A tarde caiu pesada sobre a mansão Cavalcante.
As nuvens se adensavam, prenunciando uma chuva que parecia combinar com o clima dentro da casa.
Amélie terminava de recolher os lençóis lavados no quintal quando ouviu o som firme e ritmado dos saltos de Francesca ecoando pelo corredor.Era um som que todos aprendiam a temer.
Poucos segundos depois, uma das criadas surgiu aflita na porta da cozinha.
— Amélie, a senhora
Francesca quer vê-la. Agora.
O coração da jovem se apertou.Ela limpou as mãos no avental e subiu as escadas, sentindo o estômago revirar a cada passo.Quando entrou no salão, encontrou Francesca Cavalcante parada junto à lareira, impecável em um vestido escuro, as mãos cruzadas e o olhar de quem acabara de descobrir algo que não devia ter sido visto.
— Então é verdade — começou a matriarca, a voz baixa e cortante. — Entrou no quarto do meu filho, seu senhor.
Amélie congelou.
Tentou responder, mas as palavras se perderam antes de chegar aos lábios.
— Eu… ele estava ferido, senhora. Ninguém cuidou dele, e…
— E você achou que era seu dever? — interrompeu Francesca, erguendo o queixo. — Uma criada, ousando entrar no quarto de um Cavalcante sem ser chamada?
— Eu só queria ajudar…
Francesca deu um passo à frente, os olhos faiscando.
— Ajudar? — repetiu, com desdém. — Você acha que engana quem? Eu já vi esse olhar antes, menina. As pobres sempre acreditam que um pouco de bondade pode comprá-las uma vida melhor.
Amélie recuou, o rosto corando de vergonha e raiva.
— A senhora está enganada. Eu nunca quis nada dele.
— Não minta pra mim! — a mulher estalou a mão sobre a mesa, a voz subindo. — Eu sei o que está fazendo. Primeiro, o pobre t**o do seu pai se afunda em dívidas… depois, a filha aparece, tão disposta, tão submissa, entrando onde não deve.
Ela se aproximou tanto que Amélie pôde sentir o perfume intenso e sufocante que a matriarca usava.
— Escute bem, menina Pérez: meu filho é um Cavalcante. Você, uma serva por compaixão. Se eu voltar a ouvir que chegou perto dele, nem as lágrimas das suas irmãs vão salvá-la.
Amélie cerrou os punhos, tentando conter as lágrimas que ardiam nos olhos.
— Eu entendo, senhora.
— Espero que entenda mesmo. — Francesca endireitou a postura, o tom gélido. — A partir de agora, trabalhará apenas nos fundos da casa.Cozinha, lavanderia e estábulos. E não quero vê-la fora desses lugares.
Ela virou de costas, como quem despacha um incômodo.
— Agora saia.
Amélie obedeceu em silêncio, a garganta apertada, o coração latejando de humilhação.Mas antes de atravessar a porta, ouviu Francesca dizer, num sussurro quase audível:
— Se Estefano se aproximar de você outra vez, juro que o farei se arrepender de ter nascido.
Amélie desceu as escadas sentindo o chão tremer sob seus pés.Quando alcançou a cozinha, respirou fundo, as mãos trêmulas.A dor no peito era aguda, mas junto dela, algo novo começava a nascer uma chama pequena, silenciosa, que se recusava a morrer.
Ela murmurou para si mesma.
— Posso obedecer, mas não vou me quebrar.