos nem um “oh!” enquanto cada um mexia em seu celular. Por vinte minutos! Não era um silêncio confortável, amigável ou algo do tipo. Era falta de compatibilidade nos assuntos mesmo. Depois disso, saímos do restaurante comigo pronta para bater perna e conhecer o lugar, mas Miguel queria subir e ver Netflix. Aí abri o bico! — Sério? Estamos em Londres e você quer ver filme às 8h da manhã? — Sim. — Deu de ombros com a cara mais lavada que tinha. — Miguel! Esse lugar é lindo, sabia? — Estou vendo. — E lugares lindos são feitos para admirar. — Posso fazer isso da minha janela. Suspirei cansada, me perguntando onde foi que amarrei meu jegue. A verdade é que todos estavam ocupados com os preparativos do casamento, enquanto que Tessa me liberou de quase tudo para dar total atenção em minha missão. Como não queria ser vista, estava com a ideia fixa de dar o fora dali, mas meu “comparsa de fuga” não estava colaborando. — Vamos fazer um acordo! Damos uma volta pela redondeza por uma hora, depois subo com você e vemos um filme. O que acha? Pensativo, Miguel respirou fundo contrariado. — Tudo bem, mas eu escolho o que assistir. — Isso! O arrastei para fora do hotel e agradeci aos céus por ter deixado meu celular carregando a noite toda. Estava ligando para uma possível briga? Nem! Eu queria era gastar minhas libras suadas que juntei com muitas horas extras. Por isso, quando chegamos ao centro da pequena cidade, não me fiz de rogada. Arrastei Miguel pelas lojinha tudo e o fiz tirar algumas fotos. — Um sorriso, Miguel! Pulei em seus braços enquanto o vendedor segurava meu celular. Não esperava que Miguel fosse sorrir, mas ele fez mais que isso. Me abraçou pela cintura e me deu um beijo demorado nos lábios, depois, se afastou sorrindo enquanto observava minha cara de taxo. — Thank you — agradeceu ao vendedor enquanto pegava meu celular de volta. Calada estava, calada fiquei. Tão desnorteada que nem reparei nas ruas de pedras por onde passávamos. Só fui voltar ao planeta Terra quando Miguel parou subitamente em frente de uma loja de eletrônicos. — Sério, Miguel?! — Quero ver se encontro uma câmera melhor. — Nerd! Ele não deu valor ao meu sussurro e entrou. Mas como eu queria entrar na loja seguinte, resolvi que valia o sacrifício. Assim que passamos pela porta, porém, senti que poderia me perder naquela loja. Era tudo muito grande, com diversas câmeras penduradas, luminárias, microfones, etc. — Vamos andar aqui um pouco. — Virou-se para mim com um sorriso muito maior, o que me pegou desprevenida. Que sorriso lindo! Não, pera… Quem falou isso? Depois de passarmos quase uma hora na loja, saímos com algumas sacolas nas mãos. Miguel me ajudou a escolher uma câmera semi-profissional para o canal do youtube que eu estava bolando, assim como me convenceu a comprar um microfone externo. Eu sabia como funcionava? Óbvio… que não! Mas a parte mais estranha é que ele ainda sorria pelo que viu na loja. Gente… Miguel estava sorrindo! Você consegue perceber o impacto disso? Estava tão sorridente que não se importou de entrarmos em uma loja de ponta de estoque. Depois de deixá-lo com as sacolas, fui de arara a arara para escolher algumas blusinhas, shorts, calças e casacos. Tudo das estações passadas, mas muito baratas e de marca. — O que acha dessa? Ele parou de olhar uma camisa social preta e me encarou enquanto eu mostrava um short de malha ultracurto. — Hum… Eu sei lá! Revirei os olhos e voltei a escolher sozinha. Depois que cada um escolheu algumas peças para levar, inclusive sapatos, saímos da loja comigo emburrada. Quanto mais tempo eu passava com ele, mais me questionava de onde todos tiraram que formávamos um belo par. Quer dizer… Era chato demais passar um tempo com ele, meu Deus! Miguel não era divertido em absolutamente nada! Era pragmático demais, não sorria quase nada e… Parei minha reflexão quando ouvi um berro feminino gritando pelo nome dele. Na hora, senti sua mão me apertar pela cintura, grudando meu corpo ao seu. Confusa, ergui minha cabeça para o alto a fim de olhá-lo, e vi seus rosto pálido, quase tendo um treco. E aí outro beijo. Já estávamos batendo o recorde de beijos em um dia! Mas diferente dos outros, foi algo mais parecido com meus 18 anos. Foi um beijo intenso, com uma boa pegada pela cintura e uma língua nada tímida que me tirou o fôlego. Quando me soltou, ainda me deu vários selinhos demorados e molhados, passando pela minha boca descendo para meu pescoço. Deu até calor! Cruzes! — Desculpa, não queria atrapalhar o casal… — Ham?! — Me virei para olhar a dona da voz, pois ainda estava tentando achar minha alma, quando vi a mãe de Katy na nossa frente com a maior cara deslavada. — Como você está, Miguel? — A mãe de Katy, cujo nome nunca decorei, falou em um português carregado. Ela falava até que bem, entendia muito melhor e se virava nas gírias. Isso porque seu marido é brasileiro e Tessa sempre fala em português perto dela. — Bem, muito bem. Eu e Helena fomos dar um passeio para aproveitar o dia e foi ótimo. Certo, anjo? — Anjo?! Shi… Estamos ruins de apelidos aqui… — É… Isso… É… — Estão certíssimos! Londres é maravilhosa e precisam aproveitar tudo. Aliás, Miguel, soube que Helena vai entrar na igreja com o Tedy. E você vai entrar com quem? Na hora que ela falou igreja + Tedy em uma única frase, senti Miguel ficar rígido. A mulher conseguiu apagar o fogo no parquinho que ela mesma causou, gente. — Tedy só vai entrar com a Helena na hora da cerimônia. Depois que acabar, ela volta para mim. — Sua resposta sussurrada destacava seu desconforto. — Mas você não deveria ser o padrinho ao lado da sua namorada? De mandíbula travada, percebi que Miguel estava quase ao ponto de mandar a mulher catar coquinho, uma vez que ela nem saberia em que lugar achar. Mas ele forçou um sorriso de lábios unidos e falou devagar. — Não sou tão amigo do noivo assim. — É uma pena. Geralmente os padrinhos são um casal. Nesse caso, tenho certeza de que Tessa não vai se importar que você faça par com Katy! Vocês são como irmãos, não é? Tessa cresceu comigo, mesmo com nossos status financeiros sendo muito diferentes. Por isso, automaticamente cresceu com a família Cardoso também. — É por isso que o padrinho de Tessa é meu irmão mais velho, não eu. — Ah! Mas ele tem que entrar com a esposa. Não quero causar na sua cunhada um sentimento de ciúmes, sabe? É constrangedor… — A minha cunhada confia no meu irmão, assim como eu confio na minha noiva. A mãe de Katy me olhou desconfortável, como se fosse a primeira vez que me enxergava de verdade, então sorriu amarelo. Deitei a cabeça no ombro de Miguel e sorri forçada para ela. — É claro… É claro! Um relacionamento tem que começar bem, não é? Confiança é a base de tudo. Cansada daquele papo chato, beijei o pescoço de Miguel, coisa que o fez olhar para mim. — Vamos subir, mô? Estou cansada e com fome. — Meu Deus! Preciso urgentemente pensar em um apelido descente para essas horas de fuga! — Claro. — Então ele se virou para a mulher casamenteira egoísta que não respeita noivo alheio. — Se a senhora nos der licença… E sem esperar por uma resposta, me puxou para sairmos. Mas confesso que saí me sentindo vitoriosa, um nojo de orgulho de mim mesma! Não, pera… Acabei de brincar de noivinha? Oh meu Deus! Para o mundo que eu quero descer! *** — Passei a manhã toda andando, Helena! Nosso acordo foi claro! — Mas Miguel! — Não vou descer, vou ficar aqui e ver o novo lançamento de Star Trek! — Meu Deus! Você é um tédio! Ele me ignorou fortemente, sentou-se em sua cama e pegou o controle da TV de tela plana. Me joguei na cama entediada, pois ele me barrou de descer. O acordo é que veríamos um filme, mas como passamos mais de uma hora na rua, ele decidiu que preferia ver os dois novos episódios de uma série que não suporto. Tá, eu nunca vi. Mas isso não quer dizer que suporto! Resolvi pedir por comida, me livrei de mais da metade da roupa pesada, dos sapatos e da minha vontade de brigar. Peguei meu celular e deitei na cama completamente enrolada nos edredons enquanto via Miguel achava a série. — Dá uma chance, Helena. Talvez você goste da série. — Não. — A atriz principal é aquela que fez The walking Dead. Desviei a atenção do celular e o olhei espantada. — Como sabe que gosto de TWD? — Você sempre comenta os episódios. — Quer dizer que o senhor ignora meu medo de lugares fechados, mas sabe qual série assisto? Miguel virou-se para mim pensativo, formulou uma resposta enquanto eu o encarava irritada, então falou tranquilo. — Não passamos nenhum tempo juntos. Essa foi a primeira vez em anos que ficamos mais do que duas horas sozinhos, inclusive. Me senti envergonhada pela verdade jogada na cara. É aquilo, né? Fala o que quer, ouve o que não quer. *** — Oh meu Deus! Sai daí, mulher! — gritei desesperada para a TV. — Não! Não entra… Ai, se eu fosse a personagem, ia dar umas voadora nessa doida! Ouvi a risada de Miguel, mas ignorei. Ele começou a rir de mim nos primeiros dez minutos de episódio e estávamos no segundo. Meu inglês treinado em séries me permitiu entender tudo sem legenda, graças a Deus, mas minha indignação me derrubava. — Helena, calma! Ela sabe o que está fazendo. — É óbvio que não sabe! Olha aí, eu avisei! Me virei para ver um Miguel me gravando com o celular, mas o ignorei e voltei irritada para a TV. Ele gargalhou mais alto enquanto eu arregalei os olhos para a cena em completo choque. Como ele já havia visto os dois primeiros episódios, não precisava prestar atenção. — Eu não acredito! — Cobri a boca enquanto encarava a TV. — Miguel do céu, eu vou ter um piripaque. Me segura, que eu vou atravessar essa TV e matar essa louca se o Klingon não fizer isso logo! Mais uma vez a gargalhada dele ecoou contra a minha indignação, mas ignorei enquanto enfiava uma pipoca na boca. — Você sabe que é só o segundo episódio, não é? — Se for para passar raiva assim, quero mais nenhum não. — No entanto, o episódio acabou e dei play no próximo. — Klingon desgraçado! Depois de ver minha personagem favorita comer o pão que o d***o amassou em quatro episódios, pois a amei e a odiei na mesma medida, trocamos de série. Miguel deixou que eu lhe apresentasse o mundo de Grey’s anatomy, mas logo me arrependi ao ver o 007 na maca. — Ah, não… Volta para Star Trek, pelo amor de Deus! E assim encerrei minha tarde: Coração partido pelas mortes das séries; Miguel gargalhando horrores da minha reação vendo os episódios; Missão falhada com sucesso; E muitos stores bombando no i********:! Detalhe desse último: Eu não fazia ideia!
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