A maçaneta girou devagar, mas o som foi claro o bastante para gelar o ar do quarto.
Eva se virou no mesmo instante — e seus olhos se arregalaram quando viu Marcos entrar.
Ele cruzou a soleira sem pressa, o corpo alto preenchendo o espaço como uma sombra antiga. O paletó impecável, a expressão contida, mas os olhos... os olhos estavam fixos nela com a intensidade de um caçador que não pretende sair de mãos vazias.
Ela riu.
Riu, porque sete anos atrás ela teria corrido. Teria tremido. Teria baixado o olhar.
Mas ela não era mais a mesma.
Estava apenas de lingerie. E não havia vergonha alguma em seu corpo, nem no que ele causava. A cabeça erguida, o queixo firme, o olhar direto.
— Fora, Santini — disse. — Você não foi convidado.
Ele não respondeu. Apenas deu mais um passo.
Eva se virou rápido, puxou o celular da poltrona e encerrou a chamada com um toque. O leve clique foi preciso. Silencioso. Mas o estrago estava feito.
A raiva se acendeu no rosto de Marcos. Rápida, dura. Como se, naquele instante, ele imaginasse o pior — um namorado, talvez. Um amante. Um marido.
A ideia pareceu lhe corroer por dentro.
Ele avançou, mas ela já esperava. Quando ele ergueu a mão para tocá-la, quando os olhos dele desceram para sua boca, Eva agiu.
O t**a estalou alto.
Direto na lateral do rosto perfeito de Marcos Santini.
O som ficou no ar por um segundo a mais do que deveria. Ele virou o rosto com o impacto, mas não recuou. Voltou-se para ela lentamente, e riu. Baixo. Os olhos se estreitaram.
— Ainda tem fogo, Eva — murmurou.
Eles se encararam. O quarto parecia menor agora. O ar, mais denso.
Então, como quem decide o rumo do jogo, ela deu um passo à frente. Agarrou a gravata dele com firmeza e puxou com força suficiente para colar seus corpos.
Foi ela quem o beijou.
Sem hesitação. Sem doçura. Um beijo firme, desafiador. As bocas se encontraram num choque de vontades, os dentes raspando, as línguas lutando por domínio. Era raiva, lembrança, desejo — tudo junto.
As mãos de Marcos deslizaram por sua cintura, depois pelas costas nuas. Os dedos ávidos, famintos, reencontrando curvas que ele conhecia de olhos fechados. Seu corpo colado ao dela como se precisasse confirmar que ela era real.
Mas Eva riu no meio do beijo.
Um som seco, perigoso.
E então o empurrou com força para longe.
Marcos deu um passo para trás, ofegante, a gravata ainda meio solta, o rosto marcado pelo t**a e pelo gosto dela.
— Meu corpo, minhas regras — disse Eva, firme, os olhos cravados nos dele. — De o fora, Santini.
O silêncio entre os dois foi breve, mas tenso.
Ele não se moveu de imediato. Apenas a observou — talvez tentando entender o que mudara nela. Ou talvez aceitando, por fim, que não estava mais lidando com a Eva que ele destruiu.
Quando ele finalmente se virou e saiu, a porta se fechou atrás dele com um clique seco.
Eva soltou o ar devagar. As mãos ainda trêmulas. Mas o controle era dela.
Dessa vez, era dela.
Ao sair do quarto, Marcos parou no corredor.
O silêncio ali fora era absoluto. Mas dentro dele, tudo fervia.
Havia um espelho preso à parede logo adiante. Ele caminhou até lá e se encarou.
O reflexo era o mesmo de sempre: terno alinhado, expressão dura, gravata torta, a marca avermelhada do t**a ainda fresca no rosto.
Mas ele sabia. Sabia exatamente o motivo de ter saído daquele quarto.
Eva não era mais a mulher que ele moldou com promessas e controle.
Não era a submissa que se entregava só porque ele pedia.
Ela era outra agora.
Forte. Fria. E, no fundo, tão dominadora quanto ele sempre fora.
E por mais que isso mexesse com tudo nele — com o orgulho, com o desejo, com o ego — ele sabia o que queria. E se, para tê-la de volta, precisasse ceder… ele cederia.
O celular vibrou no bolso.
Ele pegou o aparelho, e a tela se acendeu com um nome familiar.
Mel.
O estômago de Marcos se contraiu no mesmo instante.
Os dedos travaram por um segundo.
Ele encarou o visor, imóvel.
Mel era sua noiva.
Uma escolha racional, conveniente.
Um acordo social que ele tinha aceitado no dia em que acreditou que Eva não voltaria.
Mas agora ela estava ali.
Real.
Indomável.
E ele sabia: precisava terminar com Mel antes que Eva descobrisse.
Antes que ela entendesse o quanto ele havia desistido dela — mesmo que só por um tempo.
Com um suspiro, Marcos recostou a cabeça na parede.
O telefone continuava tocando.
Ele sabia que não podia adiar aquilo por muito tempo.
Não se quisesse Eva de volta.
E, naquele momento, nada no mundo importava mais do que isso.
Dentro do quarto, o silêncio era espesso.
Eva permaneceu parada no meio do cômodo, os olhos fixos na porta fechada. O corpo ainda pulsava com o resquício daquilo que acabara de acontecer.
Levou os dedos aos lábios. Tocou-os devagar, como se quisesse apagar o gosto dele. Mas não era isso. Era outra coisa. Algo mais profundo, mais difícil de nomear.
As mãos desceram lentamente pelo próprio corpo, seguindo o mesmo caminho que as de Marcos haviam percorrido segundos antes. A memória do toque dele ainda estava ali — quente, insistente, real demais.
Ela suspirou. Longo, baixo. Um suspiro que não era rendição, mas advertência.
— Esse jogo é perigoso demais — murmurou para si mesma.
E sabia que era. Não podia se dar ao luxo de cair de novo. Nem se permitir fraquezas, nem deixar Marcos achar, por um segundo que fosse, que ainda tinha algum poder sobre ela.
Precisava afastá-lo.
Definitivamente.
Não só para provar algo a ele.
Mas para provar a si mesma que aquilo era passado. Que ele era passado.
E só então — só depois disso — talvez conseguisse seguir em frente de verdade.
Ela fechou os olhos por um instante, buscando firmeza.
Já tinha sobrevivido uma vez.
Agora, precisava vencer.