Depois de puxado o gatilho, era sinistra tal lógica e mortal a sua mecânica.
A bala desprendida do pente percorria o cano de alma lisa em busca do crânio para onde foi
mirada, e isso era uma viagem sem parada ou retorno. Veio o disparo, veio faísca e enquanto a
vítima, de músculos tesos, esperava resignada a certeza de sua chegada, não imaginou
também, naquele ínfimo instante, acabar sendo platéia de tão belo e inesperado cinema.
Assistiu em luzes de sonhos e lembranças a criança que era no colo de sua mãe, viu os s***s
da primeira mulher que teve, aquela medalha ganha na natação dos jogos escolares, o sorriso
tímido de sua filha e por última cena se viu menino no quarto onde passou a infância, seu
falecido pai lhe desejou boa noite apagando a luz, fechou a porta deixando-o sozinho num
escuro denso e de silêncio singular.
Era agora um cadáver ao chão, vizinho de uma arma a certa distância e de uma multidão que
assomava ao redor cuidando para não pisar em seu sangue. Alguns cogitaram suicídio, outros
assassinato, ninguém parecia ter razão. Questão de tempo para tal resolução, porém nunca
compreenderiam os motivos daquele sorriso pálido e bem aventurado, e nunca saberiam em
que infinito aqueles olhos aperolados estariam mirados.