Penteei meu cabelo pela milésima vez até que cansei e joguei a escova de lado. Não importava o que eu fizesse, ele sempre embaraçava logo em seguida. A única saída era a chapinha, mas acho que a minha não era tão poderosa e minha paciência não era tão grande assim.
Suspirei e me olhei no espelho. Tudo bem, eu achava meu cabelo bonito, mas só quando ele estava comportado, e manter ele comportado era uma missão quase impossível. Qualquer vento que batesse acabava com horas na frente do espelho emoldurando ele.
Olhei para a foto da minha mãe ao lado do espelho. Ela sorria com seus grandes olhos azuis e seus cabelos cacheados e volumosos, exatamente como os meus. As covinhas nas suas bochechas eram exatamente como as minhas. Olhar para minha mãe era a mesma coisa que olhar para mim. A única coisa que eu tinha herdado do meu pai era a alta estatura, o resto tinha sido dela. Eu era sua cópia exata.
Eu não tinha nenhuma lembrança dela. Eu tinha apenas dois anos quando ela morreu em um acidente de carro. Um caminhão bateu nela. Tudo o que eu tinha eram fotos e mais nada. Às vezes tudo o que eu queria era lembrar dela, mesmo que fosse só uma lembrança. Era horrível não ter nenhuma memória de alguém tão importante.
Respirei fundo e coloquei o colar de coração que meu pai havia me dado. Ele se abria e tinha duas fotos ali, uma do meu pai e outra da minha mãe. Era meu colar predileto.
Alguém bateu na porta.
- Entra – eu disse.
A porta se abriu e meu pai entrou no quarto, de terno e gravata. Ele sorriu.
- Você está pronta? Seus amigos todos já chegaram.
Balancei a cabeça na positiva.
- Já estou descendo.
Me virei para o espelho de novo, esperando que ele tivesse entendido a deixa e saído do quarto. Mas ele não saiu. Ele ficou ali, parado, me olhando.
- Você sabe que eu te amo, não é? – ele disse.
Respirei fundo. Eu odiava isso. Sempre que eu estava com raiva ou chateada, ele soltava algo assim. Como eu podia ficar com raiva desse jeito?
- Eu sei, pai – eu disse.
- Tudo bem – ele falou – Eu só queria me certificar.
Vi ele sorrir pelo espelho e sair do quarto, fechando a porta atrás dele.
Respirei fundo e coloquei o salto de dez centímetros rosa que combinava com meu vestido. Dez centímetros era o máximo que eu me permitia usar devido os meus 1,75 de altura.
Desci até a sala de visitas onde estava acontecendo a minha “festa” de dezoito anos. Na verdade, não passava de um jantar com alguns amigos e a família, todos reunidos e vestidos formalmente, tomando vinhos caros em taças caras.
Revirei os olhos. Eu realmente odiava festa de gente rica, e olha que eu tinha frequentado elas a minha vida toda.
A sala de estar, enorme, tinha pouca decoração, porque isso era coisa de pobre. Só havia alguns jarros de plantas em cima das mesas com comida e muita luz espalhada por todo o ambiente. Estava cheio de membros da minha família, todos em seus trajes formais, se comportando como as pessoas mais importantes da face da Terra.
Alguns amigos que estavam por perto e me viram primeiro vieram me cumprimentar.
Ana foi a primeira. Ela era magra e alta, com cabelos lisos enormes que me davam inveja.
- Hei, Gi! – ela me deu um abraço – Parabéns! De novo.
Eu ri.
- Você chegou no seu quarto bem? – Jennifer perguntou, seus grandes olhos verdes me fitando.
- Eu nem sei como eu cheguei em casa – ela riu – Espero que ninguém tenha se aproveitado de mim.
- Talvez eu tenha – Paulo riu e deu um gole em seu vinho – Você estava tão bêbada que...
- Shhh!!! – botei a mão na boca dele – Eu sou uma moça de família, não faço essas coisas.
Eles riram.
- E então, como é o gostinho da liberdade? – Bruno se aproximou e estendeu a mão para darmos nosso toque costumeiro.
Ele era alto e tinha cabelos pretos que contrastavam com seus olhos incrivelmente azuis. Ele era bonito, o tipo de cara com quem eu sairia se ele não fosse meu amigo.
Eu ri.
- Doce como um limão – eu disse.
- Ah, fala sério... – ele bufou.
- Deixa eu adivinhar – Isabela disse – Seu pai...
- Ah, eu não quero falar sobre isso – cortei ela – Se vocês me dão licença, eu tenho que cumprimentar umas tias chatas – eu ri – Já volto.
Minhas tias, como sempre, estavam todas reunidas em um grupinho. Me aproximei delas e as cumprimentei.
- Ah, meu amor – a irmã do meu pai, tia Luciana, me deu um abraço – Parabéns!
- Obrigada, tia – eu disse.
- Como você está linda – uma das irmãs da minha mãe me deu um abraço – Os dezoito lhe caíram bem, hein? – ela riu da própria piada. Acompanhei, só para não deixar chato.
- Olha só, você conseguiu dar um jeito nesse cabelo – tia Cibele, a mais insuportável de todas, disse – Até que ficou bom.
Forcei um sorriso para ela.
- Obrigada, tia.
- Como você está se sentindo? – ela perguntou.
- Ótima – eu disse.
- Ah, mas deve estar mesmo – ela sorriu – Dezoito anos, agora já é dona de si, já pode dirigir, ir morar sozinha e, principalmente, fazer faculdade.
- É...
- Ah, falando em faculdade... – pronto, começou...– Seu pai me disse que não prestou vestibular.
- Não, não prestei – eu disse, já procurando por alguém no meio da multidão que pudesse me salvar do que viria em seguida.
- Ah, mas você tem que fazer uma faculdade, querida. Só que agora vai ter que esperar o meio do ano, as aulas já começaram. Isso quer dizer que meu bebê já está um semestre na sua frente – ela riu – Sabia que Lídia está cursando medicina?
Achei Marcus no canto, sozinho, tomando vinho e olhando ao redor como se tivesse um milhão de coisas mais interessantes para fazer ao invés de estar ali.
- Que ótimo, tia – eu disse – Se você me dá licença, eu tenho que ir ali.
Antes que ela me chamasse de m*l-educada, eu saí. Eu odiava aquela mulher, ela só sabia falar do quanto a filha linda dela era perfeita. Aprendi a odiar Lídia desde que havia nascido só por conta da mãe dela.
Alcancei Marcus e peguei a taça de vinho da sua mão, virando ela garganta a baixo.
- Uau! – ele disse – Cuidado! Alguém pode ter visto. Uma moça como você não pode tomar vinho desse jeito – ele riu.
Olhei de cara feia para ele e devolvi a taça.
- Haha! – eu disse.
- O que as velhas estavam falando? – ele apontou para as minhas tias.
- O de sempre – revirei os olhos e me preparei para imitar a voz fina da tia Cibele – Você tem que fazer faculdade, querida. Minha filha está cursando medicina. Ela já está um semestre na sua frente.
Marcus riu.
- Ah, ela é uma i****a.
- E o melhor – imitei a voz dela de novo – Agora você é livre e responsável e já pode dirigir e morar sozinha e... Arghhh!!! Blá, blá, blá! – fiz cara feia – Eu juro que se ela falasse do lindo apartamento que eles compraram para a Lídia eu iria virar aquele vinho no belo vestido de velha dela.
Marcus riu.
- Você ficou bem chateada com isso, não foi? – ele perguntou.
Revirei os olhos e bufei. Encarei meu pai de longe, conversando com meus tios perto da escada.
- Por que ele não me deixa fazer o que eu quero? – perguntei.
- Gi, você sabe que ele não vai te obrigar a nada, não é? – Marcus falou – Ele não está botando uma arma na sua cabeça e dizendo que você tem que ficar. A porta está aberta para você ir quando quiser.
- Mas ele vai ficar magoado – cruzei os braços – E você me conhece quando se trata do papai.
- É, mana. Quanto a isso, não posso te ajudar.
- Arghhh!!! – bati o pé – Por que ele não facilita para mim? Ele te deixou ir embora sem fazer objeção nenhuma.
- Ah, você está querendo comparar nós dois? – ele sorriu e pegou outra taça de vinho do garçom que tinha passado por ele – Você sabe que ele vê a mamãe em você, não é? Não só na aparência física, mas na personalidade também. Ele é muito apegado a você porque você lembra ela. Você é a princesinha dele, é por isso que ele não quer que você vá. Ele só não quer te perder.
- Mas ele não vai me perder! – disse, frustrada – Eu vou ser sempre a filha dele e a gente sempre vai se ver, como você sempre vê ele. Eu só quero ter meu dinheiro e minha casa, poder sair quando eu quiser sem ter que dar satisfação a ninguém. Poder arcar com as consequências das burradas que eu faço sem ninguém tentando consertar para mim. Eu só quero tomar conta de mim mesma. Será que você não entende?
- Ah, mas eu entendo. É o velho que não quer entender – bati no peito dele com força – Ai!
- Não fala assim.
Ele riu.
Cruzei os braços novamente e me encostei na parede. Suspirei.
- Ah, não fica assim, Gi – Marcus disse – Olha só, é seu aniversário de 18 e todo mundo está aqui para comemorar com você. Não fica estressada com isso. Aproveita – ele fez um gesto para abranger o ambiente.
Olhei para ele e respirei fundo.
- É, você tem razão – eu disse.
- É lógico que eu tenho – ele sorriu – Eu sempre tenho.
Ri e empurrei o ombro dele de leve.
Ele bebeu o resto do vinho e botou a taça em cima de uma mesinha ao seu lado.
- E por falar em comemorar seus dezoito anos... – ele enfiou a mão dentro do paletó e tirou seis papeizinhos cumpridos de lá de dentro.
Peguei os papéis na minha mão e li. Eram ingressos para a boate mais cara da cidade, bem ali, na minha mão, com data para aquela noite.
Eu iria dar um grito, mas antes que eu o fizesse, ele tapou minha boca com a mão.
- Shhhh! – ele riu – Você não quer que todo mundo saiba, não é?
Ri e me pendurei em seu pescoço.
- Eu não acredito!
- Eu sei, eu sou demais – ele piscou.
- Quando você comprou? – perguntei.
- Há uma semana.
- Mentira – eu disse – Você nunca lembra de comprar meus presentes de aniversário.
- Ah, que calunia. Eu sempre lembrei dos seus presentes.
Cruzei os braços e estreitei os olhos para ele.
- No meu aniversário de 15 anos você chegou no baile de mãos vazias. Quando eu perguntei pelo presente, você disse que tinha esquecido. Eu fiquei super chateada e então você prometeu que me daria o que eu quisesse. Você sabe como essa história terminou, não é?
- Com uma tatuagem nas costelas abaixo do seio escrito “Like a Virgin” – ele riu – Por falar nela, meu pai já sabe?
Arregalei os olhos.
- Lógico que não, você está doido?! Ele me mata se ele souber.
Ele riu.
- Ah, foi o melhor presente que eu já te dei.
Eu ri.
- Você não presta – eu disse.
- Nem você.
- Realmente – olhei para os ingressos – Então... Quando a gente vai?
- Ah, eu não vou – ele disse.
- Por que não?
- Alguém tem que ficar aqui para distrair o coroa enquanto você sai escondida com os seus amigos, não é? – ele deu um sorriso de lado.
- Eu te amo – eu disse – Você é o melhor irmão do mundo.
- Eu sei disso.
...
Depois que parti o bolo, subi para o meu quarto dizendo que minha cabeça estava doendo e que eu iria descansar um pouco. Me despedi dos familiares e combinei com meus amigos de me encontrarem do lado de fora. Eu não poderia ir com o meu carro, se não meu pai perceberia.
Assim que entrei no quarto, tranquei a porta e corri para a janela. Joguei os saltos no jardim e comecei a escalada que eu fiz várias e várias vezes para sair escondida à noite.
Cheguei no chão resmungando. Era uma vergonha ter que continuar fazendo isso agora que eu já tinha dezoito.
Era disso que eu estava falando. Eu não queria ter mais que sair escondida ou ficar dando satisfação para Deus e o mundo quando eu quisesse sair. Eu queria ser livre de verdade.
Calcei os saltos e saí de fininho. Encontrei meus amigos do lado de fora, esperando por mim.
- Uhuuu!!! – Jennifer bateu palmas – E ela conseguiu mais uma vez! Uh! Uh! Uh!
- Cala a boca – eu ri e abri a porta do carro – Pisa no acelerador que nós estamos atrasadas.
Ela riu.
- Sim, senhora – ela ligou o carro e aumentou o volume do rádio – Vamos curtir, porque a noite é uma criança!
- Uh!!! – gritei e ela pisou no acelerador.
...
- Eu quero ver você virar mais essa! – Ana gritou em meio a música alta e botou um copo de vodca pura na minha frente.
- Você aposta?! – gritei de volta.
- Cem reais!
Estreitei os olhos para ela.
- É um desafio?!
- É!!! – todo mundo gritou em uníssono ao meu redor.
Eu ri. Eu sabia que ela nunca iria me pagar, mas era um desafio.
- Desafio aceito.
Peguei o quinto copinho de vodca e o virei garganta abaixo. O líquido desceu rasgando enquanto todos gritavam ao meu redor, loucos.
- Essa é minha garota!!! – Paulo gritou e bateu na minha mão.
Levantei os braços para o alto e gritei. Eles me acompanharam.
A música mudou e começou a tocar Turn Down For What. Nós gritamos juntos e saímos correndo para a pista de dança.
- Ahhh!!! Eu amo essa música!!! – gritei e me atirei no meio da multidão.
Começamos a dançar como os bêbados que éramos. Subi meu vestido, para dar mais mobilidade, e pulei incontrolavelmente. O suor escorria pelo meu corpo e meu cabelo estava fedendo e molhado, mas quem se importava? Nós só queríamos nos divertir.
Jennifer se aproximou de mim e gritou no meu ouvido.
- Tem um carinha te secando!
- O que?!
- Tem um cara gostoso ali do outro lado com os olhos fixos em você! – ela gritou de novo e apontou para o outro lado.
Olhei na direção em que ela apontava e vi um cara alto, loiro e extremamente sexy me encarando com um copo de cerveja na mão. Eu podia ver seus olhos verdes brilharem, mesmo de longe.
- Eu posso estar enganada... – Jennifer disse – Mas acho que aquilo é uma ereção.
Ela apontou para o volume nas calças do cara. Eu ri. Ela riu.
- Amiga, não vai deixar esse deus passar, vai? – peguei o copo de tequila da mão dela e o virei.
- Não mesmo.
Avancei na direção dele, desviando dos corpos suados ao meu redor. Sorri assim que cheguei até ele e aproximei minha boca de seu ouvido.
- Eu queria te perguntar uma coisa! – gritei, para que ele pudesse me ouvir – Você viu algo de que gostou? – dei um sorriso sedutor para ele.
Ele sorriu e me avaliou dos pés à cabeça.
- Tudo – ele disse e me puxou pela cintura, me enlaçando e cobrindo minha boca com a sua.
Ele me deu um beijo ardente e me apertou contra ele, pressionando meu ventre contra sua ereção. Minha pele esquentou e eu me agarrei mais a ele, doida por mais.
- Eu espero que você tenha uma casa – eu disse com a boca ainda na sua – Porque eu não transo em banheiro de boate.
Ele abriu um sorriso cafajeste e me puxou pela mão, me guiando para fora da boate. Olhei para trás, procurando por Jennifer. Achei ela onde a tinha deixado. Ela me deu um tchauzinho e sorriu.
O cara loiro me levou até um carro branco e abriu a porta do passageiro para mim.
- Que cavalheiro – eu ri.
Em poucos minutos nós estávamos dentro do elevador de seu prédio, já eliminando as peças de roupa mais fáceis, como a camisa e os sapatos dele.
Ele abriu a porta de seu apartamento e me guiou até o quarto, tirando meu vestido. Joguei meus saltos de lado e tirei meu sutiã enquanto ele se livrava de suas calças.
Ele me jogou em cima da sua cama violentamente e se jogou em cima de mim, brincando com a boca em todas as partes do meu corpo.
Ri e parei ele por um segundo, olhando fundo em seus olhos.
- A gente não vai fazer isso sem camisinha.
Ele sorriu e saiu de cima de mim, correndo em direção a cômoda e voltando logo em seguida com uma caixa de camisinhas na mão.
- Hoje à noite vai ser longa.