5. A Outra Garota (Parte III)

1867 Palavras
Fiquei parada por alguns segundos, tentando entender o que acabara de ouvir. O nome dele. O irmão da Júlia. A denúncia. E a frase final do Theo antes de correr: “Antes que ele termine por nós.” Maria chegou perto de mim, ofegante — ela tinha tentado acompanhar a correria dos alunos, mas voltou quando percebeu que eu não ia atrás. — Livi… o que tá acontecendo agora? Eu respirei fundo, ainda tentando estabilizar a mente. — O irmão da Júlia fez a denúncia. Falei baixo, com calma — como se precisasse repetir pra acreditar. Maria arregalou os olhos. — O quê? Pausa. — Mas por quê? Ele te conhece? — Não. Engoli seco. — Mas ele conhece o Theo. E odeia ele. Maria ficou em silêncio por alguns segundos. Era a primeira vez desde o início que ela parecia realmente assustada. — Livi… isso tá piorando rápido. — Eu sei. — E o Theo? Olhei para o corredor onde ele tinha desaparecido. — Ele foi ver o que postaram agora. Maria mexeu no celular. — Nada apareceu no grupo ainda, mas deve estar circulando por outra turma. Eu estava prestes a responder quando o sinal de alerta interno que vinha crescendo desde cedo se intensificou. O mundo ao meu redor pareceu desacelerar. Algumas pessoas olhavam para seus celulares ao mesmo tempo. Outras sussurravam. E o burburinho começou a se espalhar como fogo. Maria franziu o cenho. — Alguma coisa saiu — ela disse, apertando o celular. — Olha isso. Ela virou a tela pra mim. Uma conta anônima tinha postado uma montagem: uma edição tosca, mas forte o suficiente para mexer com a escola inteira. Dois nomes lado a lado. Theo Navarro e Lívia Andrade E logo abaixo: “Caso 2 ??? Mesma história?” O coração bateu forte no peito. — Isso é maldade, Livi. — Maria disse, a voz trêmula. — Não tem outra palavra. Eu respirei fundo, tentando não entrar em pânico. — Estão fazendo exatamente a mesma coisa que fizeram com a Júlia. Eles estão mexendo de propósito. — E você acha que foi o irmão dela? — Foi ele quem registrou a denúncia. E agora ele quer que todo mundo veja isso. Maria fechou a mão num punho. — Covardice. É isso. — Ele quer destruir o Theo. Engoli o nó na garganta. — E me usar no processo. Maria puxou meu braço, como se quisesse impedir que eu desabasse. — Você não está sozinha, tá? Eu tô aqui. — ela disse. Eu queria responder, mas uma voz conhecida me chamou. — Lívia! Virei. Theo vinha andando rápido, quase correndo, com o celular na mão e a respiração pesada. Havia raiva nele. Não gritada — uma raiva silenciosa, profunda, controlada por um fio. — Você viu? — ele perguntou antes mesmo de se aproximar completamente. Assenti. — Vi. Ele olhou para a tela de novo, com o maxilar tenso. — Ele fez isso. — O irmão dela? — perguntei. — Foi ele. — Theo confirmou, sem hesitar. — É o jeito dele, ele joga uma frase solta e deixa todos completarem com o pior. Maria cruzou os braços. — Você tem certeza que é ele? Porque isso é sério. Muito sério. Theo respirou fundo. — Ele é o único que tem acesso ao histórico da Júlia. Olhou pra mim. — E o único que sabe exatamente como quebrar alguém começando pelos boatos. Eu senti um frio no corpo. — Theo… o que ele quer? — perguntei. Ele me olhou como se aquilo fosse a pergunta mais difícil de todas. — Que a história se repita, mas com você. Meu estômago virou. Maria colocou a mão na minha, firme. Theo continuou: — Ele acha que, se você quebrar, eu quebro também, e que eu vou merecer. Engoliu seco. — Como se eu tivesse destruído a irmã dele. Meu coração falhou por um segundo. — Theo… — murmurei — você não destruiu ela, né? Ele deu um passo para trás. O impacto da pergunta foi evidente — não porque a resposta fosse simples, mas porque tocava exatamente na ferida que ele tentava esconder desde o início. A voz dele veio baixa. — Eu não fiz nada contra ela. Nada. Mas eu também não consegui impedir o que fizeram com ela. Um silêncio pesado caiu. — E agora ele acha que eu vou cometer o mesmo erro. Theo respirou fundo. — Ele acha que você vai ser a próxima. Meu peito apertou forte. — Mas eu não sou ela. — respondi, firme. Theo assentiu. — Eu sei. E é por isso que ele quer forçar você a parecer com ela. A ficha caiu com força. — Ele quer que eu reaja como ela reagiu. — sussurrei. — Sim. — Theo disse, sério. — Porque se você reagir igual… ele vai dizer que o problema sou eu. De novo. O mundo pareceu girar. Maria respirou fundo. — Então quem realmente destruiu a Júlia… foi o irmão. Theo fechou os olhos, como se essa frase doesse de ouvir. Quando abriu, disse: — Ele foi o primeiro a espalhar as coisas sobre ela. Ele moldou como a escola via o que estava acontecendo. — Ele fez ela acreditar que eu era o culpado. Eu senti o peito doer. — E agora — Theo completou — ele quer fazer você acreditar na mesma coisa. Eu fiquei em silêncio. Não por medo. Mas porque tudo fazia sentido demais agora. Demais. Theo deu um passo pra perto. — Lívia… eu preciso que você fique do meu lado. — Não porque eu quero. — Mas porque isso não vai parar até você entender o que realmente aconteceu. Respirei fundo. — Então me conta. O que aconteceu com ela no final? Theo ia responder. O ponto exato da verdade estava prestes a sair. Mas naquele instante, o som do alto-falante da escola cortou o silêncio: — Alunos, todos na quadra. Temos um comunicado importante. Agora. Maria arregalou os olhos. Theo olhou para cima, tenso. Eu senti o corpo gelar. Porque, pelo tom da coordenadora, pela pressa, pelo peso… Aquilo não era um comunicado qualquer. Theo virou pra mim, com o coração nos olhos. — Lívia… Ele engoliu seco. — A história da Júlia… começou com um comunicado assim. Meu peito travou. E, com uma certeza fria, entendi: A verdade está chegando. E ela vai cair na frente de todo mundo. ******* A quadra estava quase cheia quando chegamos. Os alunos se encostavam nas paredes, nas arquibancadas, nos cantos. Ninguém falava alto — era um silêncio inquieto, um silêncio de quem espera algo sério, algo grande. Maria ficou ao meu lado, segurando meu braço com força moderada. Theo ficou do outro lado, perto, mas sem encostar — como se não quisesse me pressionar, mas também não fosse se afastar. A coordenadora subiu no pequeno palco improvisado, com alguns papéis na mão. O diretor estava atrás dela, com expressão fechada. Theo respirou fundo. — Foi assim com a Júlia. — disse ele, sem tirar os olhos da coordenadora. — Theo… — murmurei — o que disseram no comunicado dela? Ele engoliu seco. — Disseram que havia algo “a ser esclarecido”. E aí disseram o nome dela e o meu na frente de todo mundo. Meu corpo arrepiou inteiro. — Você acha que vão falar nosso nome? Theo desviou o olhar. — Eu espero que não. Mas isso, eu não posso garantir. A coordenadora aproximou o microfone. O som ecoou pela quadra inteira. — Alunos, agradeço pela presença rápida. — Precisamos comunicar uma situação que está sendo investigada pela equipe pedagógica. Alguns alunos trocaram olhares. Outros murmuraram. Meu coração acelerou. Theo fechou os olhos, como se preparasse o corpo para um impacto. — Nos últimos dias — continuou a coordenadora — circularam pelo colégio conteúdos anônimos envolvendo estudantes. A quadra ficou ainda mais silenciosa. — Esses conteúdos têm causado desconforto, exposições indevidas e especulações prejudiciais à integridade dos envolvidos. Senti o peito apertar. Ela então abriu um dos papéis. — Quero deixar claro que este colégio não tolera difamação, manipulação de informações ou tentativas de prejudicar alunos por meio de boatos. Theo respirou fundo, mais forte do que antes. A coordenadora continuou: — Estamos lidando com o segundo caso registrado em curto período. Ambos seguem o mesmo padrão. E ambos parecem conectados. A palavra conectados fez a quadra inteira murmurar. Maria apertou minha mão. Theo ficou tenso, com o maxilar firme. A coordenadora virou outra folha. — O responsável pela disseminação desses conteúdos já foi identificado. A quadra explodiu em cochichos. Theo ficou imóvel. Eu senti a respiração prender. — Por questões legais e éticas, não divulgarei o nome aqui. — Mas posso afirmar que se trata de um estudante que não pertence ao convívio diário da escola, mas que teve contato prévio com um caso semelhante no ano passado. Meu coração bateu tão forte que doeu. Ela estava falando do irmão da Júlia. Theo fechou os olhos com força. — Em outras palavras — disse a coordenadora — alguém de fora estava interferindo na rotina de vocês, tentando repetir uma situação que tivemos anteriormente. A quadra ficou inquieta. Eu só conseguia pensar na frase do Theo: “A história da Júlia começou com um comunicado assim.” A coordenadora fechou a pasta. — Nenhum aluno atual está sob acusação. E pedimos que qualquer boato envolvendo estudantes pare imediatamente. O diretor deu um passo à frente. — O caso está sendo tratado de forma séria, e com acompanhamento especializado. Depois disso, eles agradeceram e encerraram o comunicado. Mas o caos não veio deles. Veio dos alunos. A quadra virou uma onda de cochichos, suposições, olhares rápidos. Eu senti o peso de dezenas de olhares. Não de julgar — dessa vez era curiosidade, como se todos soubessem que aquilo tinha relação comigo e Theo. Maria segurou meu braço. — Livi… eles sabem. — Não tudo. — respondi. — Mas sabem o suficiente pra ligar. Theo se virou para mim. Não havia desespero nos olhos dele. Nem pânico. Havia cansaço. E uma coragem que parecia nova. — Agora você entende? — ele perguntou. Eu assenti. — Sim. Ele respirou fundo, como se estivesse aliviado por eu não fugir. — Agora posso te contar o resto. Antes que ele tente mudar a história de novo. Maria nos olhou, avaliando a situação. — Vocês dois precisam conversar longe daqui. — ela disse. — Isso tá grande demais pra ficar no meio da escola. Theo concordou. — Eu sei onde podemos falar. E ninguém interrompe lá. Ele me olhou como se pedisse permissão. E eu apenas respondi: — Vamos. Theo assentiu, com um ar sério, decidido — como se tivesse acabado de escolher um caminho sem volta. Maria me soltou devagar. — Me manda mensagem. — ela sussurrou. — Qualquer coisa. Eu tô aqui. Assenti. Theo começou a andar. Eu segui ao lado. A quadra atrás de nós continuava explodindo em comentários e suspeitas. Mas, pela primeira vez, isso não me importava. Porque eu sabia: A próxima conversa seria a verdade. Toda ela. Sem filtros. Sem interrupções. Sem esconder nada. E quando a porta fechasse atrás de nós… O passado da Júlia finalmente viria à tona.
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