Voltar para o hotel teria me deixado muito feliz, muito mesmo, mas tive que me encontrar com mais uma manada de convidados na entrada. Miguel estava tão puto comigo que se manteve calado todo o caminho.
— Helena! Meus parabéns, linda. — Oi? — Fico tão feliz de você finalmente ter tomado uma decisão.
A pessoa na minha frente era nada mais, nada menos, do que a minha segunda mãe. Tereza, mãe de Tessa, era o molde original da beleza da filha. Quem é que consegue reparar nas poucas ruguinhas daquela mulher quando toda sua meiguice e gentileza enche o ambiente de energias positivas? Infelizmente, ela estava acompanhada de um bando de senhoras que eu prefiro não descrever para não perder tempo.
— Obrigada, mas estou confusa. Me decidi sobre o quê?
— Frederico, é claro — Ai que piada gostosa! Cadê ele aqui para queimar de raiva em ouvir seu nome de batismo? Espera…
— Eu e Tedy…?
Eu estou confusa. Para o mundo que eu quero descer. De repente mudei de par? Em que Terra eu aterrissei enquanto passava a tarde com Miguel? Todo mundo me imagina com ele, não com o Tedy.
Parei de pensar no assunto quando senti Miguel controlar a respiração do meu lado. Ele estava por um fio de explodir.
— Eu vi a foto de vocês. Preciso dizer, fez uma ótima escolha. Você e Miguel nunca se deram bem mesmo. — Contive a vontade de gargalhar quando ele travou a mandíbula. Ela estava fazendo de propósito? Se sim, continua!
— Eu e Tedy também brigamos, sabe?
— Claro que sei. Mas é diferente, os motivos de vocês são outros.
A piada morreu nesse instante. Eu já estava acostumada com todo mundo pensando que Miguel era meu namorado. Namorado enrolado que me mantinha encalhada? Pois é… Mas ver Tereza falar daquele jeito me deu um leve incômodo, principalmente porque Miguel estava bem ao meu lado, nem um pouco feliz, e ouvindo tudo.
— Tereza, eu ainda não consigo acreditar como cai nas piadinhas do meu irmão. — Puto, ele se segurava para ser gentil enquanto falava. Mas vi Tereza segurar o riso enquanto o olhava. — Ele não beijou a Helena, nem nada assim. É só para me provocar, entende?
— E funcionou? — questionou com um sorriso brilhante. Tal mãe, tal filha. Cara de p*u de uma, cara de p*u de outra!
— O que quer dizer?
— Seu irmão te fez perceber que pode perder a Helena a qualquer momento?
Aquilo foi suficiente para dar um baque no Miguel. Ele ficou pálido de repente, como se fosse a primeira vez que aquela “verdade” lhe tivesse atingido. E só então se deu conta do peso das palavras. Enquanto a mim? Não ousei mover um músculo.
— Eu preciso ir. Tenham uma boa noite. — Depois desse tapa na cara que ele levou, Miguel se afastou baqueado. Tereza sorriu para mim, muito satisfeita e eu não sabia o que falar.
Acabei resolvendo por usar o sono como desculpa e fugi para o meu quarto. Mas que merda, o que tem naquela maldita postagem?
Depois de tomar um belo banho de hidromassagem, onde quase esqueci de acordar e quase morri afogada, abri meu notebook e fui para as redes sociais. Eu estava usando um pijama do Ursinho Pooh, muito feliz por sinal, mas toda a meiguice passou.
A primeira postagem que caiu na minha linha do tempo foi minha boca grudada na do 171. Na verdade… Parecia que estava grudada, mas o cabelo tampou e ninguém viu que ele estava me beijando no canto da boca. Respirei fundo, muito fundo.
Um dia eu me apaixonei por aquele homem, mas isso foi quando eu era muito ingênua e não sabia sobre a dor do coração partido. Depois que perdi minha virgindade com Miguel, descobri que Tedy era um manipulador e ainda teve a audácia de rir da minha cara. Honestamente? Não me arrependi das escolhas que fiz, além do mais, não posso negar que Miguel é um pão. Arrogante, mandão e cheio de ego, mas um pão.
É claro que nunca briguei com ele igual brigo com Miguel, mas Tedy sempre foi um pilantra.
Com a calma reconstituída, li o que ele escreveu na descrição da imagem. Jesus, textão do f*******:!
“Em plena semana de casamento da maravilhosa Tessa e do meu incrível melhor amigo George, dei de cara com a bravinha mais sincera do Brasil.
Helena é do tipo que não guarda o que pensa, fala o que quer e não se rende com facilidade. Adora me bater, me chutar e me esmurrar. Inclusive, se tenho o mindinho quebrado é por causa dela. Já contei essa história? Não? Ela me bateu com cabo de vassoura quando tinha dezoito anos como vingança por eu ter escondido seu celular, seu caderno de anotações, seu notebook e suas canetas, o que a impediu de mandar sua história para um concurso. Eu juro, não sabia que ela queria concorrer.
Mas o que mais admiro nesse projeto de tamborete é que ela é fiel ao que pensa. Ela não se dá por vencida uma única vez, corre atrás do que quer e ama com tudo o que tem as pessoas que a valoriza.
Aquariana, se é que isso importa para alguém, parece tão fria como o Alasca, mas se derrete por Júpiter, nosso gato controlador que a faz quase cair das escadas todos os dias para conseguir o direito de passear. Aliás, isso me lembra que tenho que pagar a pensão do mês.
Ela sonha em ser uma chefe de cozinha e ama os programas do Budy, mas quase ninguém aceitou ela ter abandonado a vaga na Federal no curso de Medicina. Não importa que ela tenha dito que só fez o vestibular para provar que era capaz, todo mundo disse que ela tinha que fazer. E ela fez? Não. Nem sequer pensou duas vezes ao deixar a data da matrícula passar. Ela quer ser chefe, ter sua confeitaria e desenhar a Barbie nos bolos de aniversário das crianças.
A energia que essa mulher cria é de pura alegria, então, quando ela chora ou está calada é motivo de vendaval e tempo nublado.
É uma honra para mim ter esse pedaço de prego atarraxado na minha vida como uma futura aquisição da família.”
Respirei fundo de novo. Ele nunca me disse coisas tão… Espera aí, a foto não era para chatear Miguel? Acho que o Scherlock dentro de mim deu uma bugada, volta e leia de novo, Helena.
Puta que pariu!
Frederico, é hoje que você morre! Ah não, pera, hoje não porque ele não está no hotel.
De repente, todos os fusíveis estavam ligados e funcionando em sua total potência. Era por isso que Miguel estava tão protetor? “Nova aquisição da família” e coloca uma foto nossa que parece com um beijo de cinema? Há! Eu vou me tacar da ponte.
Quando o surto passou, olhei para os números. 345 comentários, 897 compartilhamentos, 20921 reações… Gente… Tô famosa!
Resolvi dar uma lida nos comentários em destaque. E o primeiro era de Suzana, a ex mais recente de Tedy. Que é isso? Treta logo de cara?
“Na real? Tava demorando faz tempo. Sempre soube que vocês se pegavam às escondidas e fingiam briguinha porque as famílias ficam enchendo o saco dizendo que ela é do Miguel. Por favor, Tessa e Miguel faz mais sentido que Helena e Miguel!”
E então a resposta mais comentada da Suzana, seguida pela resposta dela para essa pessoa.
“Pensei que você fosse apaixonada pelo seu ex, menina!”
“Apaixonada fui, mas cega nunca serei.”
Que mentira! Nós nunca nos pegamos, ok? A única vez que cheguei perto dele nesse sentido foi para pousar para essa foto. Me polpe! Recalque é fogo, viu?
Só que o comentário com maior número de likes era dele… Miguel.
“Que p***a é essa, Tedy? Pode postar logo a foto pelo ângulo certo que tenho certeza que a Helena NUNCA deixaria você beijá-la! Para de tentar arrumar confusão comigo, moleque!”
Em resposta, veio um vídeo de 10s, que foi de onde o Tedy retirou o frame da foto. Pilantra! No vídeo ficava claro que não nos beijamos, pois ele girou o celular mudando o ângulo e mostrou apanhando logo em seguida.
“Ciúme, maninho? Relaxa que nessa boca eu não encostei, ou não estaria vivo para contar a história.”
“Eu sabia que a Helena não te daria atenção. E para de dar em cima da sua cunhada ou eu juro que vou esquecer que você é meu irmão.”
“Você me adora, irmão!”
“No momento, não pense em passar na minha frente ou não me responsabilizo.”
“Opa, calma! Eu juro que ela é fiel, nem encostei.”
“Eu confio nela, mas não confio em você. Fica longe.”
Em resposta, Tedy mandou um emoji gargalhando e Miguel não mandou mais nada. Todo mundo riu nos comentários, uns mandavam Miguel abrir os olhos, outros diziam que Tedy estava morto e outros mandavam Miguel marcar logo a data, ou iria perder. Eu juro, não sabia onde enfiar minha cara de tanto rir.
Tessa me disse que riu dos compartilhamentos também, então abri para ver o que eu estava perdendo.
A maioria era só compartilhando mesmo, sabe? Pessoas que gostaram do textão, achou motivacional, etc. Mas um me chamou atenção por ter feito textinho junto.
“p***a amor, por que não fez textão sincero assim para mim quando me conquistou? Kkkk”
Mas não me conquistou não, gente. Eu, hen! Ainda quero afogar ele na lama depois do casamento.
E ainda teve um que me fez rir:
“Quero fanfic pra hoje!”
Quando me cansei daquilo e fui olhar meu perfil em si, notei que eu tinha tanta notificação que os 99+ no mundinho do f*******: não aguentou me mostrar tudo por ali. Ganhei uns 1000 seguidores e minhas últimas postagens estavam bombando. Além de mais de vinte conversas sem ler e mais cem convites para amizade.
Até que foi uma boa tacada de makerting, afinal, eu tenho um blog que anseio virar sucesso. Se minha vida de chefe não vingar, a de blogueira tem que decolar.
Mas o sucesso todo foi pro i********:, onde Tessa comentou na postagem: “Meu Deus, Tedy. Miguel vai te matar quando vê isso!” E a única coisa que eu não entendia, era porque Miguel era o único que realmente lembrou que eu é que iria matar o Tedy.
Por isso, resolvi fazer postagem no blog sobre relacionamentos. Eu estava inspirada, fazer o quê?
***
Na manhã seguinte, bem cedinho, fomos de trem para a cidade do retiro. Tessa e George alugaram para nós um pedaço de um hotel que era um castelo antigo. A cidade toda florida, toda verde, toda linda. Quero viver nela.
O andar em que fiquei foi reservado para os noivos, padrinhos, damas e seus acompanhantes, familiares íntimos e alguns amigos chegados.
Eu não tinha visto o Miguel ainda, mas lá estava George, todo moldado na simpatia e beleza, sorrindo para mim enquanto vinha na minha direção. Eu estava esperando o elevador para encontrar com meus pais no saguão, então sorri para ele. Não havia mais ninguém por perto, plano em ação.
Enfiei as mãos nos bolsos, disfarçadamente, e apertei a tecla rápida que ativaria o gravador.
— Len, você está linda hoje.
— Obrigada. — Aceitei os dois beijinhos no rosto que recebi e, por instinto, me esquivei de um terceiro.
— E como anda o trabalho? — Não pude deixar de notar que ele preferiu cruzar os braços em vez de chamar o elevador, pois ele estava ao lado do painel.
— Vai muito bem.
— Já está fazendo doces?
— Estou no balcão, na verdade.
— Para a alegria dos clientes, claro.
Sorri forçada. Alegria nada, eu queria ficar na confeitaria mesmo.
— Não sei se isso procede.
— Qualquer um seria burro de dizer que é mentira.
Abri a boca pronta para rebater o elogio, quando ele levantou a mão e, com uma delicadeza encantadora, tirou uma mecha de cabelo do meu olho.
— Que bom que me esperou.
Quase saltei de susto ao ouvir a voz animada de Tedy. George, porém, não se alterou. Com o mesmo sorriso, virou-se para o amigo com uma tranquilidade digna de Rei.
— Você demorou.
— Eu estava tomando banho. A Tessa me ligou e disse que quer fazer uma reunião com os padrinhos.
— Ah sim, ela quer falar sobre os arranjos. — Então, provando que não se esqueceu de mim, se virou e focou em meus olhos. — Te vejo mais tarde.
Sem desviar o olhar, chamou o elevador e entrou tranquilo. Aquilo durou… dois minutos? Talvez menos, mas pareceu uma eternidade. Me senti hipnotizada e, confusa, olhei para o chão depois que ele saiu. Como ele fazia isso?
— Helena, Helena, está brincando com fogo.
— E você está me atrapalhando.
— Estou sim.
Ele riu. O diabrete que ficava em seu ombro deveria estar orgulhoso dele. Respirei fundo e recapitulei a conversa.
— Você não disse que ele estava te esperando?
— Disse.
— Mas ele foi sem você.
— Foi sim.
— E então?
— Não é da sua conta.
O encarei com seriedade. Eu estava perdendo algum detalhe importante aqui e não fazia ideia do que poderia ser. Chamei o elevador e dei as costas para ele. Não durou muito, já que ele parou ao meu lado.
— Frederico.
— Arlequina.
Filho da mãe!
— Sabia que sua publicação no f*******: fez todos pensarem que estamos tendo alguma coisa?
— Notei sim.
— Fez de propósito, não é?
— Depende, vai me arrancar o fígado se eu disser que sim?
— Provavelmente.
— Então não, foi totalmente sem querer.
O elevador chegou e entramos. Ele apertou o botão do térreo e resolvi me manter calada até chegarmos em segurança ao nosso destino. Mas ele não aprovou minha decisão.
— Len?
— Que é?
— Como foi passar a tarde com meu irmão?
— Um saco. Mas foi melhor do que passar com você.
— Se é o que diz… — Notei que ele tentava segurar o riso. — Mas vou te deixar avisada sobre uma coisa.
— Hum?
— Fique longe do George.
— É o quê?
— Sei que você quer ver a Tessa feliz, mas não interfira.
— Você deve estar achando tudo isso divertido.
As portas se abriram e nós saímos. Respirei aliviada, graças a Deus, então Tedy seguiu para onde meus pais estavam. Antes que eu pudesse impedir, ele disse que tínhamos que ver Tessa antes de qualquer coisa e, de repente, já estava me levando para o lado de fora.
— É divertido te ver tentar sim — Quase perguntei sobre o que ele estava falando, até me lembrar da minha afirmação anterior —, mas deixa de ser quando sua amizade de, sei lá, quinze anos, pode virar pó.
— Você sabe de alguma coisa que não sei sobre ele.
— Sei que você deve parar de se meter.
— Não vou parar até ter certeza de que ela vai ficar bem nesse casamento.
— Então nos vemos na linha de chegada.
— É o quê?
— Também não vou parar até garantir que interrompi todas as suas tentativas.
Filho de uma boa mãe!
***
A reunião que Tessa programou foi bem básica. Ela reuniu somente quem entraria na igreja e ocuparia os primeiros bancos, além dos cargos de padrinhos.
Seria apenas um par para cada e que serviria tanto para o religioso quanto para o civil. Ela queria garantir que a entrada seria triunfal, com as daminhas espalhando flores, etc. Então meu nome foi citado por, vejam só, George.
— Quero que Katy me perdoe, mas acho que Helena combina mais como minha madrinha.
Vichi, o coitado perdeu o juízo na vida!
— Mas amor, a Len é minha irmã praticamente.
— E a Katy é mais apegada em você do que em mim. Eu me dou melhor com a Len e seria menos estranho.
Segurei a respiração e encarei a Katy em desespero, mas ela não me olhava.
— Por mim tudo bem, não me sinto ofendia — respondeu em sua inocência.
Katy fez carreira junto com Tessa. Ambas dividiam passarela juntas desde quando começaram, então ela era sua segunda melhor amiga.
Tessa me olhou suplicante. Ela não queria me ofender, mas também não queria desagradar o futuro marido. Respirei fundo, batendo os recordes de tentativas em manter o controle, mas antes de dizer que não abria mão do meu cargo, Tedy interveio.
— Acho uma ótima ideia e faz mais sentido até. Todo mundo sabe que Len conhece o George há mais tempo, então seria completamente plausível.
— Só que ninguém pediu sua opinião — revidei rancorosa.
— Len, não quer ser minha madrinha?
Puta merda. Como saio disso agora? Como evito aqueles olhos de cachorrinho que caiu da mudança?
***
Eu odiava Tedy com todas as minhas forças. De repente, o Miguel em toda sua arrogância fazia mais sentido na minha vida, mas foi Tedy quem ficou ao meu lado o dia todo. Ele estava se esforçando em não deixar que eu e George ficássemos sozinhos, e se esforçava com êxito. Quando vi, já era hora de me recolher e eu estava só o pó.
Mais um dia de batalha perdida.
Mais um dia sem chances de provar alguma coisa para Tessa.
Isso vai ser mais difícil do que imaginei.