Capítulo 2

1045 Palavras
Eva não hesitou. Não titubeou. Não deixou a mente escapar nem por um segundo. Virou sobre os calcanhares e voltou para o banheiro como se nada tivesse acontecido. O salto firme. A postura intacta. O corpo ainda pulsando com o impacto do que acabara de viver — mas ninguém veria isso. Nunca mais. Diante do espelho, com mãos firmes, ela retocou o batom vermelho que Marcos acabara de borrar. Cada movimento era um controle imposto. Uma guerra vencida no silêncio. Ela respirou fundo, ajeitou o colarinho do blazer, recompôs os ombros e olhou para si mesma com neutralidade cirúrgica. Você é Ive. Ele não pode te tocar. Quando retornou à sala, não anunciou sua presença. Caminhou até a mesa com a mesma segurança de antes, ignorando o fato de que cada olhar naquele espaço, especialmente o dele, estava fixado em seus movimentos. Os olhos de Marcos a acompanhavam como uma lâmina invisível, mas sua máscara estava perfeita. Olhar reto, expressão tranquila, cada passo medido. Sem se sentar, ela estendeu a mão, pegou o copo de uísque que haviam deixado para ela e virou o líquido de uma só vez. O gosto forte desceu queimando. Ela m*l piscou. Em seguida, encarou Marcos nos olhos. Os dela frios. Os dele, perigosamente atentos. — Com licença — disse com um sorriso leve, triunfante. — Eu vou mesmo ter que ir. Acho que comi algo que não me fez bem. Meu estômago está embrulhado. Não esperou por reações. Simplesmente se virou e saiu da sala com a mesma elegância com que havia entrado. Marcos permaneceu sentado, observando as costas dela sumirem pelo corredor como uma lembrança não resolvida. Um meio sorriso se formou em seu rosto. Não havia humor ali — só antecipação. Fuja, pequena Eva. Tente fugir. Mas dessa vez, eu não vou deixar. Pegou o celular do bolso e digitou uma única mensagem, objetiva, direta: “Descubram onde ela está hospedada. Quero nome do hotel e número do quarto.” O tempo passou. Os acionistas, satisfeitos com o contrato fechado, começaram a se despedir. Daniel demorou mais a sair. Quando os demais já estavam fora da sala, ele se virou para Marcos, os olhos arregalados, ainda processando o que vira. — p**a que o pariu… era ela, não era? Marcos não respondeu de imediato. Pegou seu copo de uísque, virou o resto da bebida de uma só vez e assentiu, só uma vez. — Tenho negócios a tratar. Vejo vocês amanhã. Não esperou resposta. Pegou o casaco, cruzou o restaurante e saiu. A noite em Nova York estava úmida e fria. O ar carregado de fumaça e luz. Seu motorista já o esperava junto ao meio-fio, o carro preto reluzindo sob os postes. Marcos entrou no banco de trás e fechou a porta com força. — Para onde, senhor? Marcos recostou no banco de couro, passou a mão pela mandíbula e respondeu sem olhar: — Só dirija. Rode um pouco. O carro começou a se mover, engolido pelas avenidas largas. Foi só ali, no silêncio, que ele permitiu a si mesmo largar a máscara. A postura rígida cedeu. O rosto se contraiu. E então, sem aviso, socou o teto do carro com força. Uma vez. Duas. — Maldita. As palavras saíram entre os dentes. Ela tinha dito que estava com o estômago embrulhado. Que sentia nojo. Dele. Mas ele conhecia Eva. Conhecia o corpo dela melhor do que qualquer outro. E o corpo dela havia dito outra coisa. Passou as mãos pelos cabelos, puxando as raízes como se quisesse arrancar da cabeça os anos todos em que enlouqueceu tentando encontrá-la. Sete anos . Sete malditos anos. Procurando em cada canto. Tentando descobrir quem realmente havia matado os pais dela. Tentando entender por que ela nunca duvidou. Nunca perguntou. Ela simplesmente acreditou. Acusou. E foi embora. Com ela, levara tudo o que ainda restava de bom nele. E agora, Eva estava de volta. Mas não como antes. E não com medo. Ele respirou fundo, lutando para reorganizar os pensamentos. E então, o celular vibrou no bolso. Pegou o aparelho com rapidez. A tela mostrava a resposta que esperava: Hotel Sorella, suíte 1907. Um sorriso se formou nos lábios. Curto. Satisfeito. O Sorella era dele. Tinha adquirido o hotel discretamente há poucos dias. Ela, provavelmente, nem sabia. — Toque para o Sorella — disse ao motorista, os olhos fixos na rua à frente. — Agora. Ela queria jogar? Ótimo. Ele também sabia jogar. E ia mostrar a Eva Portinari que o que ela despertava nele podia ser muitas coisas. Mas nojo, definitivamente, não era uma delas. Enquanto isso, na cobertura silenciosa do hotel, Eva enfim baixava a guarda. Soltou os sapatos no canto do quarto e tirou o brinco com um gesto automático. Caminhou até o espelho sobre a penteadeira e se encarou com calma. O rosto estava levemente pálido, o olhar firme, mas cansado. Tocou os próprios lábios, ainda marcados. — Maldito Marcos Santini — disse baixo, como se testasse o nome em voz alta. — Depois de tudo o que fez… ainda se acha no direito de voltar para a minha vida? O celular vibrou sobre a cômoda, interrompendo o pensamento. Eva pegou o aparelho. Ao ver a imagem na tela, seu rosto mudou. Os traços que estavam tensos se suavizaram. Os ombros relaxaram. E, por um instante, ela sorriu — de verdade. Atendeu. A voz dela, antes fria e calculada, agora era baixa. Suave. Havia uma ternura ali que ninguém a vira expressar naquele dia. Enquanto ouvia a resposta do outro lado, andou pelo quarto em passos lentos. Tocou de leve o batom borrado, depois largou o blazer sobre a cama. Ela continuava ouvindo, sorrindo em silêncio. Como quem sabia o que estava em jogo — e por quem valia manter o controle. Ela estava só de lingerie quando se virou para buscar a toalha. E foi quando ouviu. Um leve clique. A maçaneta da porta girando. Ela congelou. O olhar se voltou de imediato para a entrada do quarto. A respiração suspensa. O som da cidade ao longe, abafado pelas paredes grossas. O celular ainda transmitia a voz calma do outro lado da linha. Mas Eva não se moveu. Alguém estava abrindo a porta. E ela sabia que não havia autorizado ninguém a entrar ali.
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