Ana Luiza Narrando
Eu não sabia o que dizer. Marcos estava me olhando com uma expressão de raiva e decepção tão intensa, segurando os papéis que eu havia deixado cair, que eu fiquei com o coração acelerado. Aquelas eram as minhas anotações sobre Imperador, o traficante que eu estava investigando por conta própria há meses. O mesmo traficante que matou meu pai. Sei muito bem que ele não morreu por causa de uma "dívida de jogo".
- Ana Luiza, o que é isso? - ele perguntou, com a voz grave e me olhando com raiva.
- Marcos, eu posso explicar… - eu comecei, mas ele me interrompeu.
- Você pode explicar o quê? Que você está se metendo em um caso que não é seu? Que você está arriscando a sua vida e a de outros policiais por uma vingança pessoal imaginária? Que você está desrespeitando a minha autoridade como seu chefe? - Ele disse.
Marcos estava puto. Realmente puto.
- Não é bem assim… - eu tentei argumentar, mas ele continuou.
- Não é bem assim como? Você sabe quem é Imperador? Você sabe o que ele faz? Ele é um dos maiores traficantes de armas, drogas e pessoas do país. Ele tem uma rede de contatos e informantes que vai desde os morros até os políticos. Ele tem um exército de capangas armados até os dentes e ninguém, repito, ninguém jamais viu seu rosto. Ele não tem escrúpulos, nem piedade de ninguém. Ele mata quem se mete no seu caminho, sem pensar duas vezes, entendeu? Entendeu no que você está se metendo por causa de fantasias da sua cabecinha? - Disse e eu bufei.
- Eu sei disso tudo, Marcos. Eu sei porque eu vi, mas aparentemente você não sabe disso. Eu vou te contar uma coisa... Eu vi quando ele atirou no meu pai na minha frente, quando eu tinha dez anos, com aquela maldita máscara dourada cobrindo o rosto e você agora sabe disso. Eu ouvi quando ele riu e disse que era só um jogo pra ele. Eu vi quando ele fugiu e nunca foi pego, dizendo que ninguém jamais chegaria perto dele. - Nessa hora, eu estava chorando. Não consegui me controlar. - Por isso eu estou investigando ele há tanto tempo. Por isso eu não reportei o que eu descobri, porque eu não queria atrapalhar o seu serviço, já que eu estava fazendo isso por conta própria e porque, realmente, é uma vingança pessoal. Eu disse para os policiais na época sobre a máscara dourada, e eles debocharam de mim.
- Você tinha dez anos, Ana Luiza! Eles concluíram que era apenas uma máscara de carnaval, não a máscara do Imperador! E outra... Atrapalhar o meu serviço? Ana Luiza, você não está entendendo... Você está fazendo parte de uma equipe. Uma equipe que eu comando e que confia em você, que precisa de você. Você não pode simplesmente sair por aí, seguindo pistas falsas e acreditando no que você viu há tanto tempo atrás, entrando em armadilhas, se expondo ao perigo. Você não pode agir como uma justiceira solitária, movida pelo ódio e pela dor porque você viu algo que te traumatizou. Você é uma policial, Ana Luiza. Uma excelente policial. Uma das melhores que eu já vi. Mas você precisa seguir as regras e trabalhar em conjunto. Você precisa me obedecer, entendeu? E eu estou te dando uma ordem explícita agora: Fique longe do Imperador, para o seu bem e para o bem dessa equipe!
Eu senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Sabia que ele estava certo, que eu estava colocando a equipe em risco e poderia acabar encrencando a todos... Mas eu não conseguia parar. Eu não conseguia esquecer o que Imperador fez com o meu pai... Eu não conseguia perdoar o que ele fez comigo!
- Marcos, por favor… Eu sei o que eu vi. Você não tem nada a ver com o que eu faço no meu tempo livre! Por favor! - eu implorei.
- Não tem por favor, Ana Luiza. Você vai pra casa agora, vai descansar e esquecer esse assunto. Imperador é um peixe grande demais pra você pescar. Deixe isso comigo e com a equipe especializada nesse caso. Nós vamos pegá-lo, mais cedo ou mais tarde. Mas você não vai se envolver nisso. Você entendeu?
Eu balancei a cabeça, sem forças para discutir mais. Peguei minha bolsa e saí da delegacia, sem olhar para trás. Passei pelos meus colegas de trabalho, que me olhavam com curiosidade e até um pouco de pena, e eu ignorei os seus cumprimentos e as suas perguntas. Eu só queria ir embora dali, desaparecer, tal qual fez Imperador naquela maldita noite.
Eu entrei no meu carro e dirigi até o meu apartamento, chorando o caminho todo pensando em tudo que Marcos disse. É difícil ouvir certas coisas do seu chefe, ainda mais quando se tem uma atração intensa por ele como a que eu tenho por Marcos.
Eu me sentia uma i****a, uma incompetente, uma fracassada... Eu me sentia traída pelo homem que eu amava sendo que ele só estava fazendo o trabalho dele, porque ele simplesmente não deixava eu continuar minha investigação particular, mesmo sabendo o quanto isso era importante pra mim
Sim, eu amava Marcos Elliot e isso me atormentava. Eu amava desde o dia em que ele me recebeu para trabalhar na delegacia, há cinco anos atrás. Ele era vinte anos mais velho do que eu, mas isso não importava para mim. Ele era lindo, inteligente, corajoso, gentil. Ele era o meu chefe, o meu mentor, o meu herói e exemplo... Ele era o meu sonho de consumo, mas sinceramente, acho que era o sonho de consumo de todas ali.
Mas ele nunca me viu como nada além de uma subordinada. Ele nunca percebeu os meus sentimentos por ele porque eu também nunca demonstrei de forma explícita, e ele nunca retribuiu as minhas investidas sutis. Ele nunca me deu um sinal de que poderia haver algo mais entre nós, por isso, eu encarei isso como um devaneio bem distante de virar realidade.
Eu cheguei ao meu apartamento e subi até o sétimo andar, onde eu morava. Era um apartamento bonito, pequeno e bem decorado. Eu tinha comprado com o dinheiro que eu havia recebido de herança da minha mãe, que morreu de câncer há dois anos atrás. É, pois é, eu era órfã graças ao Imperador e a um maldito câncer. Minha mãe ficou tão triste com o que aconteceu com meu pai que adoeceu... Sinto tanta falta dela. Ela era a única pessoa que sabia do meu sentimento por Marcos, e ela sempre me apoiou e me incentivou a lutar por ele, mas eu nunca quis. Ela sempre me disse que eu merecia ser feliz, que eu tinha que seguir o meu coração e essas coisas que as mães sempre dizem... Como ela faz falta!
Eu abri a porta do meu apartamento e entrei, jogando a bolsa no sofá, e passei as duas mãos no rosto, limpando as lágrimas que escorriam por minha pele. Eu fui até o quarto e tirei a roupa, entrando no banheiro em seguida. Eu liguei o chuveiro e entrei debaixo da água quente, tentando lavar a tristeza do meu corpo, mas já sabia que isso não seria possível.
Eu fiquei ali por um tempo, deixando a água cair sobre mim, sem pensar em nada. Eu chorava de forma desconsolada, e só queria esquecer tudo o que havia acontecido naquele dia. Eu só queria esquecer Imperador, esquecer Marcos, esquecer as coisas que deram errado em minha vida. Mas, se eu for parar pra pensar... Desde a morte do meu pai, tudo, absolutamente tudo deu errado! Eu sou uma ferrada na vida! Imperador me tirou tudo... E eu sei que foi ele, jamais esqueci aquela maldita máscara.
Tem noites que ainda sonho com essa máscara me perseguindo. Nunca esqueci de nenhum detalhe dela.
Eu saí do banho e me enrolei em uma toalha, e fui até o quarto. Eu abri o guarda-roupa e peguei uma camisola branca de seda pura que comprei, e havia comprado para uma ocasião especial que nunca aconteceu. Por isso, hoje era um excelente dia para estreá-la.
Eu vesti a camisola e me olhei no espelho, vendo um pouco de maquiagem borrada abaixo de meus olhos. Eu era bonita, eu sabia disso. Eu tinha cabelos castanhos, longos e lisos, grandes olhos verdes, pele clara, cintura fina e quadris largos. Eu tinha um corpo que chamava a atenção dos homens e eu sabia muito bem como usá-lo quando eu queria, porém, atualmente... Tenho preferido ficar só.
Eu suspirei e saí do quarto, indo até a cozinha. Abri a geladeira, que estava quase vazia, e peguei uma garrafa de água gelada, bebendo um pouco diretamente do bico dela. Eu não tinha fome. Talvez uma pizza me animasse, mas meu estômago revirava em dor, então, achei melhor não comer nada.
Eu fui até a sala e liguei a televisão, procurando algo para assistir, sem realmente prestar atenção nas coisas. Passei pelos canais sem interesse, vendo notícias ruins, programas chatos de namoro, filmes repetidos, reality shows sem um pingo de realidade... Tudo parecia triste e cinza hoje.
Desliguei a televisão e peguei o meu celular, pensando em ligar para alguém... Pensei na minha mãe, e isso me deu um aperto ainda maior no coração. Definitivamente, eu não tinha ninguém para ligar. Afinal, vou ligar pra quem? Um colega de trabalho? Amigos? Eu passei tanto tempo enfiada nesse apartamento investigando Imperador que perdi todos os meus amigos. E pra piorar, eu não tinha um parente próximo vivo sequer, apenas parentes distantes que nem se lembravam da minha existência. Eu não tinha ninguém que se importasse comigo e isso doía, doía na alma.
Eu joguei o celular no sofá e me levantei, indo até a varanda. Eu abri a porta de vidro e saí para sentir o ar fresco da noite, tentando me acalmar. A brisa gelou meus braços enquanto meus cabelos voavam. Eu olhei para o céu estrelado e respirei fundo, tentando encontrar paz... Uma paz que parecia longe demais de mim. Fechei meus olhos, e senti uma lágrima escorrendo pela minha bochecha. A solidão dói.
Eu não sei quanto tempo eu fiquei ali, mas eu fui tirada do meu devaneio com o som da campainha do apartamento tocando.
Eu abri os olhos e me virei rapidamente, indo até a porta. Quem poderia ser, essa hora da noite?
Eu fiquei paralisada na porta, sem acreditar no que eu estava vendo pelo olho mágico. Marcos estava ali, na minha frente, com um sorriso tímido e um vinho na mão. Ele estava lindo, como sempre, com uma camiseta preta e uma calça jeans escura, totalmente diferente de como se comporta na delegacia. Abri a porta sem nem me tocar que estava de camisola, e ele meio que ficou surpreso.
- Oi, Ana Luiza. Desculpe te incomodar a essa hora, estou atrapalhando algo?
- N-não, não mesmo. - Respondi.
- Eu só queria te trazer isso. - ele disse, me entregando o vinho.
- Um vinho? - eu perguntei, confusa.
- Não só um vinho. Um bom vinho, menina. Eu achei que você merecia, depois do que aconteceu hoje...
- Depois do que aconteceu hoje? - eu repeti, ainda mais confusa, tentando entender se aquilo era um jogo dele ou era realidade.
- Sim, depois de eu ter derrubado os seus papéis sem querer e ter sido grosso demais com você. Eu sei que foi um acidente e eu precisava te dar aquela bronca, mas eu me senti muito m*l pela forma como fiz... Eu sei que você estava trabalhando duro naquele caso e também sei do motivo... E pelo que estou vendo, eu meio que estraguei o resto do seu dia. Me desculpa pela grosseria, tá legal?
- Está bem. Marcos, você não estragou nada... Você só descobriu o que eu estava fazendo e... E você tinha razão em ficar bravo comigo, na verdade. Eu estava errada em investigar o Imperador por conta própria. Eu deveria ter te contado tudo desde o início...
- Você estava apenas seguindo o seu instinto, o seu senso de justiça, eu entendo isso. Você é uma policial incrível, Ana Luiza. Uma das melhores que eu já conheci. E eu admiro muito a sua coragem e a sua determinação, mas você precisa realmente esquecer o Imperador. Eu quero proteger você, entende? Mais do que todo mundo naquela delegacia.
Aquelas palavras acalentaram meu coração.
- Você... Quer me proteger? - eu perguntei, sentindo o meu coração acelerar.
- Claro que sim.
Eu olhei para os seus lábios, imaginando como seria beijá-los, mas não me movi. Eu olhei para os seus braços, imaginando como seria abraçá-los, e senti meu corpo arrepiar. Eu olhei para os seus olhos azuis, imaginando como seria mergulhar neles... Deus, como eu desejo esse homem!
Eu me aproximei dele, sem pensar nas consequências e esperando que ele fizesse o mesmo.
Mas ele não fez.
Ele se afastou de mim, com um sorriso forçado.
- Eu… acho que já vou indo. Já está tarde, e eu tenho que acordar cedo amanhã. Temos um caso importante para resolver, lembra? O roubo de joias.
- Ah… sim… claro… - eu disse, me sentindo uma i****a.
Ele se despediu de mim com um beijo no rosto, se virou e foi embora, sem olhar para trás.
Eu fiquei ali, parada na porta, segurando o vinho na mão.
Ele veio até aqui só para me dar um vinho? Só para se desculpar? É sério?
Eu senti uma pontada de dor no peito e mais uma lágrima escorreu pelo meu rosto, a milésima da noite.
Eu entrei no apartamento e fechei a porta atrás de mim, fui até a cozinha e peguei uma taça de vidro no armário, abri o vinho e servi um pouco na taça.
Eu levei a taça até a boca e bebi um gole. Senti o gosto doce e amargo do vinho na minha língua...
E senti o gosto doce e amargo do amor não correspondido no meu coração.