A fuga

1040 Palavras
Elijah nunca tinha visto Aurora, não tinha ideia se era bonita ou feia, mas gostava da ideia de casamentos planejados, pensados para dar certo e não aqueles que aconteciam por amor, pensar que um sentimento, fosse qual fosse, podia determinar a vida de um homem lhe parecia fraqueza, idioticҽ e se tinha uma coisa da qual se orgulhava era da própria inteligência. Servia ao subchefe não por ser puxa saco, mas sim porque sabia que se aliar a Sombra era a melhor forma de aprender mais sobre aquele universo e se manter protegido. Com o tempo passou também a gostar e já vislumbrava a ideia de uma liderança local, mesmo que fosse em uma cidade pequena, talvez ao lado da esposa e filhos, parecia um futuro promissor. Ele estava dentro do carro enquanto esperava Caio buscar a mulher que o acompanharia naquela empreitada. Repetiu o nome da menina algumas vezes, como se tentasse perceber o som, parecia agradável aos ouvidos. - Aurora... E enquanto isso, a menina chorava sozinha em sua cela no convento, as lágrimas correndo pelo rosto pálido e molhando o hábito que já não precisaria usar, não queria voltar para casa, não queria se casar, pelo menos não com alguém que não conhecia. Se pudesse escolher, Rodolpho era o único nome que lhe vinha a mente, apesar de não conhecer nada sobre ele, de nunca terem se beijado... Mariana que dividia a cela com Aurora entrou em seguida, quis saber o que estava acontecendo, viu a colega de quarto ganhar um tipo de animação diferente desde que começou a fazer serviços missionários e agora, aquela alegria se dissolvia em lágrimas desesperadas. - Que foi Aurora? Por que está assim? É por causa dos votos? - Não! Não vou fazer os votos Mari, eu vou embora, meu pai quer me levar embora disse que vou me casar com alguém que nem conheço. - Foge! Simples assim, se não vai poder ficar aqui, também não precisa ir com ele. Foge, Aurora! Você pode trabalhar. PARA! Os tempos são outros, o mundo lá fora é enorme e muito diferente dessa opressão que vivemos aqui. Aurora não pensava em fugir, mas a ideia de escapar, pelo menos uma última vez, se despedir... - Como? - Vem comigo! Todos sabiam que Mariana fazia suas escapadelas de tempos em tempos, todos menos as freiras, mas todas as alunas. Aurora acompanhou a amiga, mas antes passou pela cozinha e colocou um quindim no bolso, estava longe do que queria, ainda assim quis que a despedida fosse, pelo menos para Rodolpho, um pouco doce. Aurora seguiu Mariana com o coração disparado, cada passo um misto de medo e esperança. Os corredores do convento, normalmente tão silenciosos e austeros, pareciam ecoar os seus pensamentos turbulentos. Chegando ao portão dos fundos, o sol parecia se esconder entre sombras e nuvens, o céu refletindo seu interior. Vamos, Aurora! Mariana sussurrou, puxando a amiga pelo braço. Elas atravessaram a pequena a******a na cerca que Mariana usava em suas escapadelas. O ar fresco parecia um bálsamo, contrastando com o ambiente opressivo do convento. Caminharam em silêncio até a praça da cidade, onde encontraram duas moças que usavam roupas curtas, cabelos coloridos e pareciam formar um casal. - Aurora, essa é a Sofia e a Clara. Elas podem te ajudar. Mariana apresentou as amigas. – Se precisar de um lugar para ficar, pode ficar com elas, já passei algumas noites lá. As três garotas trocaram um olhar cumplice e ao mesmo tempo maroto que assustou ainda mais a menina. Aurora sentiu um aperto no coração. Fugir do casamento arranjado era uma coisa, mas o que fazer depois? Ela se virou para Mariana, lágrimas brilhando em seus olhos. - E agora, Mari? O que faço? Mariana sorriu, um sorriso encorajador, mas também triste. - Você vive, Aurora. Descobre quem você é fora dessas paredes. Se precisar de ajuda, sempre estaremos aqui. Mas agora, você precisa ser forte e acreditar que merece mais do que uma vida imposta. Aurora abraçou Mariana com força, sentindo a gratidão e o medo misturados. A despedida era inevitável, mas a doçura do quindim no bolso lembrou-a de que ela levava consigo um pedaço de seu passado. Ao se afastar, sentiu a força nas palavras de Mariana ecoando em seu coração. Ela caminhou em direção ao desconhecido, sentindo o peso da liberdade recém-descoberta. As lágrimas secaram ao vento, e Aurora, pela primeira vez, sorriu com esperança. Elaborou em sua mente quase infantil um plano bobo onde ela poderia tentar um lugar para dormir dentro da penitenciária em troca de trabalho, poderia cozinhar, limpar e ler... Não tinha medo do trabalho pesado, nunca teve e achou que seria perfeito, poderia ver Rodolpho todos os dias, esperar que ele estivesse livre, dizer o que sentia, tentar... Olhou para Sofia com os olhos quase suplicantes, não tinha levado nem mesmo a bolsa, ou o dinheiro que a Madre lhe dava para os livros, tudo que tinha era um doce no bolso. - Preciso chegar à penitenciária. - Qual? - Queens! Depois da ponte - Você está louca?!?! Está falando da Rikers? - Estou! Eu... eu preciso sei que tem um ônibus chamam de Q100, mas eu sempre pego um carro de aplicativo, estou sem dinheiro, vou tentar pedir para ele me levar, ou vou andando! Mas eu PRECISO As garotas se olharam trinta e dois quilômetros dividiam Aurora do que ela parecia precisar desesperadamente. Pediram um carro de aplicativo e a deixaram embarcar na sua aventura, escreveram na mão da menina os números de telefone de cada uma, ela ficou com os braços abertos em meio a praça central enquanto as duas cada uma de um lado segurava sua mão e escreviam os números. Embarcou assim, usando um hábito molhado pelas lágrimas, um quindim amassado no bolso e dois números de telefones de pessoas desconhecidas, mas com uma esperança maior do que ela no peito. Aurora olhava pela janela do carro enquanto as luzes da cidade passavam como borrões brilhantes. O motorista, um homem de meia-idade com um olhar curioso, respeitou o silêncio dela, apenas perguntando de vez enquando se estava tudo bem. Aurora assentia, mas sua mente estava a mil, tentando processar tudo o que tinha acontecido nas últimas horas.
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