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892 Palavras
EManuelle Narrando O dia ainda nem tinha clareado direito quando meu celular despertou. Abri os olhos devagar, sentindo o corpo ainda dolorido da madrugada intensa que a gente teve. O cheiro dele ainda tava preso nos lençóis, e o braço pesado do Caio continuava jogado em cima de mim, como se ele soubesse que eu ia tentar escapar e quisesse me manter ali, presa, quieta… dele. Me mexi com cuidado, sem querer acordar ele. Tava exausta, mas a vida não parava. Eu tinha aula cedo na faculdade, e já sabia que se não saísse agora, ia me atrasar. E se eu me atrasasse, ele ia pirar. De novo. Levantei devagar, puxando a coberta até o pescoço dele e observando por um segundo aquele rosto que ainda mexia comigo igual quando a gente era só dois adolescentes bobos. Ele dormia tranquilo, o peito subindo e descendo devagar, tatuagens espalhadas pelo corpo, o cabelo cortado na régua, a expressão de paz. Pena que essa paz só vinha quando ele tava dormindo. No resto do tempo… era f**a e guerra. Fui pro banheiro, tomei uma ducha rápida, lavei o rosto, escovei os dentes e arrumei meu cabelo. Vesti um vestido longo, bem fresquinho, estampado, com f***a de lado, e uma rasteirinha. Peguei minha bolsa de lado e dei uma última olhada no espelho. Tava bonita. Simples, mas bonita. Do jeito que eu gostava. E do jeito que ele não gostava. Suspirei. Ele nunca gostou que eu fosse de vestido pra faculdade. Queria que eu andasse de legging e moletom o dia inteiro. Falava que mulher dele não tinha que mostrar perna, nem ombro, nem nada. E o vestido, claro, deixava parte das costas à mostra. Mas eu não ia mudar meu jeito de me vestir pra agradar insegurança de ninguém. Nem mesmo do amor da minha vida. Voltei pro quarto, me abaixei devagar e dei um beijo na bochecha dele, bem de leve. — Tô indo, meu amor. Dorme mais um pouco — sussurrei, encostando a boca perto do ouvido dele. Ele se mexeu um pouco, murmurou um “te amo”, e virou pro lado. Desci as escadas apressada, e no caminho encontrei a Vívian, mãe dele, na cozinha já mexendo no café. — Já vai, filha? Tá cedo ainda… — ela disse com aquele jeitinho carinhoso dela. — Tenho aula às sete hoje, sogrinha. Se eu sair mais tarde pego o trânsito engarrafado. — Sorri, indo até ela e dando um beijo no rosto. — Vai com Deus, minha linda. Ó, qualquer coisa me liga, tá? — Pode deixar! — falei, saindo praticamente correndo da casa. O sol ainda nem tinha esquentado direito, mas o Corolla que ele me deu de presente já brilhava parado na calçada. Branco, modelo novo, vidro fumê, roda cromada. Um luxo de carro, chamando atenção até demais pra quem só queria passar despercebida. Mas, claro, ele fez questão de escolher o modelo. Disse que mulher dele tinha que andar bem. E que se alguém tocasse no carro, ele mesmo ia cobrar. Entrei no carro, liguei o som baixinho e respirei fundo. Às vezes eu sentia que nem minha vida mais era minha. Antes mesmo de sair da rua, o celular vibrou no console. Vida Chamando: Vídeo. — Meu Deus.. Atendi sorriso. A câmera abriu e ele tava deitado ainda, cabelo bagunçado, cara amassada, voz grossa de sono. — Eu saí da cama e você acordou de vez? — Já tá no carro, é? — ele perguntou, coçando o olho. — Tô sim, amor. Indo pra faculdade já. — Mostra aí a rua. Rolei os olhos discretamente e virei o celular pra janela, mostrando que eu tava mesmo na rua da casa dele. — Pronto? Posso ir agora? — Calma, p***a… — ele riu. — Tu tá muito apressadinha hoje. — É que eu tenho prova, Caio. Não posso me atrasar. — Aí, olha só… esse vestido aí… — ele falou, franzindo a testa. — Tu vai com isso pra faculdade? — Qual o problema agora? — Tu tá de costas de fora, Manu. c*****o, tu sabe que os cara ficam olhando. Custa botar uma jaqueta, pô? Fechei os olhos e respirei fundo, segurando a paciência. — Tá 35 graus, amor. Eu não vou passar m*l de calor porque tu cisma que não posso mostrar o ombro, né? Ele ficou calado uns segundos, depois passou a mão na cara, cansado. — Eu só me preocupo, p***a… — Eu sei. Mas isso tá passando do ponto. Ele desviou o olhar e suspirou. — Tu me ama, né? — Muito. — Então veste uma p***a de uma jaqueta. Só pra mim, vai… Suspirei de novo, vencida. Peguei uma jaqueta jeans que deixava no carro e joguei por cima. — Pronto. Agora posso ir? Ele sorriu, satisfeito. — Agora pode. Boa aula, doutora. Te amo lora — Tchau amor. Te amo vida Desliguei a chamada e deixei o celular de lado. Ainda nem era sete da manhã e eu já tava com a cabeça fervendo. E isso era todo dia. Controle disfarçado de cuidado. Ciúmes disfarçado de zelo. Amor demais que sufoca em vez de proteger. Mas eu continuava amando. Porque ele era o meu tudo desde sempre. Porque ele foi o primeiro. Porque toda minha história começava e terminava nele. Só que às vezes… Às vezes eu só queria respirar.
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