Pré-visualização gratuita 001: Ana Lídia
Tentava abrir seus olhos, mas eles estavam pesados, havia uma luz forte em seu rosto, imaginava que as janelas estivessem todas abertas, mas sequer poderia dizer quem as abriu, ou se seu quarto tinha mesmo janelas, ou melhor, se estava mesmo em seu quarto. Tentou tapar seu rosto com as mãos, mas sentiu os braços pesados, eles doeram como se estivesse sendo perfurado. Após vários segundos tentando manter os olhos abertos, conseguiu enxergar com mais clareza o lugar onde estava, percebendo que se tratava de um hospital, haviam muitos tubos conectados a si, e agulhas pequenas em suas mãos, tentou olhar para as camas ao redor, não se lembrava de nenhuma daquelas pessoas, e quando tentou se lembrar o motivo de estar ali, tudo se perdia em chamas e explosões, logo depois se transformava em um grande vazio escuro.
— Nosso ômega misterioso acordou. — ouviu uma voz que parecia distante, mas conseguia ver o rosto de uma enfermeira bem perto de si — Eu vou chamar o Dr. Kim.
Não conseguiu dizer nada, mesmo que quisesse muito perguntar onde estava e o que havia acontecido, era como se sua língua estivesse pesada. Viu a mesma enfermeira passando pelo corredor através da janela de vidro, e pela mesma janela conseguiu ver quando um homem alto e de pele bronzeada passou e logo entrou no quarto em que estava. Tentava ler seu nome no crachá, mas sua visão ainda estava meio embaçada, seus olhos pesavam como se quisesse voltar a dormir.
— Olá, meu rapaz, como está se sentindo esta manhã? — o médico lhe indagou com um sorriso no rosto, parecia feliz em vê-lo acordado.
Mas o ômega apenas balançou a cabeça negando, tentando de alguma forma informar que não estava conseguindo falar, tentou até abrir a boca, mas seu maxilar estava doendo. Era como se seu corpo tivesse sofrido um forte impacto, que o desestabilizou por inteiro. Sua cabeça funcionava devagar, era como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta, algo que o deixava assustado e enjoado ao mesmo tempo.
— Consegue me dizer como se chama? — o doutor veio a fazer outra pergunta, que foi mais uma vez negada pelo paciente — Não consegue falar? — ele negou de novo — Mas sabe como se chama?
Viu o rapaz, que aparentava ser bem jovem, ficar parado e olhando para o nada por alguns segundos. A verdade era que ele tentava vasculhar sua mente procurando por alguma coisa, qualquer informação que fosse, mas quanto mais perguntava ao seu cérebro qual seu nome, mais sua mente lhe dava um monte de possibilidades, mas nenhuma delas parecia chegar perto. Ele não sabia como se chamava.
E num esforço, veio a falar em um fio de voz:
— Não... Não sei.
O médico não pareceu surpreso diante disso, parou diante da cama em que o mais novo estava, pegando o prontuário que ali estava pendurado, onde um grande ponto de interrogação habitava, em nome do paciente estava escrito apenas Ômega do acidente na SK 23.
— Consegue me dizer a sua idade?
E mais uma vez negou com a cabeça.
— Sabe se tem família?
Mais uma negativa.
O médico suspirou, mas em seguida o olhou com um sorriso pequeno nos lábios, aqueles sorrisos que as pessoas dão quando querem dizer que tudo ficará, mas você sabe que não vai ficar. O rapaz de cabelos, que estavam um pouco cumpridos e desalinhados, observou o médico ler mais algumas coisas em seu prontuário, se perguntando o que iria acontecer a partir dali.
O mais alto saiu logo depois, o deixando aos cuidados das enfermeiras, que logo vieram para lhe servir o café da manhã do hospital, a comida mais sem graça que aquele ômega lembrava-se de ter comido, mas também era a única que se lembrava de ter experimentado. Elas pareciam muito gentis, tento todo cuidado para não fazê-lo engasgar, mas ele não parava de olhar para a porta, esperando pelo momento em que o médico retornaria e lhe diria alguma coisa. Estava confuso e com medo.
As enfermeiras também lhe disseram que ao lhe darem banho, descobriram que havia uma tatuagem na parte de trás do seu pescoço escrito 1998, Made In Korea, que provavelmente era o ano em que havia nascido. Pelo visto, essa era a sua única informação, ele tinha 21 anos.
Teve que passar por mais exames, até mesmo entrou em uma máquina grande, onde o doutor de sorriso bonito lhe explicou que olhariam como estava sua cabeça, ele também disse que iria vê-lo mais a noite, mas acabou aparecendo apenas na manhã seguinte, com vários papeis com desenhos estranhos neles. Ele não parecia nada feliz com o que via, na verdade aparentava preocupação, algo que de cara já havia deixado o ômega muito nervoso.
— Preciso te contar o que aconteceu com você. — ouviu quando o médico disse isso, trazendo consigo uma cadeira de ferro, a colocando bem perto de sua cama — Houve um acidente numa estrada aqui perto, os paramédicos foram até o local, um ônibus havia capotado, alguns não resistiram, outros tiveram ferimentos leves, alguns mais graves, a maioria já voltou para casa, tentamos encontrar alguém que o conhecesse, vasculhamos o ônibus, mas não achamos nenhuma informação sobre você.
— Não sabem quem eu sou?
— Infelizmente não. — foi com pesar que respondeu — Aparentemente seus documentos se perderam quando o ônibus começou a pegar fogo.
Não sabia ao certo como reagir, estava chocado. Deveria agradecer por estar vivo? Ou chorar por não saber que caminho seguir? O médico ainda estava lá, pronto para o amparar segundo sua reação, mas não conseguia chorar, não conseguia se mexer e nem pensar direito.
Só queria saber quem era, e para onde iria.
— Minha família não me procurou?
Viu quando o médico negou com a cabeça, e talvez essa tenha sido a parte mais dolorida, ninguém o procurara, como se ele não importasse a ninguém. Olhou para as luzes acesas, para as janelas abertas, o mundo lá fora parecia tão grande, e ao mesmo tempo sem opções.
Ainda ficou no hospital por mais alguns dias, sendo tratado com carinho pelas enfermeiras, o médico sempre vinha para saber como estava, mas aparentemente estava tudo bem quanto ao seu corpo, logo já estava conseguindo andar com a ajuda de uma das enfermeiras, e não demorou muito tempo para o fazer sozinho, ainda estava com algumas ataduras no abdômen devido a alguns cortes que os vidros das janelas do ônibus lhe fizeram ao quebrar e ser arremessado nele. Mas estava bem, havia ouvido a enfermeira Lee comentar que teria alta no dia seguinte.
E foi o que aconteceu, o Dr. Kim lhe deu alta logo no início daquela manhã.
Sequer tinha roupas para ir a algum lugar, teria que procurar ajuda vestido em uma roupa hospitalar? Por sorte ganhara uma roupa de um dos enfermeiros, que era tão pequeno quanto si, haviam ficado perfeitas. Estava sentado na cama em que ficou por quase dois meses quando o médico que o atendera por todo esse tempo apareceu, ele segurava uma mochila.
— Conseguimos algumas roupas pra você. — ele disse, lhe entregando aquela mochila azul cheia de borboletas coloridas, era bonita — Vou te levar até a delegacia para informar seu desaparecimento, eles vão te ajudar a encontrar sua família, ou qualquer pessoa que saiba de seu passado.
O menor assentiu com a cabeça, e acompanhou o médico.
Viu quando o Kim, que agora já sabia se chamar Jongin, deixou o jaleco no banco de trás, ele vestia uma camisa preta, sem o jaleco conseguia enxergar o alfa melhor, ele parecia mais jovem. Ficou quietinho no banco do carona enquanto o Kim dirigia até a delegacia mais próxima, ainda estava inseguro quanto a polícia, não sabia se eles realmente conseguiriam algo, passara quase dois meses ali e ninguém o procurou, por que iriam querê-lo de volta agora?
Jongin agora resolvia tudo com o delegado, relatando tudo o que havia acontecido, sendo informado de que eles fariam uma investigação e procurariam por casos de pessoas desaparecidas, confortando o ômega, afirmando que logo encontrariam sua família e ele poderia voltar para casa e para sua vida normal.
— Como não tem para onde ir, o enviaremos para um abrigo temporário, há outras pessoas em situações parecidas, histórias parecidas com a sua. — o delegado o informou, parecia estar querendo ser gentil, mas ao mesmo tempo aquele homem o deixava assustado.
Ele não o olhava com bons olhos.
— Um abrigo? — ouviu a voz do médico — Não creio que um abrigo com inúmeras outras pessoas seja um lugar bom para ele, estamos falando de alguém que perdeu a memória, além de que precisa de alguém que troque suas ataduras todos os dias, precisa também que estimulem sua mente a lembrar, ele precisa de cuidados especiais, creio que um abrigo dado pelo governo não tenha esses tipos de cuidados.
— Contamos com enfermeiros 24h, ele ficará bem.
Quando olhou para o doutor, pôde notar que ele encarava o delegado de uma forma estranha, não sabia de muita coisa, mas sentia um clima estranho, como se o cheiro deles ficasse mais forte, algo que o incomodava e o fazia ter vontade de se encolher, tentar se proteger de algo que não sabia o que era, só sabia que dava medo.
— O ômega ficará comigo, vocês têm meu telefone, podem informar a mim qualquer informação que tiverem. — aquelas palavras deixaram o menorzinho ainda mais atordoado — Ele ficará sob meus cuidados.
— Torno a dizer que o abrigo é bastante seguro.
— Tenha um bom dia, delegado Shin.
Quando voltou para o carro, ainda agarrado em sua mochila azul com borboletinhas, o ômega se perguntava se o médico havia mesmo dito a verdade. Ele estava curioso, e ao mesmo tempo estava se agarrando com aquela esperança, ficar aos cuidados do médico de sorriso bonito era uma espécie de tábua de salvação, o melhor lugar para onde poderia ir em uma situação como aquela.
Prestou atenção quando o Kim ligou para o hospital para informar que ainda demoraria mais um pouco para retornar, também ouviu quando ele sussurrou algo como “paciente sem nome” ou algo parecido. Olhava para o lado de fora vendo as ruas movimentadas, não reconhecia nenhum rosto, nenhum lugar, era como se tudo fosse um caderno em branco, onde na capa havia escrito em letras garrafais “”1998, Made In Korea”.
O carro parou diante de uma pousada bonita, escrito “Jardim das Roseiras” em uma placa após o portão. Haviam muitas rosas na frente do lugar, o cheiro era tão bom, se perguntava se aquele lugar era único no mundo. Não era tão grande, e isso deixava o lugar ainda mais aconchegante. Jongin lhe dissera que o elevador era usado apenas pelos idosos ou por deficientes, as outras pessoas sempre usavam as escadas, mas por o ômega estar ainda debilitado pelo acidente, eles usaram o elevador.
O apartamento onde o médico morava era bem bonito, parecia um pouco bagunçado, provavelmente pela falta de tempo do mesmo, e algumas coisas estavam com poeira, mas ainda era um lugar muito bonito. Haviam estantes de livros, diversos jogos e uma TV bem grande, o sofá também parecia bem aconchegante, mesmo com a mancha de vinho bem chamativa.
— Está um pouco sujo, mas vou limpar tudo na minha próxima folga, eu juro. — o mais alto riu baixinho, levando o ômega até um quarto que estava com a porta encostada.
Lá dentro havia apenas uma cama, uma cômoda e um pequeno guarda-roupa branco, com um espelho na porta, além de um tapete grande roxo felpudo no chão, as paredes eram em verde limão, e por algum motivo o quarto também tinha um leve aroma de limão, como se alguém tivesse espremido alguns por ali.
— Esse vai ser o seu quarto temporariamente. — o alfa disse, assim que o rapaz de pele tão clara entrou ali — É meio pequeno, mas acho que servirá por um tempo.
— Não tem problema, eu também sou pequeno. — se permitiu rir um pouco.
Não tinha muita coisa para se instalar ali, então apenas retirou as roupas que estavam na mochila e as colocou em uma gaveta na cômoda, também havia um par de chinelos ali dentro, ficou feliz em vê-los, pois os tênis que havia ganhado estavam apertando seus dedos.
Logo depois de calçar os chinelos, saiu do quarto para descobrir mais do apartamento onde ficaria alojado, indo parar na cozinha do mesmo, onde Jongin estava, o alfa estava mexendo nos armários, provavelmente procurando alguma coisa para comer. Quietinho, ocupou uma das cadeiras da mesa, e ficou esperando que o outro o notasse ali, ou que disse qualquer coisa.
Ainda estava meio perdido ali, sem saber como agir, queria agradecer, mas sentia que um simples “Muito obrigado” não sabia o suficiente, queria que o Kim soubesse exatamente o quanto estava agradecido por ter sido acolhido por ele, mas não conseguia pensar em nada à altura.
— Desculpa, vai parecer ridículo para um médico, mas eu não sei cozinhar. — foi o que o alfa disse quando colocou um prato com duas torradas sobre a mesa, bem diante de onde o menor estava, juntamente com um copo de leite.
— Ah, não tem problema, as torradas estão com uma cara boa.
O Kim levou isso como um elogio enorme. Ele ficou ali vendo o ômega comer, parecia estar pensando em várias coisas ao mesmo tempo, e certamente estava. O mais novo tentava comer rápido, imaginava estar atrasando o médico, que precisava voltar para o hospital, queria logo dizer que estava bem e que ele não precisava ficar ali o zelando. Sua boca ainda doía um pouco quando mastigava, acabaria por demorar demais.
— Tudo bem se voltar para o hospital, estou bem. — ele disse depois de engolir o pedaço que estava em sua boca — Eu... Eu não vou mexer em nada, eu juro.
— Só vou se me prometer que vai ficar à vontade na casa. — o médico falou — Que vai comer se sentir fome, que vai ficar confortável, você promete?
Demorou um pouco para ele responder. Ainda estava se perguntando se alguém assim poderia existir. Jongin parecia tão gentil, do tipo que... que era bom demais para ser verdade. Ele estava mesmo sendo sincero? E se tudo não passasse de algum engano? E que no fim estava preso com alguém que o faria muito m*l?
Não, não podia pensar isso de alguém que o havia salvo de ir parar num abrigo cheio de pessoas que poderiam sim lhe machucar. Foi então que se lembrar do delegado e dos olhos dele, que pareciam tão maus, ao contrário dos olhos de Jongin. Jongin o havia protegido do delegado, este que queria o machucar.
Ele o havia salvo de novo.
— Prometo.
Viu o sorriso bonito do moreno se abrir novamente, não demorou muito para que ele saísse pela mesma porta em que haviam entrado, deixando o ômega sozinho. Ele não o havia trancado, estava livre para ir embora se quisesse. Olhou para a porta da sala se perguntando o que fazer, se iria mesmo confiar em um alfa. Não havia nada em sua cabeça que dissesse para ele que aquele homem não era confiável, aliás, não havia nada de coisa nenhuma.
Jongin fora o único que lhe dera a mão quando não teve para onde ir, esperaria e confiaria, rogando aos céus para que o protegessem.
[...]
O médico chegou já era bem tarde, mas o ômega ainda não estava dormindo. Ele não conseguia, estava pensando demais e isso o deixava muito inquieto, de todas as formas já havia dormido por longos dias, não se sentia cansado. Quando ouviu o barulho na porta seus olhos foram para lá automaticamente, ele estava sentado no sofá com as pernas encolhidas, estava um pouco quente e o quarto era meio abafado, estava com medo de abrir as janelas e achou melhor ir para a sala, que era um pouco mais arejada.
— Ah, você me assustou. — o alfa riu de sua própria reação, estava tão cansado que sequer sentiu o cheiro ou a presença do menor — Está sem sono?
Ele afirmou com a cabeça.
— Eu vou tomar um banho, por que não liga a TV?
— Tá bom.
O mais alto entrou em seu quarto, deixando a porta entreaberta. O ômega procurou pelo controle da TV até encontra-lo perdido debaixo da mesinha de centro, ligou a televisão se assustando um pouco com o volume da mesma, o abaixou quase em desespero para não acordar os vizinhos. Procurou por qualquer coisa que fosse legal de se ver, até parar em um filme de animação que parecia agradável.
Jongin apareceu pouco tempo depois, ainda estava secando os cabelos com uma toalha de rosto.
— Está com fome? — perguntou assim que viu o menor quietinho no sofá, ele era muito silencioso, exatamente o tipo de pessoa que não reclamava de nada, provavelmente ficaria com fome e não diria nada se ninguém perguntasse — Eu vou pedir uma pizza, tem algum sabor que goste mais?
Viu quando o outro pareceu pensar.
— Eu não sei.
— Vamos, tente pensar em algo, pode te ajudar a lembrar de seu passado. — insistiu, sempre com aquele sorriso tão aconchegante no rosto.
— Muçarela.
— Ótimo, é a minha favorita.
O alfa se jogou no sofá e pegou seu celular a fim de ligar para a pizzaria, o ômega preferiu prestar atenção no filme enquanto o mais velho pedia o jantar. Jongin falava ao telefone como se fosse amigo de quem quer que estivesse do outro lado da linha, provavelmente ele ligava bastante para lá, mesmo que os médicos costumassem sempre dizer que devemos evitar esse tipo de comida.
Mas ele tinha um bom corpo, o normal para um alfa saudável e com boa formação, sua pele era bronzeada como um fiel frequentador de praias e seu rosto continha feições muito bonitas, ele era, de fato, um homem bastante bonito e atraente, algo que fazia o jovem ômega pensar que talvez ele tivesse alguém em sua vida e que era bastante provável que pudesse acabar atrapalhando.
Ele não queria atrapalhar.
— O que foi?
Quando o alfa perguntou, o jovem sem nome se deu conta de que estava o encarando.
— Nada.
— Se quiser perguntar alguma coisa é só perguntar, eu não sou lá uma pessoa super reservada e que não gosta de falar sobre si mesmo, pode perguntar se tiver alguma dúvida. — o Kim parecia muito sincero, ele falava de um jeito simples — Quero que confie em mim.
Confiança.
Parecia uma escolha única naquele momento, ou ele confiava no alfa ou iria para a rua, e certamente seria bem pior ficar sozinho e sem nenhum Norte. Estava ali há poucas horas e ainda não tinha nenhum material para julgá-lo como alguém r**m, todavia muitos fatores pareciam dizer que ele era bom.
— Eu não quero atrapalhar sua vida ficando aqui, não quero te trazer problemas.
— Você não vai me trazer nenhum problema, não pense assim. — afirmou — Eu só quero que melhore logo e possa viver a sua vida, e que até lá você possa ficar bem, só estou fazendo o que iria querer que fizessem por mim se eu tivesse perdido a minha memória, imagino que isso seja assustador.
E realmente era. A humanidade era feita de lembranças e quando elas deixam de existir é como se não mais existíssemos, tudo é perdido, todos os momentos divididos com amigos e com a família, todas as conquistas e todos os sorrisos. Nada existia mais, agora tudo se resumia em um caderno em branco com um número escrito.
Ele nasceu na Coréia do Sul em 1998, assim como outros milhares.
— Obrigado por estar fazendo isso por mim. — levantou os olhos para olhar bem para o alfa — Se não fosse por você eu não teria para onde ir e nem saberia o que fazer, além de que... Aquele delegado....
— Eu vou procurar outra delegacia, não precisamos mais vê-lo, eu prometo.
A pizza chegou pouco tempo depois, e o menor preferiu não ficar prestando atenção enquanto Jongin conversava com o entregador, eles provavelmente eram bons amigos e o ômega queria se meter o menos possível na vida do Kim para que não corresse o risco de deixá-lo incomodado.
O alfa colocou a pizza na mesinha de centro e abriu a tampa, logo depois foi para a cozinha pegar dois copos para servir o refrigerante. O ômega achou engraçado ver o Kim tomar um gole da bebida e depois ficar recitando o quanto aquilo era terrível para a saúde e que ingerir aquilo era o mesmo que ingerir veneno.
— Então por que você toma?
— Porque eu adoro. — confessou, até mesmo uma careta como quem estava assustado com o que havia dito — Sou o pior médico do mundo.
O menor riu.
— Pra mim você é o melhor médico do mundo, salvou minha vida, aliás, mais de uma vez.
O ômega parecia um pouco mais confortável enquanto conversavam no sofá, nenhum dos dois estavam prestando atenção no filme, provavelmente nunca estiveram e não saberiam dizer sequer o nome do mesmo. Jongin parecia ser uma boa pessoa para se conversar, ele não dizia ou perguntava nada que pudesse deixá-lo constrangido, mas perguntava coisas simples, como gostos pessoas, ele dizia que lembrar de coisinhas pequenas era um bom começo, um estímulo para o cérebro poder se lembrar de coisas maiores.
Chegou a perguntar algo sobre relacionamento, mas o alfa desviou do assunto deixando bem claro que não queria falar sobre isso.
Talvez ele tivesse acabado de sair de algum relacionamento e ainda sentia falta dessa pessoa, falar dela o feriria. Era melhor não falar mais sobre isso, ou quem sabe apenas observar mais as coisas e encontrar algo que pudesse lhe dizer algo.
— Eu estou um pouco cansado, então vou dormir um pouco, se incomoda se eu te deixar sozinho?
— Não, você precisa dormir. — se apressou em dizer — Sua vida deve ser bem corrida e você deve estar bem cansado.
E ele estava, pegou três plantões em seguida, não sabia o que era dormir direito há muitos dias e seu corpo estava clamando por uma cama macia e longas horas de sono. A poeira já dizia tudo, ele trabalhava demais e m*l pisava em casa, e sempre que aparecia era apenas para tirar um cochilo rápido, mexer em uma ou duas coisas e depois sair novamente, estava completamente desregulado em seus horários e seu sono era uma bagunça.
Mas ele não costumava reclamar, nem tinha para quem, às vezes reclamava consigo mesmo.
O ômega ficou vendo TV até bem mais tarde, e quando o sono lhe bateu foi para o quarto, só então notou que havia um ventilador no chão ao lado da cômoda e usou de uma mesinha de canto para o colocar em cima e perto da cama para poder se refrescar.
Mas dormiu muito pouco, levantou assim que clareou. Havia ganhado uma escova de dentes das enfermeiras do hospital, também havia conseguido uma toalha e um sabonete para poder tomar banhos decentes, ele ainda não havia tomado banho direito desde que chegou naquela casa, não sabia o que fazer com as ataduras em suas costelas e estava com medo de sentir muita dor ao tirá-las.
Desistiu do banho.
Quando saiu do quarto encontrou Jongin na sala, o alfa estava arrumando um pouco da bagunça que já estava ali há dias, mas parecia não adiantar muito.
— Ah, bom dia. — cumprimentou assim que viu o ômega.
— Bom dia, Jongin.
— Eu preciso trocar suas ataduras. — ele logo disse, elas precisavam ser trocadas todos os dias, além de que precisava sempre ver como as feridas estavam para ter certeza de que elas não iriam infeccionar — E acho que não expliquei muito bem a situação, pode ser um pouco difícil tomar banho.
— Era o que eu iria perguntar.
— Eu vou pegar minhas coisas.
O ômega esperou por ele sentado no sofá, as ataduras eram bem grandes, imaginava que havia se machucado muito, dormira m*l pelas dores, mas não queria acordar o alfa apenas para reclamar disso, comentaria com ele sobre as dores agora pela manhã para saber se ele tinha algo que pudesse aliviar.
Se sentiu envergonhado quando o Kim levantou sua camisa, ele estava em suas costas. Ardeu quando o mesmo começou a remover as ataduras e ardeu ainda mais quando passou algo que não saberia dizer o que era. Mordeu os lábios para não acabar gritando.
— Dói, mas é para o seu bem, não vai demorar muito.
Quando o ônibus bateu e capotou, o ômega acabou sendo arremessado para fora, o que fez com que seu corpo fosse arrastado por longos metros, o que feriu muito a região de suas costas, algumas feridas eram mais profundas do que as coisas. Mas haviam outras feridas além destas que pareciam mais antigas, eram finas como se tivessem sido provocadas por uma faca ou até mesmo um chicote.
O alfa não sabia se aquele era o momento certo para conversar sobre isso com o ômega.
Havia uma marca em especial que achou a atenção de todos desde que as feridas foram lavadas pela primeira vez, se tratava de uma grande marca roxa, quase preta, como se uma corda o tivesse prendido por muito tempo, dias ou semanas, e que era apertada ao ponto de marcar daquela forma. Os exames apontaram problemas no estômago, pequenos cortes como se tivesse comido agulhas.
Haviam coisas naquele ômega que faziam o médico ter dúvidas quanto a querer ou não que ele lembrasse de seu passado.
— Jongin?
Percebera que havia parado, que estava há muito tempo olhando para as feridas nas costas do ômega, não podia deixar que ele percebesse que havia algo errado, pelo menos, não enquanto ele ainda não estivesse completamente recuperado fisicamente e principalmente o seu emocional.
Era como pisar em ovos.
— Dormiu bem?
— Senti algumas dores.
— Tem analgésicos no armário da cozinha, pode tomar um se sentir muita dor. — informou — Se tiver alguma dúvida pode me perguntar, pode me acordar se for preciso.
Ele terminou com as novas ataduras e ajudou a arrumar a roupa do menor.
— Tome cuidado quando for tomar banho, evite molhar as ataduras. — ele informou, quando Jongin falava ele não parecia estar mandando, parecia mais com um pedido calmo e simples.
— Tudo bem.
O ômega se afastou tomando o rumo do banheiro.
— Você quer que eu te ajude a tomar banho? — o médico se ofereceu, mas não demorou mais do que dois segundos para ver o menor mudar de cor, o Kim ainda demorou alguns segundos para perceber que o que havia falado poderia ter um duplo sentido — Ah, me desculpe, estou tão acostumado a dar banho em pacientes que sequer percebo quando a situação é diferente.
— Eu entendo. — o disse na tentativa de evitar que aquilo se tornasse um m*l entendido — Mas não se preocupe, acho que consigo sozinho.
Foi muito difícil tomar aquele banho, estava tomando todo o cuidado para não molhar as ataduras. Também notou vários arranhões em seu corpo, mas imaginou que todos eram advindos do acidente e preferiu não se impressionar com nenhum, em breve ele estaria recuperado e era apenas isto que importava.
Vestiu uma das roupas que ganhou e notou que a camisa tinha um desenho engraçado, mas não conseguia se lembrar que desenho era aquele. Foi mais difícil colocar os shorts, as costelas doíam quando se dobrava. Depois de pentear, que era bastante escuro e curto, o ômega deixou o quarto.
Jongin estava torrando ovos na cozinha, eles já estavam pretos e completamente tostados, além de que já havia fumaça por toda parte.
— Desisto! — viu quando o mais alto jogou a frigideira na pia — Definitivamente eu não nasci pra cozinhar.
O ômega riu e se aproximou do mesmo.
— Eu posso tentar?
— A cozinha é toda sua.
Aparentemente havia demorado bem mais do que imaginou no banho, pois havia dado tempo do alfa ir ao mercado, ele havia comprado algumas coisas para o café da manhã, como ovos e bacon. O ômega decidiu tomar conta do café da manhã e era bem mais do que obvio que ele cozinhava bem melhor, ao menos era algo decente e não cheirava a queimado.
No meio do café o Kim recebeu uma liga e levantou apressado, provavelmente era do hospital.
— Preciso ir. — ele disse — Vou ligar para deixarem o seu almoço.
— Tudo bem.
O alfa saiu quase correndo pela porta da sala, o ômega o olhava como uma espécie de super-herói que precisava sair voando para salvar o mundo. Um super-herói que estava salvando o seu mundo.