007: Michaela Joy Garecht

2126 Palavras
Era madrugada quando Jongin sentiu sede e saiu da cama para ir até a cozinha pegar água, estava sonolento, pois isso notou algo estranho apenas quando voltava ao seu quarto, o sofá estava ocupado. Encolhido ali num cantinho estava Kyungsoo, os braços em redor dos joelhos dobrados indicavam que estava assustado com alguma coisa, ou que se simplesmente tentava se sentir um pouco mais confortável. O moreno ficou em silêncio o olhando por alguns segundos, o ômega não estava chorando ou coisa parecida, ele estava apenas lá como se fosse alguém que esperava o tempo passar. — Por que está aqui? — o alfa perguntou assim que chegou do sofá, fazendo com que o menor levantasse a cabeça para olhá-lo — Deveria estar dormindo, já está muito tarde. Mas Kyungsoo apenas se encolheu ainda mais. — O que houve? Acabou por sentar-se ao lado dele, demorou alguns segundos para que Kyungsoo se desfizesse do Forte que montara com o próprio corpo. Ainda ficou em silêncio por alguns segundos, sentia-se um tanto envergonhado ou apenas fraco demais, como se nunca fosse conseguir resolver seus problemas sozinho, como se ainda fosse um garotinho bobo que só reagia com lágrimas. — Estou com medo. — Medo de que? — De dormir. — o menor perambulou os dedos pela própria perna, estava nervoso — Não quero ter sonhos ruins de novo, não quero sentir aquilo de novo, não posso dormir. Jongin sentiu-se desmanchar. — Mas você precisa dormir, todos os corpos precisam de descanso, por mais pequeninhos que eles sejam. Conseguiu arrancar um pequeno sorriso do ômega com aquela frase. Em vários momentos o Kim se perguntava o que deveria fazer a seguir, se perguntava qual era o limite que deveria haver entre eles. Quando Kyungsoo chegou ali ele era apenas seu paciente que precisava de ajuda, e acreditava que seria sempre assim. Mas não estava sendo. Estava apegado, apegado demais. Não queria que ele chorasse, não queria que se machucasse, se preocupava o tempo todo, queria que ele ficasse bem. Kyungsoo era tão pequeno e frágil, praticamente de vidro, um vidro cheio de arranhões, trincado e a ponto de se despedaçar. Jongin queria reverter isso, manter as peças juntas no lugar, consertar cada pedacinho que estava quebrado. E no fim, vê-lo bem. — Vem cá. — não sabia se deveria, mas abriu os braços e esperou até que Kyungsoo se aninhasse nele, o abraçou e sentiu o arma que vinha de seus cabelos, que cresciam mais a cada dia — Você pode dormir agora, vou te proteger dos pesadelos. — Você promete? — Prometo. Kyungsoo estava cansado, acabou dormindo depois de alguns minutos, e quando finalmente teve certeza de que ele não acordaria mais, Jongin o pegou no colo e o levou de volta para o quarto. Repousou o corpo pequeno do ômega sobre a cama da forma mais delicada possível, tendo todo o cuidado para que ele não despertasse subitamente, seria difícil fazê-lo dormir de novo. O cobriu e passou a olhá-lo de perto, ali poderia reparar em todas as suas feições delicadas e bonitas, sua pele branca e suas bochechas rosadas, ele estava muito diferente de quando chegou, sua aparência agora era saudável, parecia ter ganhado peso também, bastante aliás, mas isso só o fez ficar ainda mais bonito. — Vai ficar tudo bem. — dissera mais para si do que para ele — Eu prometo que vai.  Mas ele não tinha certeza. Não conseguiu mais dormir depois que voltou para o seu quarto, sentia-a inquieto e sua mente não parava de pensar no próximo passo que daria. Tudo era tão complicado, estava atolado até o pescoço naquela história, que se emaranhava cada vez mais, porém já não se importava com a própria dor, ele só queria evitar que Kyungsoo a sentisse, ele já sofrera demais, não merecia sentir dor ainda mais. O que faria? Não podia construir uma barreira ao redor do ômega, pois a mesma barreira que o protegeria também o mataria sufocado. Suspirou, tinha medo das coisas que viriam a acontecer. Distraía-se com mil pensamentos quando a porta do quarto se abriu e viu Kyungsoo entrar ainda meio inseguro e sorrateiramente deitar-se ao seu lado e apoiar a cabeça em seu peito, se aninhando como se só ali pudesse estar protegido seja lá do que sentisse medo agora. Jongin não tinha como afastá-lo, sequer queria isso. — O que foi? — perguntou ao ômega enquanto alisava seus cabelos com as pontas dos dedos — Teve outro pesadelo? — Não. — confessou como quem tinha medo de estar fazendo algo errado — Eu só quero ficar perto de você. E ele ficou ali até o amanhecer do dia, nenhum dos dois dormiu mais, não conversaram também, isso não era necessário. Jongin desejava saber o que se passava na cabeça do menor, queria saber o que ele estava sentindo e se preocupava se ele estava feliz ou não. Kyungsoo merecia ser feliz, merecia mais do que qualquer outra pessoa que conhecesse. Os dois saíram depois do café, Jongin não havia dito para onde eles iriam, mas Kyungsoo não se importou em perguntar pois acreditava que estariam indo novamente ver o psiquiatra, todavia não foi para lá que eles foram. A lojinha de paredes amarelas e vidraças cheias de coisas coloridas parecia muito atrativa aos olhos do ômega, que sorriu assim que o carro parou ali na frente, chegava a ser fofo e engraçado o ver animado daquela forma. — Mas o que a gente veio fazer aqui? — perguntou ao notar que não tinham motivo nenhum para estarem em um lugar como aquele, a lojinha de material escolar era obviamente um lugar ao qual um médico sem filhos não tinha motivo nenhum para vir. O alfa ficou em silêncio por alguns segundos, passou a se perguntar que palavras deveria usar, afinal, não sabia se aquilo acabaria ofendendo o outro. — Sua caligrafia é meio torta e sua leitura não é muito boa, acho que não concluiu seus estudos. — o disse, coçou o abraço ansioso — Pensei em comprar alguns cadernos, livros, essas coisas... pra que você pudesse praticar mais em casa, acho que vai ser bom pra você. Kyungsoo mudou sua expressão para uma pensativa, aparentava estar se lembrando de algo e pelo sorriso que se formou nos cantos de sua boca, parecia algo bom. — Tá bom! — ele disse após abrir um sorriso largo — Vamos! E lá dentro o ômega parecia estar muito animado, ele não tinha nenhuma memória sobre uma loja de material escolar, então para ele era como se fosse a primeira vez. Claro que Kyungsoo não iria frequentar uma escola, mas estava animado com a ideia de aprender mesmo que fosse em casa, gostava de ver filmes e novelas onde o protagonista era alguém culto e inteligente e naqueles momentos sentia vontade de ser como eles. Compararam lápis e borrachas, livros de caligrafia e alguns de alfabetização, outros para matemática e ciências, qualquer coisa que Jongin acreditava que iria ajudar. Depois de quase duas horas andando de um lado para o outro pela loja toda, eles finalmente terminaram, pagaram tudo e voltaram para o carro com mais de uma dezena de sacolas, das quais Kyungsoo só carregava uma e andava na frente dizendo para que o alfa se apressasse. Jongin riu daquilo. Já em casa, separou tudo o que iriam precisar por enquanto e colocou sobre a mesa de centro da sala, passaram o restante da manhã ali, onde Jongin conseguiu constatar o quão r**m a leitura de Kyungsoo era, exatamente da forma que sua caligrafia, ele lia como uma criança que acabara de iniciar a vida escolar. — Agora coloque a primeira letra de cada palavra. Tinha paciência, talvez essa fosse uma de suas maiores virtudes, quem sabe até mesmo a maior. Passara a prestar atenção na forma com que o ômega segurava o lápis, usava tanta força que parecia que o mesmo iria fugir de sua mão a qualquer momento, sem falar que sempre riscava abaixo das linhas traçadas ao invés de acima delas, porém acreditava que a coordenação motora r**m era uma consequência de seu acidente, pois atingira em cheio seus membros superiores. — Eu sou burro? Demorou um pouco para Jongin entender o que ele havia falado, estava distraído demais naquele momento. — Hum? — Eu sou burro? — Claro que você não é burro, Kyungsoo, de onde tirou isso? O ômega olhou para sua letra estranha sobre o papel, ela fazia um enorme contraste com a letra de Jongin, que mesmo sendo um médico — a profissão com a pior caligrafia do mundo — tinha uma caligrafia impecável. — É que isso é tão difícil. — confessou — Minha letra é tão r**m, tudo parece impossível pra mim, estou te fazendo perder tempo. Ele parecia realmente estar triste e desapontado consigo mesmo, e de uma forma que Jongin não tinha visto até então. Aquilo não era só parte da insegurança e timidez que conhecera nos primeiros dias, o ômega sem nome que passou por aquela porta há semanas atrás não agiria assim, e mesmo que pensasse ser burro, não iria dizer. Kyungsoo estava mudando, mesmo que muito lentamente. E em partes aquilo era bom. — Vai desistir fácil assim? — o alfa o indagou ao encarar seus olhos, porém o menor baixou o rosto. Jongin alcançou sua mão e a sacudiu para que o ômega o olhasse novamente — Você não é burro, não diga mais isso. Apenas acenou com a cabeça concordando, porém o mais alto pôde notar minimamente um bico querer se formar em seus lábios. Kyungsoo voltou os olhos para o relógio no pulso do Kim, assustando-se ao se dar conta de quanto tempo haviam passado ali. — Já está quase na hora do almoço! — exclamou alto — E eu ainda nem preparei nada, estou muito atrasado! O mesmo Kyungsoo, aquele que parecia ter medo de tudo, havia voltado e agora ele corria para a cozinha como quem estava tentando tirar o próprio pescoço da forca. Jongin foi atrás dele no mesmo momento, o impedindo de começar a fazer qualquer coisa que fosse. — Não precisa. — tirou as panelas de sua mão naquele momento, as colocando de volta no armário — Vamos comer fora, já é muito tarde para cozinhar, você não precisa se preocupar com isso. — Mas é a minha obrigação, eu tenho que fazer. O Kim abriu a boca para falar, mas parou no momento em que reparou no que ele havia dito, as palavras “obrigação” e “tenho” ecoaram por sua cabeça por longos segundos em um looping que parecia infinito. Olhou para Kyungsoo e notou o quanto ele parecia nervoso e exasperado, sua respiração estava rápida e ofegante como se tivesse acabado de correr uma maratona inteira, e se forçasse mais a vista, perceberia que ele estava tremendo. Tremendo? Por que Kyungsoo ficaria tão nervoso ao ponto de tremer? Ao ligar os fatos notara que as coisas se ligavam entre si. Kyungsoo encarou os livros e cadernos como sendo uma recompensa pelo seu bom comportamento, e agora, encarava sua irresponsabilidade ao esquecer de fazer o almoço como um erro grave, erro este que merecia uma punição. Ele não esteve tremendo pelo nervosismo. Estava com medo. — Você está com medo de mim? — perguntou, sua voz saiu estranha, não acreditava que estava mesmo perguntando algo do tipo. Por sua vez, o ômega o olhou nos olhos, pareceu finalmente ter se dado conta de seu próprio estado. — Estou? — perguntou mais para si mesmo do que para o alfa — Eu não sei o que aconteceu. O mais novo abraçou-se ao próprio corpo, por um segundo pareceu encolher-se em seu lugar. Estava assustado com a própria reação, incrédulo e sem conseguir entender. Seus olhos expressavam toda a sua confusão interna, seus pensamentos corriam lento pela cabeça, ou melhor, se arrastavam ao ponto de não terem sentido nenhum. Olhou para o alfa, sentiu-se envergonhado de sua atitude. — Não sei o que aconteceu. — repetiu — Mas não tenho medo de você, Jongin, tudo o que tenho por você é amor. — Kyungsoo... — Jongin! — falou mais alto ao chamar seu nome — Eu amo você. Kyungsoo era inocente demais para entender o peso de suas palavras, um ômega não podia simplesmente se virar para um alfa e dizer que o amava, essas palavras eram grandes demais para serem suportadas sem preparo nenhum. Inocentemente ele o abraçou e afundou sua cabeça no peito do Kim, repetindo baixinho e diversas vezes que ele o amava. Já Jongin, Jongin não parava de se perguntar se também amava Kyungsoo, e o mais importante, de que forma ele amava. De que forma os dois amavam.
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