Os dias seguintes arrastaram-se em um silêncio incômodo.Estefano vagava pelos corredores da mansão com o peso de algo que não conseguia nomear.Antes, era comum cruzar-se com Amélie um olhar rápido, um aceno tímido, uma palavra de cortesia.Mas agora, ela não o olhava mais.
Quando ele passava, ela abaixava a cabeça e desviava, quase fugindo.E, o que o atormentava mais, era o silêncio:Nem um “bom dia”, nem um “com licença”, nem um murmúrio sequer.
Ele começou a perceber o padrão.Francesca a havia mandado trabalhar nos fundos, e Amélie parecia ter desaparecido da casa.As horas que ele costumava passar pelos jardins ou pelos corredores principais tornaram-se vazias, sem a figura dela ali discreta, mas presente.
Depois de uma semana, Estefano perdeu a paciência.Chamou Rosa, uma das criadas mais antigas e confiáveis, e a esperou no salão lateral.
— Rosa — disse ele, em tom firme, mas contido — preciso que me diga o que está acontecendo com Amélie Pérez.
A mulher hesitou, torcendo o pano que segurava nas mãos.
— Senhor Estefano… não é certo que eu fale sobre isso.
— Não estou pedindo fofocas — Ele se aproximou um passo. — Estou pedindo a verdade. Por que ela não fala mais comigo? Minha mãe fez algo a ela ?
Rosa engoliu em seco.
O jovem Cavalcante não costumava elevar o tom, mas havia algo em sua voz agora uma mistura de preocupação e raiva que a fez ceder.Ela olhou para os lados, certificando-se de que ninguém os observava, e sussurrou:
— A senhora Francesca descobriu que a moça cuidou do senhor… quando o senhor voltou machucado.
— E? — Estefano franziu o cenho. — Isso é motivo para puni-la?
— A senhora ficou furiosa, achou que ela… estava tentando se aproveitar da situação. Disse que se ela voltasse a falar com o senhor, a mandaria embora ou algo pior.
O sangue subiu à cabeça de Estefano.
— Mandar embora?
— Ou algo pior — repetiu Rosa, em voz ainda mais baixa. — A senhora pode ser c***l quando quer proteger o nome da família, senhor. E ela deixou bem claro que faria de Amélie um exemplo se o senhor se aproximasse de novo.
Estefano deu um passo para trás, tentando processar.O coração batia acelerado.Por um momento, fechou os olhos e respirou fundo.Quando os abriu novamente, o olhar que antes era calmo agora tinha fúria contida.
— Obrigado, Rosa. — Ele falou devagar, controlado. — E… por favor, não comente isso com ninguém.
— Sim, senhor.
Rosa se retirou, e Estefano ficou sozinho no salão, encarando o chão de mármore.As palavras ecoavam na mente dele como marteladas: ameaçou… pior… exemplo.
Ele sabia exatamente do que a mãe era capaz.Mas agora, algo dentro dele quebrava-se não o amor filial, mas o respeito cego.
Se antes tinha dúvidas, agora tinha certeza:
Não deixaria Francesca destruir Amélie.Nem que para isso tivesse que renunciar o próprio nome.
A noite caiu sobre a mansão Cavalcante em meio a um burburinho incomum.As criadas corriam de um lado para o outro, polindo talheres, ajustando castiçais, lustrando o mármore do salão principal.Francesca andava entre elas com passos firmes, supervisionando cada detalhe com o olhar cortante de quem não tolerava erros.
Ela não havia comentado nada com Estefano sobre o motivo do jantar queria que fosse uma surpresa.Um golpe calculado.Naquela noite, a família Montclair, uma das mais influentes da região, viria à mansão.E com eles, a bela Isadora Montclair, filha única, educada em Paris, herdeira de uma fortuna em terras e metais.Perfeita, aos olhos de Francesca, para se tornar a esposa de seu filho.
Enquanto as cozinheiras finalizavam os pratos e o perfume de ervas e vinho tomava conta do ar, Amélie foi chamada à copa.
Rosa, a criada mais velha, hesitava em olhar para ela.
— A senhora Francesca quer que você sirva o jantar hoje, Amélie. — disse, com voz tensa.
Amélie parou por um instante, confusa.
— Mas… a senhora me proibiu de trabalhar no salão.
Rosa respirou fundo.
— Eu sei. Só faça o que ela mandar, menina. Por favor.
O coração de Amélie apertou.Algo estava errado, mas ela obedeceu.Vestiu o avental limpo, prendeu o cabelo e foi para o salão principal.
Quando Estefano desceu as escadas, o salão já estava preparado.As luzes douradas dos candelabros refletiam nos cristais, e a mesa comprida estava repleta de taças e talheres de prata.
Ele se aproximou da mãe, intrigado.
— O que é tudo isso?
— Um jantar de cortesia. — respondeu Francesca com um sorriso artificial. — Quero que conheça os Montclair.
Antes que ele pudesse perguntar mais, os convidados chegaram.
Isadora Montclair entrou no salão com um sorriso ensaiado e uma postura perfeita.Seus cabelos dourados brilhavam sob a luz das velas, e seu vestido azul-marinho parecia ter sido feito sob medida para chamar atenção.
Francesca se apressou em apresentá-la:
— Estefano, esta é Isadora Montclair. Uma jovem de rara inteligência e… refinamento.
Estefano cumprimentou-a com cortesia, mas seu olhar logo foi atraído por algo além da mesa uma figura discreta, ao fundo.
Amélie.
Ela estava parada junto ao aparador, de cabeça baixa, segurando uma bandeja com garrafas de vinho.Por um instante, o tempo pareceu parar para ele.A dor em seu peito voltou, junto com a raiva e o desejo que sentia por ela.
Francesca notou o olhar do filho e sorriu de lado, satisfeita.O plano estava funcionando exatamente como queria ou pelo menos é isso que ela pensava.
Durante o jantar, a conversa girou em torno de negócios, casamentos, alianças.Francesca falava com orgulho das posses da família, Isadora sorria e lançava olhares tímidos para Estefano.
Mas o jovem m*l a olhava nos olhos.Cada vez que Amélie se aproximava para servir o vinho, ele via o tremor sutil em suas mãos, o esforço para manter o rosto sereno. Quando ela se aproximava para encher sua taça de vinho , Estefano respirava fundo tentando controlar o impulso.E quando ela abaixava para recolher um prato, Francesca lançava-lhe olhares duros, como lâminas.
Num momento, Isadora riu de algo que Francesca dissera, e Amélie, distraída, acabou derramando algumas gotas de vinho sobre a toalha.O som do líquido caindo foi suficiente para congelar o salão.Francesca levantou-se lentamente, o sorriso frio.
— Incompetente. — disse em voz baixa, mas audível. — Nem para servir você serve, criada imunda.
Amélie abaixou-se rapidamente, pedindo desculpas.
Estefano se levantou, furioso.
—Basta, não fale assim com ela
— Sente-se, Estefano — cortou Francesca, mantendo o tom autoritário. — Esta moça precisa aprender a ter cuidado.
O silêncio tomou conta do ambiente.Isadora desviou o olhar, constrangida.
Amélie recolheu o pano com as mãos trêmulas e saiu do salão sem dizer uma palavra.
Quando a porta se fechou atrás dela, Estefano olhou para a mãe com o semblante carregado e um desafio nítido no olhar
O jantar seguiu, mas ele não comeu, não sorriu, não falou e muito menos olhou para a moça que foi colocada a sua frente.Seu olhar permanecia fixo na porta por onde Amélie havia desaparecido, e o ódio silencioso contra a própria mãe começava a tomar forma.