"Muitas vezes do inesperado,
nasce o que se espera uma vida inteira."
Conferi algumas vezes o uniforme em frente ao espelho, de certa forma ele se adequava muito ao meu corpo, como se fosse feito especialmente para mim. Não havia sobras de tecido, muito menos a falta dele, como se houvessem pego minhas medidas antes de costura-lo.
Álvaro estava secando as taças quando cheguei, não sabia ao certo o que fazer, se deveria me dirigir para a cozinha, e quando pensei em fazer isso, fui contida.
— Aonde pensa que vai? — Álvaro perguntou com uma das sobrancelhas arqueadas.
— Para a cozinha? — Perguntei como se fosse óbvio.
— A vaga da cozinha já havia sido preenchida quando chegou. — Contou. — Se você quiser trabalhar aqui terá que começar a servir mesas.
Dessa vez eu quem estava surpresa, Giovani não havia dito nada para mim a respeito disso.
— Giovani não é o dono daqui. — Contou. — Ele é sobrinho do senhor Riccardo e primo do Lorenzo.
Definitivamente eu não conhecia nenhum dos nomes citados, agora estava perdida, confusa entre ficar e servir mesas e quem sabe ter a chance um dia de chegar a cozinha ou ir embora. O problema era que eu precisava urgentemente de um emprego para arcar com meus custos ali.
— Ele faz as sobremesas. — Explicou. — Mas deve ter simpatizado com você mesmo para ter te deixado ficar. Agora se for ficar, ainda tem muitas taças e copos para polir.
Álvaro me mostrou um cômodo no fundo do restaurante onde haviam armários para que pudéssemos deixar nossos pertences. Sem celular, foi o que ele disse. Decidi ficar e ver no que isso iria dar.
Estava entretida em colocar os copos em ordem em cima do armário quando escutei o barulho da porta da frente e assim risadas. Ao olhar para lá, a procura das vozes altas, encarei um senhor e um homem muito parecidos por sinal, adentrando o restaurante. Com certeza se tratava do senhor Riccardo e Lorenzo.
— Buonasera! — O senhor de bigode falou ao passar por nós no balcão. — Espere, vejo um rosto novo por aqui.
Álvaro se aproximou de onde estávamos e fez sinal para que eu fosse para mais perto do balcão onde o senhor estava com as mãos apoiadas.
— Essa é Giullia Bellini. — Apresentou-me. — Ela se candidatou para a vaga na cozinha, mas como já havia sido preenchida, ficará comigo aqui na frente.
— É um prazer conhecê-la, garanto que não faltará oportunidades para trabalhar lá dentro. — Sr. Riccardo falou amigavelmente.
— O prazer é todo meu, grazie. — Agradeci.
Lorenzo que até então se encontrava de costas, falando ao celular se virou em nossa direção. Seus olhos eram castanhos intensos, como se houvesse me hipnotizado. O cabelo um tanto grande, penteados para trás, deixava-o com um ar mais jovial.
— Esse é o nosso grande chef de cozinha. — Álvaro afirmou. — É por conta dele que nosso restaurante está sempre cheio.
Quem sabe não fosse somente pelos seus dotes culinários que atraía clientes. Garanto que a beleza ajudava-os, afinal, seu primo também era um homem muito bonito.
— Deixe a bajulação para usar com Giovani. — Reclamou deixando-nos sozinhos.
O que o primo tinha de simpatia, ele tinha de antipatia.
Uma das coisas que sempre ouvi falar era sobre os chefs de cozinha serem durões e arrogantes, papai era muito diferente do que ouvia, talvez esse tenha sido um dos meus maiores interesses para começar a cozinhar.
Outra vez o barulho da porta e dessa vez minha atenção foi desviada para uma mulher entrando apressadamente. Ela estava com um espelho em mãos e retocava o batom. Sua roupa era quase igual de Lorenzo, e me perguntei mentalmente se ela seria sua sub chef.
— Essa é a braço direito de Lorenzo, e sua sub chef, Caterina Silvestri. — Álvaro contou ao notar minha curiosidade. — Ela vive por ele, todo mundo sabe que eles têm um caso fora do trabalho.
Faltavam alguns minutos para abrir, e eu basicamente precisei aprender na marra tudo sobre atender aqueles clientes; sobre onde ficava cada coisa. Por sorte haviam mais alguns garçons que chegaram no decorrer de nossos afazeres.
Estava com muito medo de errar no meu primeiro dia. E se eu derrubasse algo em algum cliente? E se eu quebrasse alguma coisa? Eu não tinha dinheiro para pagar nada que estava ali.
De fato aquele era um restaurante de sucesso, estava lotado. Todas as mesas estavam com pessoas jantando ou aguardando seus alimentos.
Por sorte não era necessário equilibrar vários pratos de comida para carregar, caso contrário, tenho certeza que teria derrubado alguns. Não era tão difícil atender as mesas como imaginava.
— Está bombando. — Falei para Álvaro, bebericando um copo de água para repor energia.
— Acostume-se, é sempre assim. — Falou ao abrir uma garrafa de vinho.
Vez e outra, em um curto intervalo de tempo, me pegava pensando em como seria se eu estivesse lá dentro da cozinha e todas aquelas pessoas estivessem comendo um prato que havia sido preparado por mim.
Era interessante presenciar suas expressões, os pratos pareciam muito saborosos. Pelo menos o cheiro e o visual eram de dar água na boca.
Estava sentindo o suor escorrer perto do meu pescoço, uma ida ao banheiro com certeza resolveria. Ao passar pela porta da cozinha, não reparei quando Caterina saiu de lá com um prato em sua mão, que voou no chão quando nos esbarramos.
— Ma dai! — Gritou ela. — Olha o que você fez sua desastrada.
— Mi dispiace! — Pedi tentando recolher os cacos com as mãos.
Ela havia ficado muito mais nervosa do que o esperado, aquilo havia atraído a atenção das pessoas que estavam jantando, pelo menos algumas delas que tinham a visão para onde estávamos.
Logo alguém da limpeza veio com uma vassoura, pá e pano para limpar a lambança que eu havia feito.
— O que houve? — Lorenzo perguntou colocando a cabeça para fora da cozinha.
— Essa louca passou correndo e derrubou tudo. — Caterina esbravejou.
— Eu já pedi desculpa, precisava ir ao banheiro, mi dispiace. — Insisti.
Tentei voltar ao trabalho da maneira mais normal possível, mesmo sabendo que com certeza ao chegar no fim da noite me mandariam embora. Eu havia ferrado com qualquer chance de assumir a cozinha.
Assim que a porta foi fechada, parei na calçada em busca do meu celular em minha mochila, precisava chamar um carro para ir embora.
Estava com lágrimas nos olhos, Álvaro havia dito que senhor Riccardo iria querer conversar comigo mas teve um compromisso e precisou ir embora antes da nossa conversa.
Com certeza seria demitida.
A porta atrás de mim se abriu a Lorenzo saiu de lá carregando sua roupa de chef pendurada no ombro. Agora ele usava uma camisa preta que apertava os músculos de seu braço, e bem, eu não deveria estar olhando-o dessa forma.
Limpei as lágrimas assim que sua cabeça se levantou e seus olhos encontraram os meus, fazendo-me baixar a cabeça para esconder meu rosto.
— Hoje foi um primeiro dia intenso. — Falou com a voz firme. — Amanhã tente não correr e não quebrar nada e dará tudo certo.
Ele não me esperou dizer algo, adentrou seu carro e mais uma vez fiquei sozinha ali. Algo em como dissera suas palavras, me fez sentir melhor, como se me confortasse, então eu poderia voltar amanhã.
Algumas expressões/palavras/frases utilizadas na história e seus significados:
Per favore= Por favor
Aspettare= Espere
Grazie= Obrigado
Buonasera= Boa noite
Ma dai!= Não acredito
Mi dispiace= sinto muito